2.5.20

COVID-19: ameaças aos direitos das mulheres prejudicam a todos

A pandemia da COVID-19 tem um rosto feminino. São as mulheres que mais sofrem ameaça a direitos e liberdades, são elas as mais afetadas no ambiente de trabalho, já que são maioria das trabalhadoras em saúde. Elas são também a maioria das trabalhadoras domésticas, temporárias e em serviços de pequena escala que devem desaparecer nos próximos três meses, de acordo com projeções da Organização Internacional do Trabalho (OIT). É por este motivo que precisamos de sociedades mais igualitárias, defende o secretário-geral da ONU, António Guterres.
Os primeiros sinais indicam que o vírus da COVID-19 constitui um risco direto maior para a saúde dos homens, principalmente para os homens mais velhos. No entanto, a pandemia expõe e explora todo tipo de desigualdade, incluindo a desigualdade de género. A longo prazo, seu impacto na saúde, nos direitos e nas liberdades das mulheres pode ser prejudicial para todos nós.

As mulheres já sofrem o impacto fatal resultante do confinamento e da quarentena. Estas restrições são fundamentais, mas aumentam o risco de violência contra as mulheres que estão à mercê de parceiros abusivos. Nas últimas semanas, houve um crescimento alarmante da violência doméstica; a maior organização de apoio a vítimas de violência doméstica do Reino Unido registou um aumento de 700% de solicitações. Ao mesmo tempo, os serviços de apoio a mulheres em risco enfrentam cortes e fechamentos.
Este foi o pano de fundo do meu recente apelo à paz nos lares de todo o mundo. Desde então, mais de 143 governos comprometeram-se a apoiar mulheres e meninas em risco de violência durante a pandemia. Todos os países podem agir disponibilizando serviços online, aumentando o número de abrigos de violência doméstica, designando-os como essenciais, e aumentando o apoio às organizações que estão na linha de frente. A parceria das Nações Unidas com a União Europeia, a “Iniciativa Spotlight”, trabalha com os governos de mais de 25 países nestas medidas, e em outras semelhantes, e está pronta a expandir seu apoio.
Contudo, a ameaça da COVID-19 aos direitos e às liberdades das mulheres vai muito além da violência física. A profunda crise económica que acompanha a pandemia provavelmente terá um rosto notoriamente feminino.

O tratamento injusto e desigual das mulheres que trabalham é uma das razões pelas quais eu entrei na política. No final da década de 60, enquanto estudante voluntário que prestava trabalho social em áreas desfavorecidas de Lisboa, vi mulheres em situações muito difíceis, realizando trabalhos domésticos e arcando com o peso de famílias numerosas. Eu sabia que isso tinha que mudar e assisti a mudanças importantes ao longo da minha vida.
No entanto, décadas mais tarde, a COVID-19 ameaça trazer de volta estas condições, e até outras piores, para muitas mulheres de todo o mundo.
As mulheres estão desproporcionalmente representadas em empregos mal remunerados e sem benefícios, como trabalhadoras domésticas, trabalhadoras temporárias, vendedoras ambulantes e em serviços de pequena escala, como cabeleireiros. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que quase 200 milhões de empregos serão eliminados apenas nos próximos três meses, muitos deles exatamente nestes setores.
À medida que perdem o emprego remunerado, muitas mulheres lidam com um grande aumento da carga de trabalho enquanto cuidadoras devido ao fechamento de escolas, à sobrecarga dos sistemas de saúde e às crescentes necessidades das pessoas idosas.
Também não devemos esquecer as meninas que vêm agora a sua educação interrompida. Em algumas aldeias da Serra Leoa, as taxas de matrícula escolar das adolescentes caíram de 50% para 34% após a epidemia de ebola, com implicações ao longo da vida para o seu bem-estar, das suas comunidades e das suas sociedades.

Muitos homens estão também confrontados com a perda de emprego e com exigências contraditórias, mas mesmo nos melhores cenários, as mulheres fazem três vezes mais trabalho doméstico do que os homens. Isto significa que é mais provável que elas sejam solicitadas a cuidar de crianças caso as empresas abram, enquanto as escolas permanecem fechadas, atrasando o regresso à força de trabalho remunerada.
A desigualdade arreigada também significa que, embora as mulheres representem 70% dos trabalhadores da área de saúde, são amplamente superadas em número pelos homens na gestão da área de saúde e constituem apenas um em cada dez líderes políticos em todo o mundo, o que prejudica a todos nós. É necessário que as mulheres participem na tomada de decisões sobre esta pandemia, para evitar os piores cenários, como um segundo pico de infecções, a escassez de mão-de-obra e até agitação social.
As mulheres em empregos inseguros necessitam urgentemente de proteção social básica, desde seguros de saúde a licenças médicas pagas, assistência à infância, proteção do rendimento e apoio em caso de desemprego. No futuro, medidas para estimular a economia, como transferências de dinheiro, créditos, empréstimos e resgates, devem ser direcionadas às mulheres, quer estejam trabalhando em tempo integral na economia formal, quer sejam trabalhadoras em meio período ou sazonais na economia informal, ou enquanto empreendedoras ou empresárias.

A pandemia da COVID-19 tornou mais claro do que nunca que o trabalho doméstico não remunerado das mulheres está subsidiando serviços públicos e lucros privados. Este trabalho deve ser incluído nas métricas económicas e na tomada de decisões. Todos ganharemos com acordos de trabalho que reconheçam as responsabilidades dos cuidadores e com modelos económicos inclusivos que valorizam o trabalho em casa.
Esta pandemia não está apenas desafiando os sistemas mundiais de saúde, mas também o nosso compromisso com a igualdade e a dignidade humana.
Tendo os interesses e os direitos das mulheres como prioridade, podemos superar esta pandemia mais rapidamente e criar comunidades e sociedades mais igualitárias e resilientes que beneficiarão a todos nós.
in onubrasil.org