17.11.24
OPINIÃO: Do granito
O mestre de pensar, Jorge Luís Borges, escreveu: "Eu tenho poucas ideias e expresso-as sempre várias vezes". Tirou-me as palavras da boca, por ser o que se passa comigo: em matéria de Porto, ando às voltas e acabo no mesmo sítio.
Tais voltas incluem o que se passa por aí, mirando notícias e ouvindo pessoas acerca da cidade, meu território de sentimento e opção. Assim, foi com surpresa que li a notícia de o granito ter sido reconhecido pela UNESCO como "Pedra Património da Humanidade". Fiquei espantado não pelo facto da história da cidade poder contar-se com os seus habitantes a transformarem a pedra-mãe em urbe e património, mas por haver no mundo e entre nós quem se interesse por valores que afirmam a memória de um país.
Vem dos primórdios do Burgo a ligação com o granito. O seu crescimento fez-se à custa das pedreiras nele disponíveis e a partir do séc. XVIII surgem referências precisas à sua actividade. Numa acta da Irmandade dos Clérigos, lê-se que "explorava uma pedreira no Monte" (certamente o Pedral de onde, para a abertura da Rua da Constituição, foram retiradas toneladas de pedra). Aquela Irmandade adiantava que "a pedraria de qualidade era comprada fora".
Em 1791, da pedreira da Arrábida foi extraída o granito para entulhar parte da margem direita da Barra do Douro e, em 1852, a imprensa noticiava que "para a construção da estrada marginal" já se viam pedras saídas da pedreira da Torre da Marca (tal extracção permitiu a abertura da Rua da Restauração).
(E falando de pedreiras: uma há que nem devia existir. A da Av. da Ponte, punhal espetado no nosso coração.)
• Hélder Pacheco - Professor e escritor
Jornal de Notícias - 16 novembro, 2024