28.4.20

OPINIÃO: Uma revolta pandémica

Este vírus está a por a nu, um sistema assente em pés de barro; consegue até ombrear com os exploradores, forçando o desemprego, a precariedade e perca de rendimentos dos trabalhadores, também, por inércia de quem governa. A exploração laboral, a desigualdade de género, injustiça social e a precariedade, revelam que ainda temos muito que lutar neste mundo, onde o tráfico de pessoas, trabalho infantil e escravo ainda não foram banidos.
Os trabalhadores estão amordaçados e muitos não se recordam da hecatombe nas leis laborais em 2003, aprovadas por PSD/CDS e agravadas pelo PS em 2009. E os frutos estão aí: precariedade, assédio moral, baixos salários, organização sindical e de CT’s com fortes dificuldades e um código de insolvências (CIRE) criminoso. O processo foi completo com o enfraquecimento da fiscalização da ACT, que tanto se sentiu no início do Estado de Emergência.
A baixa taxa de sindicalizados em Portugal revela a crise no sindicalismo. Muitos apontam o dedo aos sindicatos e esquecem-se da machadada que levaram em 2003: Caducidade dos contratos coletivos de trabalho; desregulamentação das relações laborais, a abertura de uma autoestrada para a precariedade e até, o impedimento da atividade sindical. O sindicalismo tem de evoluir e para garantir a unidade pelos direitos laborais, é obrigatório o fim da ingerência dos partidos políticos. O enfraquecimento da luta sindical é um problema para uma economia que se quer séria, justa e evoluída.
Perante esta pandemia assistimos ao aumento das violações dos direitos laborais. Mas a situação no mundo, antes da pandemia já nos revelava números negros. Segundo a OIT, em 2009, havia no mundo 188 milhões de pessoas desempregadas e os mais atingidos são os jovens. Dos que trabalham, a maior parte são precários, muitos são pagos miseravelmente e até temos os que trabalham sem receber.
Com muitos trabalhadores a serem obrigados a horas extra sem a respetiva retribuição, a situação laboral assenta na precariedade e nos salários baixos, apesar de alguma recuperação com o acordo à esquerda. A situação financeira, apesar da cosmética à base de cativações, também era preocupante, em especial pela insolúvel dívida pública e preocupante dívida privada. O sistema financeiro, nada aprendeu com a crise anterior e a aposta no crédito descontrolado, semeia novas tempestades.
A União Europeia pouco solidária e a passo de cágado ensaiou a sua habitual farsa com os mais ricos a desprezarem os mais pobres. Inflexível a controlar os paraísos fiscais europeus que roubam os contribuintes, só pensam nos grandes grupos, que só pensam em manter os salários milionários dos administradores, enquanto atropelam os trabalhadores. Nesta altura, já são milhares os trabalhadores despedidos ou em situação difícil.
A crise vai ser global e só tem solução com uma resposta global, com um virar de página desta sociedade capitalista injusta e sem sustentabilidade. A U.E. podia dar o exemplo, mas está a adiar, porque esta Europa está enferma e egoísta… O mundo do trabalho pode progredir no sentido de melhor qualidade de vida para as pessoas, até com as novas tecnologias como a robotização, sem que isso signifique desemprego; é preciso vontade política para a exclusão da ganância e da corrupção. Com uma melhor redistribuição da riqueza, é possível pensarmos em emprego digno para todos, com redução efetiva de horas de trabalho e respeito por quem trabalha como se grita no 1.º Maio.
É verdade que o vírus não conhece classes, nem raças, mas percebe-se que há uns que estão mais protegidos do que outros. Sem novas propostas, há quem se preocupe a criar uma petição para impedir que na A.R., que se comemore o 25 de Abril, mas não vi os autores dessa petição a manifestarem-se contra a situação que tem atingido os trabalhadores que em pleno Estado de Emergência, na linha de Sintra, regressam a casa como sardinhas em lata…
Em 2008, percebemos que a crise global de 1929, não foi um acidente, o capitalismo não tem solução e a sociedade precisa de uma mudança radical e não de austeridade, a fórmula estúpida que só agrava a economia e aumenta os problemas sociais. Os governantes não querem admitir que uma sociedade enfraquecida, só nos destina uma economia diminuída. Este vírus pandémico “brinda-nos” ainda com uma crise social pandémica, que associada a movimentos desestabilizadores populistas, podem dar origem a uma revolta pandémica.
Paulo Cardoso -24-04-2020 - Programa "Desabafos" / Rádio Portalegre