Vivemos tempos em que a ideia de futuro parece ter sido sequestrada.
Fala-se de desenvolvimento, de inovação e de crescimento, mas raramente se fala
de justiça, de redistribuição ou de dignidade. Para termos o futuro que
realmente queremos – um futuro sem desigualdades nem exploração, onde todas as
pessoas possam viver bem porque estão inseridas numa sociedade que garante os
direitos sociais e redistribui a riqueza a quem a produz, é urgente repensar o
presente.
O futuro que queremos, que é bem diferente do que nos querem dar, há-de
ser aquele onde o trabalho é motivo de orgulho e não uma sentença. Precisamos
do trabalho para erguer o mundo à nossa volta. Por que razão não deveria ser do
senso comum que o trabalho e os trabalhadores têm que estar no centro das
preocupações políticas?
São os trabalhadores que constroem a sociedade todos os dias, que
produzem, cuidam, ensinam, transportam, alimentam. No entanto, quantas vezes
são eles os que menos beneficiam do seu próprio esforço? Um país só pode ser
verdadeiramente livre quando valoriza quem o faz existir. Esse futuro, justo e
comum, não há-de chegar por milagre ou decreto, mas pelo gesto persistente de
quem, todos os dias, constrói o mundo com as próprias mãos e não desiste de o
reclamar como seu.
Esse futuro, em que não há pobreza (uma verdadeira escassez organizada)
nem injustiças que alimentem a desconfiança e a violência entre pessoas da
mesma classe por terem origens diferentes, só será possível se vivermos o
presente de outra forma. Precisamos de recuperar a ideia de militância, não
como sacrifício, como se lutar por uma vida melhor fosse perder a vida que
temos, mas como fonte de alegria e sentido. A alegria de estarmos com os
outros, de pensarmos o que nos rodeia e de intervirmos; o contentamento de
sabermos que, mesmo diante das maiores dificuldades, não desistimos de lutar,
nem aceitamos outra forma de lidar com elas.
A série norte-americana Andor lembra-nos que a liberdade é uma ideia
pura, um pensamento espontâneo e involuntário. A opressão, pelo contrário, é
uma máquina gigantesca, sempre imperfeita, um empreendimento colossal, cheio de
leis, decretos, vigilâncias e castigos, que nunca consegue destruir por
completo o pensamento livre. E é precisamente esse pensamento que precisamos de
resgatar – a capacidade de imaginar um futuro diferente e de o tornar real.
Não podemos ser livres quando não recebemos um salário justo em troca
do nosso trabalho, quando não temos direito a uma casa, quando somos obrigados
a aceitar as imposições dos grandes grupos económicos (até mesmo da indústria da
guerra), que ditam o rumo dos nossos países.
Resgatar a ideia de futuro é recuperar a capacidade de imaginar o que
ainda não existe, resgatar uma esperança activa, organizada e criativa, aquela
que não fica à espera, que vai falar com os vizinhos para resolver problemas
dos bairros, que vai falar com os colegas para travar as novas leis que foram
desenhadas pelos patrões para nos explorar com cada vez mais eficácia. O futuro
partilhado só chegará se formos capazes de organizar agora a sua construção. Façamos
o telefonema, marquemos o encontro, não faltemos à chamada.
• Sofia Lisboa –
AbrilAbril - 01 de Novembro de 2025
