16.4.20

OPINIÃO: As "vacas magras" e o virar de página

O Conselho Europeu reúne os chefes de Estado e de Governo da União Europeia, mas deixou para o Eurogrupo, organismo informal dos ministros das Finanças da Zona Euro, a elaboração de um acordo sobre a resposta europeia à crise Covid.
Mais uma vez, o futuro desta estranha União cai nas mãos dos ministros das Finanças. O resultado não ganhou com a demora.
O "acordo" fica muito longe das propostas de solidariedade defendidas por Itália e Espanha, que envolviam a emissão de dívida comum (os eurobonds ou coronabonds) para financiar o combate à pandemia e à crise social que alastra. Enquanto no Reino Unido o banco central já anunciou que apoiará o Estado sem limites, na Zona Euro a Alemanha decidiu: cada país terá de se endividar por si. Diz-nos Mário Centeno, presidente do Eurogrupo, que o órgão "esteve à altura das circunstâncias". É de tal forma que a solução encontrada - empréstimos para as despesas de saúde através do Mecanismo Europeu de Estabilidade - foi rapidamente descartada pelo Governo português, apesar do seu ministro das Finanças ter estado "à altura das circunstâncias". Pelo caminho ficamos sem saber o que defendeu Portugal no Eurogrupo: a posição de Berlim, apoiada por Centeno, ou as propostas de coronabonds subscritas por António Costa?
Estas pretensas soluções europeias não resolvem problema algum, porque todas assentam em mais dívida. E, nesta União, todos os pactos e tratados servem para garantir que, onde há dívida, há austeridade.
Notem como, num ápice, regressa a suposta inevitabilidade de apertar o cinto, fazer sacrifícios, cortar salários, pensões e serviços públicos. Como se essa fosse, mais uma vez, resposta à crise. António Costa veio juntar-se ao coro dizendo que chegou o tempo das vacas magras. Estará Costa a sugerir que, quando assinou os acordos com a Esquerda em 2015, vivíamos tempos de, nas suas palavras, "vacas gordas"? Esqueceu o PS as lições da crise anterior e agora, em vez de "virar a página da austeridade", quer voltar ao capítulo anterior?
Se vacas magras quer dizer tempos difíceis, ninguém o nega. A questão é saber que dieta aplicar contra o emagrecimento, que aqui é a pobreza. O que quis então dizer o primeiro-ministro? Na melhor das hipóteses, António Costa teve uma má expressão e o campo fica aberto para soluções que mereçam o apoio da Esquerda, apoiem o emprego, as pessoas e as empresas contra a crise. Na pior das hipóteses, esta é a retórica com que o PS pretende reinaugurar os tempos da austeridade (alegadamente) inevitável.
São tempos difíceis, sim. Mas que o passado sirva para sabermos que há escolhas possíveis.
Mariana Mortágua in “Jornal de Notícias”- 14/4/2020