NA ROMARIA DE NOSSA SENHORA DA GRAÇA
Nunca uma Quaresma custou tanto a
passar em casa dos Mendonças.
Todos esperavam ansiosamente pelo dia
da romaria de Nossa Senhora da Graça. O pai queria ter um ajuste de
contas, com o Corga de Nisa, pois o ano passado, junto à capela da
senhora dos Prazeres, depois de uma acalorada discussão, este
deu-lhe duas lambadas e chamou-lhe "montezinho.”
–Este ano vamos ver quem é o
“montezinho”, remoía-se interiormente, mas sem dizer nada a
ninguém. A mãe queria ir pagar uma promessa, por não lhe ter
morrido o porco e ter vendido um bezerro. A filha pretendia andar por
lá, livremente, com o namorado.
Na segunda-feira de Páscoa, de
manhãzinha, lá partiram os três de merenda aviada.
Depois da missa, combinaram onde se
deveriam encontrar para saborear os acepipes feitos de véspera.
O almoço foi rápido, todos tinham
mais que fazer. Cada um foi para seu lado e ao encontro daquilo que
pretendia.
A mulher, lá foi de joelhos, terço
nas mãos, entre a capela da Senhora dos Prazeres e a da Senhora da
Graça, ladeira acima, rezando.
O pai, por lá andou percorrendo as
tabernas, bebendo uns copos, para ganhar coragem e ver se encontrava
o velhaco do ano passado.
A filha não teve nenhuma dificuldade
em encontrar o namorado.
Depois de ele jogar na rifa e de lhe
oferecer uma santinha de açúcar, para lhe adoçar a boca,
convidou-a a saírem do meio da multidão, para namorarem mais à
vontade. Foram-se afastando, ela foi dizendo que não, mas lá por
dentro o fogo era enorme e pouco tempo depois às escondidas dos
olhares mais indiscretos, com rosmaninhos, estevas e giestas a
servirem de esconderijo, com promessas de casamento à mistura, entre
abraços e beijos, atingiram o “clímax”, nesta vida terrena.
- Este ano vieste tarde - disse o
Mendonça assim que encontrou o Corga.
-Ainda venho muito a tempo de te
repetir a lição do ano passado, respondeu-lhe o Corga com alguma
fanfarronice.
Passado pouco tempo, ambos tinham o
fato de sorrobeco sujo e roto, sangue na camisa e um cansaço de quem
deu o melhor de si, para salvar a "honra do convento".
Deram e levaram, os amigos de cada um
clamavam vitória, mas eles é que sentiam as cacetadas no lombo, a
fatiota em mísero estado, toda lixosa.
No regresso, no lameiro do Nizorro,
junto ao pontão, havia o tradicional baile ao toque de flauta, mas
nenhum dos três tinha vontade de bailar.
Alguém perguntou: -Ó Mendonça então
o que foi desta vez? Olhando para a casaca rasgada.
-Deram-me duas cacetadas na casaca.
-E onde tinhas tu a casaca?
-Tinha-a vestida, onde é que houvera
de a ter.
Risota geral, galhofa e chacota à
mistura, sem que o Mendonça, vislumbrasse onde estava tanta graça,
mas enfim, siga a dança, que hoje é dia de Nossa Senhora da Graça.
Regressaram ao Pé da Serra, cansados,
mas com as promessas cumpridas.
Durante toda a semana seguinte, sempre
que o “Tonho” encontrava a Marianita, a conversa ia sempre dar ao
mesmo.
-Então segunda-feira lá vamos à
romaria da Senhora dos Prazeres?
-Ainda não sei, respondia ela, com
frieza.
-Temos que ir, à dos Prazeres, desta
vez sou eu quem tem que cumprir uma promessa -, justificava-se ele,
com alguma ironia e um pensamento matreiro. Ela foi ouvindo, até que
às tantas lhe disse:
-A dos Prazeres, já foi.
José Hilário / Setembro de 2005