18.11.24
NISA: Apresentação do livro “Os Versos da Tá Mari Pinto”
Realizou-se no passado sábado, na sala da União de Freguesias do Espírito Santo, Nossa Senhora da Graça e São Simão (Nisa), a apresentação do livro "Os Versos da Tá Mari Pinto", poetisa popular nisense falecida em 2003.
Maria da Graça Pinto nasceu em Nisa em 1921, num dos dias que antecederam o Natal. Não frequentou a escola no tempo destinado à formação essencial. A ajuda aos pais, as tarefas no campo, só permitiram que fizesse a terceira classe. Ainda assim, ganhou um amor à escrita que nunca deixou de a acompanhar durante toda a vida.
Mulher do campo, esposa de pastor, viveu e sonhou tendo o mundo rural como pano de fundo. Escrevia versos, nos fugazes momentos que a vida de pastorícia lhe permitia, Mulher de grande simplicidade, os seus versos tornaram-na numa figura popular de Nisa.
Observava, com sentido crítico, tudo o que se passava à sua volta e num qualquer papel, pedaço de embalagem ou de cartão, em letras mal alinhavadas e rimas arrancadas ao fundo da memória, escreveu centenas e centenas de quadras populares, versos espontâneos por onde escorre a água límpida dos riachos, a natureza agreste dos campos ou dos animais, a pastorícia, as artes, antigas, de saber fazer o queijo, os alinhavados, as cantarinhas de barro.
Foi uma das últimas “sentinelas” da vida campesina, dos campos à volta de Nisa que ela viu viçosos e cheios de vida, mas que os ventos da mudança, paulatinamente, obrigaram a uma desertificação acelerada.
Um processo doloroso que Maria Pinto descreve nos seus versos, por vezes parecendo de forma exacerbada e indignada, imaginando o tempo futuro, negro e sem perspectivas.
Muitas dessas quadras foram, no contexto da época, mal compreendidas. Não havia revolta nas palavras que escrevia, mas sim um sentimento de desassossego e solidão em que o universo rural se transformara.
Quem não a conheceu e toma contacto, agora, com os seus versos, está longe de imaginar que ao longo de décadas, a sua poesia popular, sentida e directa, irónica e mordaz, ou terna e efectuosa, fez o retrato social, de tipos, modas, acontecimentos importantes na vila de Nisa, encontros, partidas e chegadas. Entre estas, as do seu filho, para a vida militar ou para a França de todos os sonhos. Percursos, ao fim e ao cabo, de (quase) todos os nisenses.
Nunca foi incomodada pelos versos, por vezes audazes, contidos na sua poesia. Escrevia com o coração e a simplicidade das suas rimas ter-lhe-ão evitado alguns dissabores. É que, num passado ainda recente, as suas quadras populares, lidas e relidas num determinado contexto, configuravam, na sua aparente ingenuidade, um forte pendor social e interventivo.
Quadras que falavam do campo, triste e abandonado, da saga da emigração, da vida dura e mal paga dos camponeses, entre estes os pastores, eternos solitários da planície alentejana.
Maria da Graça Pinto não precisou de contar a história de vida, da sua vida.
Ela está, indissoluvelmente, expressa nos versos que produziu: Basta ler as quadras que durante anos foi publicando no "Correio de Nisa", ou aquelas que, amontoadas e amarelecidas pelo tempo, guardou numa qualquer gaveta ou caixote na sua casa e que, pacientemente, foram reproduzidas como “corpo e alma” deste livro, agora apresentado.
Um livro que é também uma homenagem, algo tardia, a uma mulher que na crueza dos seus versos, disse muitas verdades que, ainda hoje, continuam a incomodar.
Mário Mendes