O livro de José Goulão é o mais abrangente e, ao mesmo tempo,
pormenorizado testemunho em língua portuguesa do drama de um povo que tem uma
flagrante actualidade mas acaba por marcar, da forma mais negativa e
repugnante, a história internacional dos últimos 150 anos.
José Goulão dedicou a maior parte da sua vida de meio século de
jornalismo à situação no Médio Oriente, com especial incidência na chamada
«questão israelo-palestiniana». Um «conflito» que não é mais do que um
eufemismo para o extermínio e a limpeza étnica do povo autóctone da Palestina e
a sua substituição por nacionais de uma entidade colonial, a maioria dos quais
não têm qualquer vínculo étnico com o Médio Oriente. O chamado «povo judeu» não
traduz um conceito étnico mas meramente religioso, tal como poderão usar-se as
expressões «povo cristão» ou «povo islâmico». Os vínculos destes «povos» à
Terra Santa são apenas religiosos.
Esta realidade percorre toda a narrativa, assente na experiência
pessoal de José Goulão durante um sem número de viagens ao Médio Oriente, que
se iniciaram no Verão de 1982 com a reportagem do massacre cometido pelas
tropas israelitas contra o sector Ocidental de Beirute, a metade cercada da
capital libanesa.
José Goulão é, sem dúvida, o jornalista português que melhor conhece
Gaza, a Cisjordânia, Jerusalém Leste e muitas das suas especificidades
históricas, étnicas, religiosas, humanas e humanitárias. Não se considera um
especialista na região porque, em seu entender, 50 anos é tempo insuficiente
para que se entenda, a fundo, a complexidade de uma civilização, ou das
civilizações, que marcaram a nossa de maneira determinante. É assim e não ao
contrário: a chamada «nossa civilização» é fruto das realidades históricas e
religiosas do Médio Oriente e em nada contribuiu, de positivo, para o
desenvolvimento multifacetado daquela região. E quando tentou fazê-lo, como
aconteceu com as Cruzadas e no processo em curso, usando Israel como
instrumento, a perversidade das consequências está à vista.
Genocídio na Terra Santa é, de facto, um relato vivido, emocionado mas
factual, honesto e rigoroso sobre um dos maiores crimes contra a humanidade
cometidos durante os últimos 100 anos.
O livro é um documentário com abrangência histórica e na qual se
percebe, da primeira à última página, que a realidade actual em Gaza, e também
na Cisjordânia e em Jerusalém Leste, é um objectivo pretendido desde sempre por
Israel, seus aliados e cúmplices como os Estados Unidos, a União Europeia e
todos os seus governos, com particular activismo pró-sionista dos sucessivos
executivos portugueses desde a chamada «institucionalização do regime», o
processo de asfixia da Revolução de 25 de Abril de 1974 iniciado em 25 de
Novembro de 1975.
Além da narrativa baseada na experiência jornalística no terreno, desde
Beirute 82 passando por todos os levantamentos palestinianos (Intifadas) e a
presença pessoal em múltiplas incidências do chamado «processo de paz», da
colonização, das permanentes limpezas étnicas, da existência do Hamas e as
vantagens que dela extrai o regime de Israel, e da vida concentracionária nos
chamados «campos de refugiados», o livro de José Goulão inclui uma investigação
profunda sobre a doutrina perversa do sionismo. Este estudo é indispensável
para se perceber, com fidelidade, o que está a acontecer nestes dias. Uma
realidade que, ao contrário do que pretende fazer crer a propaganda sionista,
incluindo a portuguesa, não tem um período antes e outro depois de 7 de Outubro
de 2023. O processo de extermínio é um só desde que o sionismo passou da teoria
à prática na Palestina.
O Hamas, a quem são atribuídas todas as responsabilidades pela chacina
em curso, existe apenas desde o fim dos anos oitenta do século passado, ou
seja, muitas décadas depois de os governos de Israel, implantados como corpos
estranhos na região, terem iniciado, em 1947/48, as chacinas e as expulsões em
massa das populações da Palestina, arrasando e apagando do mapa centenas de
aldeias, vilas e cidades com histórias milenares.
«Deus prometeu-nos esta terra há cinco mil anos», diz o regime de Israel. Eis o axioma ficcional, fundamentalista, terrorista e sangrento em que assenta a realidade dos últimos 150 anos na Palestina e que o chamado «mundo ocidental» adoptou, até às últimas consequências, para prosseguir a sua secular e desumana saga colonial.
Genocídio na Terra Santa desmonta esse axioma, ponto por ponto, com
base em factos testemunhados no terreno ao longo de mais de 40 anos.
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AbrilAbril - 6 de Setembro de 2025