O luto nacional não se vê pelas bandeiras a meia-haste, é um sentimento
geral de perda, antes de tudo, como aconteceu na semana passada com a grávida
Umo Cani. Um dos grandes revolucionários da saúde materna em Portugal disse-me
que a morte de uma mulher e do seu bebé no século XXI era uma tragédia. Sem
hipérboles, é mesmo uma tragédia. Pior ainda quando está envolta numa polémica
que tornou a ministra da Saúde protagonista. No Parlamento, Ana Paula Martins
afirmou sobre Umo Cani "não teve acompanhamento até à data em que entrou
pela primeira vez no hospital Amadora-Sintra, já com 38 semanas", depois
de ter dito, e repetido, que Umo era natural da Guiné-Bissau. Fez mais,
associou-a aos casos de mulheres que dão à luz fora dos hospitais, em
ambulâncias ou na berma da estrada, os "partos extra-hospitalares"
como explicou, que nunca foram seguidas pelo SNS, e que chegaram há pouco tempo
ao país, falando até das dificuldades de comunicação por causa da língua. O
perfil sugerido estava errado e os números desses partos revelam uma realidade
que não melhora: em média são 15 partos por mês fora dos hospitais. Foram 169
em 2022, 173 em 2023, 189 em 2024, e este ano já se registaram 154. Quando os
bombeiros falam, explicam simplesmente que estes partos acontecem cada vez mais
porque as urgências estão fechadas. A área da obstetrícia parece uma roleta,
tudo corre bem, quando não corre tudo mal, como o caso do bebé que viajou quase
300 km de ambulância em estado crítico. No caso de Umo Cani, a informação dada
por Ana Paula Martins estava errada. Se todos podemos errar sem maldade, é
importante que saibamos pedir desculpa - é uma das palavras-mágicas que se
ensinam às crianças que não têm de começar os primeiros meses a lutar pela
vida.
· Joana Almeida Silva – Jornal de Notícias - 6 de novembro, 2025
