28.3.19

TEXTOS DE AUTORES NISENSES (1): José Hilário




NA ROMARIA DE NOSSA SENHORA DA GRAÇA
Nunca uma Quaresma custou tanto a passar em casa dos Mendonças.
Todos esperavam ansiosamente pelo dia da romaria de Nossa Senhora da Graça. O pai queria ter um ajuste de contas, com o Corga de Nisa, pois o ano passado, junto à capela da senhora dos Prazeres, depois de uma acalorada discussão, este deu-lhe duas lambadas e chamou-lhe "montezinho.”
–Este ano vamos ver quem é o “montezinho”, remoía-se interiormente, mas sem dizer nada a ninguém. A mãe queria ir pagar uma promessa, por não lhe ter morrido o porco e ter vendido um bezerro. A filha pretendia andar por lá, livremente, com o namorado.
Na segunda-feira de Páscoa, de manhãzinha, lá partiram os três de merenda aviada.
Depois da missa, combinaram onde se deveriam encontrar para saborear os acepipes feitos de véspera.
O almoço foi rápido, todos tinham mais que fazer. Cada um foi para seu lado e ao encontro daquilo que pretendia.
A mulher, lá foi de joelhos, terço nas mãos, entre a capela da Senhora dos Prazeres e a da Senhora da Graça, ladeira acima, rezando.
O pai, por lá andou percorrendo as tabernas, bebendo uns copos, para ganhar coragem e ver se encontrava o velhaco do ano passado.
A filha não teve nenhuma dificuldade em encontrar o namorado.
Depois de ele jogar na rifa e de lhe oferecer uma santinha de açúcar, para lhe adoçar a boca, convidou-a a saírem do meio da multidão, para namorarem mais à vontade. Foram-se afastando, ela foi dizendo que não, mas lá por dentro o fogo era enorme e pouco tempo depois às escondidas dos olhares mais indiscretos, com rosmaninhos, estevas e giestas a servirem de esconderijo, com promessas de casamento à mistura, entre abraços e beijos, atingiram o “clímax”, nesta vida terrena.
- Este ano vieste tarde - disse o Mendonça assim que encontrou o Corga.
-Ainda venho muito a tempo de te repetir a lição do ano passado, respondeu-lhe o Corga com alguma fanfarronice.
Passado pouco tempo, ambos tinham o fato de sorrobeco sujo e roto, sangue na camisa e um cansaço de quem deu o melhor de si, para salvar a "honra do convento".
Deram e levaram, os amigos de cada um clamavam vitória, mas eles é que sentiam as cacetadas no lombo, a fatiota em mísero estado, toda lixosa.
No regresso, no lameiro do Nizorro, junto ao pontão, havia o tradicional baile ao toque de flauta, mas nenhum dos três tinha vontade de bailar.
Alguém perguntou: -Ó Mendonça então o que foi desta vez? Olhando para a casaca rasgada.
-Deram-me duas cacetadas na casaca.
-E onde tinhas tu a casaca?
-Tinha-a vestida, onde é que houvera de a ter.
Risota geral, galhofa e chacota à mistura, sem que o Mendonça, vislumbrasse onde estava tanta graça, mas enfim, siga a dança, que hoje é dia de Nossa Senhora da Graça.
Regressaram ao Pé da Serra, cansados, mas com as promessas cumpridas.
Durante toda a semana seguinte, sempre que o “Tonho” encontrava a Marianita, a conversa ia sempre dar ao mesmo.
-Então segunda-feira lá vamos à romaria da Senhora dos Prazeres?
-Ainda não sei, respondia ela, com frieza.
-Temos que ir, à dos Prazeres, desta vez sou eu quem tem que cumprir uma promessa -, justificava-se ele, com alguma ironia e um pensamento matreiro. Ela foi ouvindo, até que às tantas lhe disse:
-A dos Prazeres, já foi.

José Hilário / Setembro de 2005