Depois de, por duas vezes, ter garantido que não haveria uma nova injeção no Novo Banco sem antes conhecer a auditoria às suas contas, António Costa deu o dito por não dito.
O Governo sente-se agora confortável para continuar a alimentar o banco com dinheiro público, e dispensa saber pormenores sobre a forma como os créditos estão a ser geridos.
Para sustentar o volte-face, António Costa repetiu os argumentos que Mário Centeno tinha usado ao romper o compromisso do primeiro-ministro. Esse discurso assenta em vários equívocos:
1. Esta auditoria foca-se apenas na concessão inicial dos créditos pelo BES? A auditoria especial da Deloitte - anunciada na sequência do anúncio da injeção de 1147 milhões no Novo Banco em 2019 - visa analisar a concessão dos créditos, mas também a sua gestão e venda por esta administração, num período que vai de 2000 a 2018.
2. Esta é só mais uma de várias auditorias? Esta é a única auditoria que visa olhar para a gestão da carteira de créditos tóxicos que está na origem da garantia de 3900 milhões que o Estado deu ao comprador do Novo Banco. As outras auditorias que o Governo refere são a certificação legal das contas anuais; o relatório da Comissão de Acompanhamento; a análise do Fundo de Resolução, e a verificação da consultora Oliver Wyman. Nenhuma destas análises tem o âmbito ou o propósito da auditoria especial, e nenhuma garante que o Novo Banco não esteja a apressar o registo de perdas para aumentar a conta do Estado. A certificação legal, que acontece em todos os bancos, não visa analisar a utilização da garantia pública. Os poderes de verificação do Fundo de Resolução são limitados. Quanto à Comissão de Acompanhamento, falta-lhe um terceiro membro há mais de um ano. No Parlamento, o seu presidente remeteu a avaliação do valor dos créditos vendidos para a certificação de contas e para o próprio banco, e ainda acrescentou que há "casos [mediáticos] que um dia terão de ser tratados".
3. A transferência tinha de ser feita independentemente da auditoria? Os prazos que o Governo tem referido não são públicos e não podem ser verificados. O Orçamento do Estado continha um limite de despesa para o Fundo de Resolução, mas de forma nenhuma isso cria uma obrigação de prazos ou montantes a transferir (o Governo previa usar 600 e acabou a injetar 850). Além disso, o Governo tem o direito a desconfiar e exigir saber pelo que está a pagar.
Ficamos sem saber porque é que o primeiro-ministro se comprometeu perante o Parlamento a fazer uma coisa que, afinal, acha inútil. E porque é que entendeu que era necessário pedir a auditoria que agora dispensa conhecer atempadamente. Fez mal. A auditoria não era apenas útil, era "indispensável", tal como se lia no comunicado do Governo que a determinou, em março de 2019.
Mariana Mortágua -“Jornal de Notícias”- 20/5/2020