24.4.20

CRÓNICAS DA TABANCA: A Câmara de Nisa, os "filhos" e os "enteados"

A propósito do Dia Mundial do Livro e do Autor, a Câmara Municipal de Nisa, com o sentido de oportunidade (e de oportunismo) que se lhe reconhece, anunciou que "brevemente" e no âmbito da sua política cultural (sic) irá reeditar a "Monografia da Notável Vila de Nisa" que, diz a propaganda idalinista, está "actualmente esgotada".
Este "actualmente" já tem, seguramente, vinte anos e sabendo-se que a vereadora-presidente está em actividade no município há 15, metade dos quais a presidir à autarquia, pergunta-se se este súbito interesse pela reedição do livro do prof. José Francisco Figueiredo será, realmente, genuíno, ou se surgiu da necessidade de "em cima do joelho" apresentar um "desenho" com a capa da futura reedição para justificar o "âmbito de uma política cultural" que não existe, em dia de efeméride mundial.  
A Câmara de Nisa sobre a presidência de Idalina Trindade, é bom que se diga, nunca teve uma política clara e definida de apoio à criação e difusão literária. Esse vazio, serviu para criar um sistema discriminatório de ajuda a "filhos" - parentes ideológicos e amigos - em detrimento de "enteados", munícipes do concelho, ex-professores, ex-autarcas da oposição ou dirigentes associativos, e a quem até a simples cedência do auditório da Biblioteca Municipal, uma obrigação por parte do Município, foi negada. 
Um dos cidadãos em causa, entretanto falecido, teve que recorrer a um estabelecimento de restauração para fazer a apresentação do livro "Contos Montesinhos". Sei, porque estive lá e presenciei a indignação e revolta de um cidadão do concelho, prestigiado e com currículo profissional como professor de mérito, a quem foram negados direitos constitucionais. 
Foi em Abril de 2014 e, justamente, no dia 23, comemorado como o Dia Mundial do Livro e do Autor. Discriminou-se, de uma assentada, o Livro e o Autor, em nome, talvez, ou no "âmbito de uma política cultural" de que ninguém conhece a filosofia e os contornos, o que não deixa de ser conveniente.
O auditório da Biblioteca Municipal de Nisa, não pode servir - à revelia do próprio regulamento e das leis do país - para a realização de iniciativas de associações ou de pessoas do concelho, tidas pela sua presidente como "non gratas", decidindo de motu proprio, como se o edifício fizesse parte da sua quinta e não fosse património de toda a comunidade nisense. Colóquios, debates, apresentação de livros, etc., não! Mas reuniões do seu partido, com um simples despacho da mesma ou do seu vice, são decididas de um dia para o outro e levadas, posteriormente, a reunião camarária para ratificação. 
Tudo isto em nome de um "projecto" político-partidário suportado por uma propaganda de que não há memória em Nisa, no culto exacerbado da personalidade, no autoritarismo que põe ênfase no slogan "Trabalhar para as pessoas", mas que, de facto, só "trabalha" para (algumas) pessoas: aquelas que, escolhidas para lugares-chave, tudo fazem para que políticos e comissários se mantenham no poder.
O povo, perante este tipo de actuações, costuma "rematar" com uma frase, a propósito:
"Viver não custa; o que custa é saber viver...!"
António Aleixo, o popular poeta algarvio, escreveu: "Vós que lá do alto império / Prometeis um mundo novo / Cuidado, que pode o povo / Querer um mundo novo, a sério."
... E sem tablets para enganar papalvos!
Mário Mendes
NOTA: Saudamos e festejamos a data histórica e heróica do 25 de Abril, mesmo condicionados pela pandemia que a nível mundial tomou conta das nossas vidas. Escrevo, como sempre o fiz, como um acto de cidadania e de liberdade, utilizando a escrita como meio de criticar factos, decisões, tomadas de posição, que considere lesivas dos cidadãos e da comunidade. Em Outubro de 2018, aqui, neste Portal, escrevi um texto sobre a discriminação da Câmara na disponibilização de transportes municipais aos residentes nas freguesias de Alpalhão e Tolosa para deslocação a Nisa à Feira de S. Miguel. Era um tema já com antecedentes e sobre o qual voltei a escrever em 2019 por altura de cada uma das 4 feiras que se realizam em Nisa. O texto de Outubro de 2018 foi entendido pela Presidente da Câmara como "ofensivo", tendo feito queixa ao Tribunal Judicial de Nisa. Este considerou não haver motivo para me pronunciar como arguido, decisão de que a Presidente da Câmara recorreu para o Tribunal da Relação de Évora, que através do douto acórdão proferido em 11/3/2020 decidiu negar provimento ao recurso e em consequência, manter a decisão recorrida. Deu-me razão.
Cabe dizer que não fiquei mais "gordo" ou "inchado". Tinha plena consciência de que as palavras utilizadas no texto que deram origem à queixa, como sempre afirmei, não visavam atingir, nem atingiam a honra e a dignidade da autarca.
Posto isto, reafirmar, no respeito pelas liberdades fundamentais que o 25 de Abril nos devolveram, que, aqui, neste posto (não o do Comando das Forças Armadas) mas o da escrita e da acção cívica, continuarei, até que as forças mo permitirem, a fazer uso das minhas capacidades de intervenção na vida social, comunitária e política da terra onde há quase 70 anos, nasci.
Este é, para mim, o maior tributo que posso prestar ao 25 de Abril.