Um regime democrático é indissociável da prática da liberdade de expressão. Será então que a democracia, tal como a demos por garantida, se encontra ameaçada? Não parecem restar grandes dúvidas. Aquilo que apareceu sub-repticiamente sob a capa do politicamente correto é, agora, praticado sem qualquer disfarce por regimes em que o Estado de direito e os princípios democráticos eram, acreditávamos, preservados.
Nada está garantido, não nos esqueçamos. A história é uma espiral de acontecimentos: traumas, tragédias e violência inominável regressam a cada passo. A censura volta ao quotidiano e não é exclusiva dos regimes autoritários. As democracias exercem-na, sem reserva. A guerra é o argumento, poucos parecem contestar.
Em França, um país com um problema inquestionável de imigração oriunda de países muçulmanos, manifestações a favor do povo palestiniano são proibidas - o mesmo aconteceu no Reino Unido, na Alemanha...
Proibidas sem grande sucesso, reconheça-se, levando os governos a passar à fase seguinte e instar as autoridades a serem mais duras. É verdade, a Europa não esqueceu as atrocidades cometidas contra os judeus. E ainda bem. É também verdade serem intoleráveis aproveitamentos extremistas a apelar ao extermínio.
Mas que o trauma não sirva de justificação para deixarmos de ver o que está a acontecer ao povo palestiniano, concretamente às populações sitiadas em Gaza. Dizer que Israel está a cometer crimes de guerra é uma evidência. Silenciar pessoas apenas porque dizem o óbvio é uma forma de censura canhestra, um ataque ultrajante à liberdade. Sabemos que sempre o tentaram fazer, mas faziam-no às escondidas, envergonhados. Hoje caíram os disfarces. A normalização do mal é apenas o princípio - quando reagirmos, talvez seja tarde.
* Paula Ferreira - Jornal de Notícias - 25 outubro, 2023