13.11.24

OPINIÃO: Mergulhados no deserto

Depois de vários anos de ausência, os jornais em papel voltaram a ser vendidos em Freixo de Espada à Cinta por iniciativa do Município, que assume o serviço e os encargos com os exemplares não vendidos. A decisão é tomada na lógica de que o acesso à informação, consagrado na Constituição, é um direito de qualquer cidadão, onde quer que resida. A prática tem vindo a demonstrar o inverso. Uma boa parte do país está cada vez mais afastada das notícias – na ótica do consumo e simultaneamente como território nelas retratado. O estudo mais detalhado sobre os chamados desertos de notícias em Portugal data de 2022 e é da responsabilidade da Universidade da Beira Interior. Revela que 166 dos 308 concelhos do país estão em deserto de notícias, em semideserto ou ameaçados. Ou seja, não possuem noticiário local ou meios de comunicação locais, ou quando estes existem têm uma periodicidade que não assegura a regularidade da informação. Quando se trata de assimetrias, o Interior comprova invariavelmente a sua fragilidade. Em Bragança e Portalegre, mais de metade dos concelhos estão no deserto ou semideserto. Como explicam os autores do estudo, o problema agudiza-se em “regiões distantes dos grandes centros, com baixa atividade económica, onde os antigos jornais locais não conseguem mais sustentar-se”. Sem visibilidade, é uma parte do país que desaparece do espaço público. A iniciativa da autarquia de Freixo de Espada à Cinta surge em contraciclo, procurando contrariar o afastamento das populações em relação aos media, apesar de estes terem em larga medida abandonado os territórios. O jornalismo de proximidade é crucial, mas até em meios urbanos está ameaçado. Que o diga o Correio da Feira, com atividade “suspensa” por tempo indeterminado depois de 126 anos a cobrir a atualidade no município de Santa Maria da Feira. Segundo a administração, “poucos, e por isso insuficientes, estão interessados em pagar para se fazer informação profissional”. Que consequências poderá ter o deserto que nos vai silenciosamente absorvendo? Talvez estejamos demasiado distraídos com o ruído e a aparente abundância das redes para procurarmos antevê-las. • Inês Cardoso – Jornal de Notícias -13 novembro, 2024