3.10.23

SAÚDE: "As longas sobreviventes de cancro da mama - desafios e oportunidades"

“O cancro da mama é a segunda causa de morte por cancro na mulher. Em Portugal, são detetados cerca de 7.000 casos por ano. Contudo, e apesar da incidência aumentar a cada ano, tem-se registado em todo o Mundo Ocidental a diminuição da mortalidade, o que tem contribuído para um aumento significativo das mulheres sobreviventes de cancro. A Liga Portuguesa Contra o Cancro estimava em 2019 que Portugal teria 500 mil sobreviventes de cancro e perto de 100 mil doentes em tratamento.
E quem é um sobrevivente de cancro? Há várias definições possíveis, embora a que reúne mais consenso é a que engloba todas as pessoas que um dia viram a sua vida atropelada pelo diagnóstico de cancro. As diferentes populações têm diferentes necessidades! Neste pequeno texto vamos apenas concentrar-nos nas mulheres “longas sobreviventes de cancro” – o que significa e quais os principais desafios e oportunidades.


Partimos de uma definição que abrange todas as mulheres tratadas com intenção curativa, independentemente do tipo de tratamento efetuado (cirurgia, quimioterapia, radioterapia, terapia alvo ou tratamento hormonal, que pode ser estendido durante 10 anos). Este é um processo longo, que implica reaprender a viver depois da doença e dos tratamentos.
Os tratamentos muitas vezes deixam sequelas permanentes (fadiga, alterações da memória, alterações da imagem corporal, incapacidade funcional) e tornam difícil recuperar a vida no ponto onde foi interrompida. Depois da doença, há um processo de recuperação física, emocional e psicossocial que é necessário acontecer! Os sobreviventes terão de curar-se das “curas” ... e este é um processo que exige muito de cada pessoa sobrevivente, e tem que ser acompanhado pela equipa “que trata”, mas também pela comunidade (família, amigos, sociedade, estado e empresas)
Os principais desafios prendem-se com a reintegração social e profissional. É fundamental que a pessoa sobrevivente se sinta apoiado, tenha toda a informação necessária para restaurar a sua qualidade de vida e ultrapassar os desafios trazidos por esta doença e seu tratamento. A sociedade deve estar organizada para permitir a reintegração destas pessoas no mercado de trabalho, garantindo que se mantêm ativos, com vontade e capacidade para contribuírem com o seu trabalho para o bem comum. Por seu lado, este próprio mercado de trabalho tem de ter as ferramentas que permitam a reintegração de acordo com as limitações funcionais de cada sobrevivente, adaptando funções ou ajustando horários de trabalho de acordo com o melhor desempenho individual.
Mas a reintegração na família, na relação conjugal, no cuidar de filhos ou de pais, também requer da nossa sociedade esforços adicionais que permitam a estas mulheres sentirem que desempenham o seu papel, que são amadas, que são úteis na família de acordo com as suas possibilidades, muitas vezes sendo necessário redefinir papéis, entre o casal ou entre irmãos cuidadores!
A saúde e bem-estar dos sobreviventes de cancro deve ser avaliada numa base individual. Todos somos diferentes, todos temos necessidades diferentes!
Deve ser possível cada sobrevivente conseguir expressar as suas preocupações, as suas angústias e as suas frustrações. A equipa de acompanhamento deve ter os recursos necessários para ajudar na definição de prioridades e no apoio integral destas necessidades. Pilares fundamentais do bem estar físico e psicossocial devem ser robustecidos e as Instituições que cuidam devem conseguir disponibilizar as várias disciplinas que contribuem para o todo: nutricionistas, equipas de sexologia, apoio social e psicológico, fisioterapeutas, terapia ocupacional, fisiologistas do exercício físico.
Aí estamos numa sociedade justa e equitativa capaz de olhar para os sobreviventes como pessoas que ao longo da sua vida irão ter necessidades específicas de acordo com cada fase dessa mesma vida e suas exigências!
É importante que os sobreviventes voltem a encontrar o seu caminho para reaprender a viver em pleno. Apesar de a doença oncológica representar um diagnóstico avassalador, com impacto no próprio e na respetiva família, a mensagem é de esperança! A reabilitação é fundamental e ajudará em todas as suas vertentes, a reaprender a viver após esta doença!
* Gabriela Sousa
Diretora do Serviço de Oncologia Médica do IPO Coimbra e Vice-Presidente da Sociedade Portuguesa de Senologia
29 setembro, 2023