24.11.24
CARTAS DO DESASSOSSEGO (I)
Mê rique filhe do mê coraçã e da minhálma deseje questa minha carta te vá encontrar beim e de perfêta saúde quêcá vou inde bem graças a deus nosso senhor, escrevete já sem ter recebide resposta tua mas táva com muntas saudádes, sabes tou ca alma desassoseguéda vê lá tu ca guarda foi a casa do Zé Manel e dêlhe uma grande carga de porráda o requéce Gregório fontes fez queixa disse que lhe róberem azêtona da de conserva e tameim lhe cêferem erva lá na herdéde coitéde do cachôpe que o deixerem chei de nódoas negras os malvádes até o puserem de cama nã chega já a desgráça dele co a mãe doentinha da cabeça e agora iste grandes malandres a baterim assim numa pessoa nem num aneméle se bate assim quante más numa pessoa revolverem a casa toda e nã encontrarim azêtona nenhuma e mesme assim o cachôpe nã se livrou duma valente carga de porráda ele tem umas cinque cabras e vai com elas plos caminhes até à rebêra pastálas nã preceséva da erva do malandre gananciose pra nada o sô padre nem no assunte tocou lá na missa se fosse pra pedinchér e pra nomear os que nã vã à missa isse já falava mas assim fechousse em copas só sabe acusér os pobres que nã vã rezar tomarim eles denhêre pra comprar pã quanto mais pra dar prás esmolas mas que acontecemente malváde cá aconteceu eh cá fequê tá triste que fiz uma panela de sopa com as cousas da horta más um meguélhe de tócinhe e uma farenhêra e foilhes levar o tócinhe sempre dá más sustança e más olha na sopa nem quere saber se me sinsurem fiz o ca minhálma mandou coitéde do cachôpe e da mãe que ma agradecerem munte tenhe a dezêrte quele me pediu se tu o podias levár pró pé de ti quande a mãe dele partir tadinha anda tã mal ele até me prometeu quia cavar umas lêras de terra lá na horta pra eu ódespôs semeér ai flhe da minhálma que me sinte tã sózinha mas ainda bem que fôste pró estrangêre porcaqui só se veim tristezas e e munta meséria eh cá a escreverte sempre alevie as saudades que são tantas tantas até parece questou a falar contigue, sabes a Arménia tem perguntéde por ti cada vez que me vê os olhos dela até brilhem nã te prócupes comigue quê cá me vou arranjande ainda tenhe ali de láde algum denhêre da venda do máche e da carrossa cande precise sempre vou comprar umas mercearias e boles cá em casa nã sacabem a Zabel fornêra dáme uns boles dos de 4 oves e até uma tranças que fazem lá no forne dela mê rique filhe o papel da carta já sestá a acabar despeceme com munta trestêza na minhálma mas foi assim co nosso senhor quis levoute pra longe de mim mas tinha que ser assim, cá nã arranjavas vida recebe muntes beijinhes e abraçes desta tua mãe que nunca te esquece adeus adeus assim que me apertarem a saudádes escreve ótra vez...adeus adeus adeus mê rique filhe.
• António Borrego