Para prosseguirmos os textos já publicados sob o título « municípios e pandemia», vamos ainda alinhavar algumas ideias medidas, no imediato e mais estrategicamente a curto e longo prazo outros setores. Hoje a educação, muito focalizado nas creches. Proximamente, olharemos o ambiente, a cultura e desporto e até a organização municipal. Numa perspetiva de descentralização e desconcentração, com reajustamento das atribuições e competências das autarquias locais. Como contributo para um mundo mais justo socialmente e ambientalmente mais sustentável, com um novo mundo que não se limite a readquirir a velha e anormal «normalidade»...
Respeitando, na hierarquia das idades, os mais pequeninos, agarremos, desde já, as creches, até por ser o que está na ordem do dia quando alinhavamos estas notas. Definidas para todos os setores, com a retoma progressiva iniciada a 4 de maio, as linhas de prevenção de um novo alastramento do vírus e o regresso (forçado) de todos nós a casa, as cautelas, com crianças em idade tão tenra, obviamente têm de ser impostas. Mas como orientações sanitárias gerais e (admito) algumas específicas, deixando ao poder local e aos profissionais, no respeito por esse quadro, a margem de manobra para fazerem o resto, conforme as necessidades avaliadas por quem está no terreno. Até para, na pormenorização excessiva em que cai a DGS, a coisa não se tornar ridícula por óbvia ou impraticável.
Aliás, a gestão das creches deveria passar para as autarquias e, neste caso, arrojada e diretamente, para o comando das freguesias.
É desproporcionado ver, em campanhas eleitorais de âmbito nacional, cartazes com mais metros quadrados que o distanciamento (agora) em vigor a aludir a estas unidades como grande desígnio de governação nacional. A política central do país deve centrar-se na definição e cumprimento, em diálogo com os agentes educativos, dos grandes desígnios, políticas e programas educativos nos escalões seguintes, já com outra exigência pedagógica. Quem se interessa por estas coisas, vai a Espanha ou a França e qualquer município (lá não existe a figura das freguesias, apenas um resquício português) com centenas (às vezes poucas) de habitantes «manda» nos berçários, creches e jardins de infância. E o mesmo acontece em quase todas as outras nações da Europa. Onde também este tipo de serviços para acolhimento de bebés e crianças é encarado como um direito elementaríssimo dos meninos e dos seus pais, que têm à escolha o serviço público (gratuito) e o particular (comparticipado por valor transferido pelo estado para o poder local). Até o uso da figura das «amas» é apoiado, por se considerar uma modalidade (até seis crianças) que ainda vale a pena, muitas vezes a reservar um acolhimento ainda mais humanizado e a dar mais satisfação às famílias.
A propósito das freguesias, se o espaço disponível e boa vontade do diretor o permitirem, queremos deixar uma ideia de profunda (e mesmo radical) alteração de atribuições das freguesias e competência das respetivas juntas. É certo que o atual quadro legal, na figura da delegação a aprovar em assembleia municipal, já permite, em concreto, passar muito para a autarquia mais próxima dos seus fregueses. Mas, na nossa ótica e do que a experiência do poder local português mostra, em tantos anos e por parte de todas as «cores», muito poucos casos de sucesso se encontram . Salvaguardando honrosas iniciativas, muito positivas e até inovadoras. Mas estas coisas não podem ficar entregues à boa ou má vontade da câmara e assembleia municipais ou (muito menos) até, quantas vezes só, do presidente da câmara.
Por isso impõe se um quadro legal que dê às juntas, diretamente, preto no branco, sem depender da boa vontade de terceiros, muito mais responsabilidades, mais bem definidas e acompanhadas dos meios humanos e financeiros que nos transportem a uma nova era na repartição municípios/freguesias. Porque hoje, fora artigos muito genéricos, a lei confere lhes, em concreto, menos poderes do que os que constam no código administrativo de Marcelo Caetano. De 1936. E, hoje, estamos quase em 2036...
Claro que uma construção completa da nossa estrutura autárquica só se completará com a criação em concreto (como manda a Constituição da República) das regiões administrativas. Mas isso será matéria para um longo artigo. Até porque (sejamos honestos) a questão não é cristalina. Não tem só as melhores bondades. Basta ver a gestão da pandemia entre governo central de Espanha e as comunidades autónomas e até (em Portugal) algumas intervenções dos governos dos Açores e Madeira, a ultrapassar o que deve ser o conceito de autonomia, numa crise pandémica , no quadro (excecional) de estado de emergência, instituído por decreto presidencial.
José Manuel Basso - Médico