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15.12.24

MEMÓRIA(S): Textos do "Jornal de Nisa" - O Cantinho do Emigrante

O SONHO Eu sonhei. Um sonho tão lindo, como se fosse uma luz brilhante a invadir-me a alma e me falava tão suavemente, com uma voz de bondade e de amor, pedindo-me que nas minhas orações rezasse pela paz no mundo. Ao mesmo tempo, esta luz movia-se, como se fosse uma estrela cadente a desaparecer no horizonte, como a querer ensinar-me o caminho a seguir. Nisto, estremeci e acordei assustado, como se fosse um pesadelo, encontrando-me lado a lado da minha esposa. Já não consegui adormecer, meditando naquelas palavras tão doces vindas do céu, e acorreu-me à memória as atrocidades das guerras e as tristes recordações que eu vivi na “guerra do Ultramar”, entre fomes e desgraças que temos vindo a acompanhar ao longo dos anos. Os conflitos, as catástrofes e outras calamidades não saíam da memória, chegando mesmo a pensar: será que estamos perto do fim do mundo? Será, este meu sonho, uma mensagem enviada pela providência divina? Se assim for, pedia a toda a humanidade que não tenham ódios e saibam perdoar aqueles que pecaram, porque “Deus é Amor e Bondade”, e Ele não quer que nós vivamos sem ter Paz e Alegria. Eu sei que sou filho do pecado e como pecador que sou, reconheço que traí a amizade de algumas pessoas, por isso, peço perdão àqueles que eu fiz sofrer. Não sou maldoso nem perverso e até tenho a impressão que não sou o homem que escreve estas palavras, tentando procurar explicações ao que me aconteceu. “Todos somos iguais e todos somos diferentes”. Questionando: Cristo foi o homem mais perfeito do mundo e também não agradou a todos, porque foi a opinião pública que o crucificou, por isso todos nós temos o dever de se arrepender para podermos sentar-nos a seu lado. Não estou aqui como profeta, nem para ensinar a doutrina, mas sim a ajudar-vos a preparar a vida que o destino nos traçou. Seja amigo do seu inimigo; ajude os mais necessitados e aconselhe os que andam mal guiados. A violência provoca a morte e a serenidade prolonga a vida. Evitem a vingança, porque esta é um pecado mortal, pois a justiça faz-se com as palavras e não com as acções, até porque são as boas palavras que conquistam os corações. Por esta razão eu nunca irei esquecer aquela luz que penetrou dentro de mim e que chocou a sensibilidade do meu coração, dizendo: “Jesus morreu para nos salvar…” Sejam prudentes e tenham consciência no momento da escolha. Não se deixem iludir, nem convencer com o blá. blá, blá desta gente, porque a religião verdadeira é só uma. Não é raro ver-se pessoas que recorrem aos adivinhadores (bruxos) quando a vida lhes corre mal, ou porque o bem amado os abandonou. Na realidade, deviam afastar-se dessas coisas, para não enriquecerem a “força do Diabo”. Que me perdoem, mas é a inspiração ou a força da vocação que me conduz a escrever estas linhas e deixo-vos com uma citação: “Para ser bem amado, seja amoroso, domine o orgulho e o rancor, e depois verá que viverá feliz.” • António Conicha - “Jornal de Nisa” nº 203 – 15 Março2006

24.11.24

CARTAS DO DESASSOSSEGO (I)

Mê rique filhe do mê coraçã e da minhálma deseje questa minha carta te vá encontrar beim e de perfêta saúde quêcá vou inde bem graças a deus nosso senhor, escrevete já sem ter recebide resposta tua mas táva com muntas saudádes, sabes tou ca alma desassoseguéda vê lá tu ca guarda foi a casa do Zé Manel e dêlhe uma grande carga de porráda o requéce Gregório fontes fez queixa disse que lhe róberem azêtona da de conserva e tameim lhe cêferem erva lá na herdéde coitéde do cachôpe que o deixerem chei de nódoas negras os malvádes até o puserem de cama nã chega já a desgráça dele co a mãe doentinha da cabeça e agora iste grandes malandres a baterim assim numa pessoa nem num aneméle se bate assim quante más numa pessoa revolverem a casa toda e nã encontrarim azêtona nenhuma e mesme assim o cachôpe nã se livrou duma valente carga de porráda ele tem umas cinque cabras e vai com elas plos caminhes até à rebêra pastálas nã preceséva da erva do malandre gananciose pra nada o sô padre nem no assunte tocou lá na missa se fosse pra pedinchér e pra nomear os que nã vã à missa isse já falava mas assim fechousse em copas só sabe acusér os pobres que nã vã rezar tomarim eles denhêre pra comprar pã quanto mais pra dar prás esmolas mas que acontecemente malváde cá aconteceu eh cá fequê tá triste que fiz uma panela de sopa com as cousas da horta más um meguélhe de tócinhe e uma farenhêra e foilhes levar o tócinhe sempre dá más sustança e más olha na sopa nem quere saber se me sinsurem fiz o ca minhálma mandou coitéde do cachôpe e da mãe que ma agradecerem munte tenhe a dezêrte quele me pediu se tu o podias levár pró pé de ti quande a mãe dele partir tadinha anda tã mal ele até me prometeu quia cavar umas lêras de terra lá na horta pra eu ódespôs semeér ai flhe da minhálma que me sinte tã sózinha mas ainda bem que fôste pró estrangêre porcaqui só se veim tristezas e e munta meséria eh cá a escreverte sempre alevie as saudades que são tantas tantas até parece questou a falar contigue, sabes a Arménia tem perguntéde por ti cada vez que me vê os olhos dela até brilhem nã te prócupes comigue quê cá me vou arranjande ainda tenhe ali de láde algum denhêre da venda do máche e da carrossa cande precise sempre vou comprar umas mercearias e boles cá em casa nã sacabem a Zabel fornêra dáme uns boles dos de 4 oves e até uma tranças que fazem lá no forne dela mê rique filhe o papel da carta já sestá a acabar despeceme com munta trestêza na minhálma mas foi assim co nosso senhor quis levoute pra longe de mim mas tinha que ser assim, cá nã arranjavas vida recebe muntes beijinhes e abraçes desta tua mãe que nunca te esquece adeus adeus assim que me apertarem a saudádes escreve ótra vez...adeus adeus adeus mê rique filhe. 
• António Borrego

24.3.24

MEMÓRIA(S) -Páscoa/Nisa: Habitantes de Salavessa saíram à rua com chocalhos para assinalar ressurreição (2010)

 
– Cerca de uma centena de pessoas, naturais de Salavessa, no concelho de Nisa (Portalegre), percorreram hoje as principais artérias daquela aldeia alentejana, a tilintar um chocalho para assinalar a ressurreição de Jesus Cristo.
“É uma tradição muito antiga que esteve parada algum tempo e que foi recuperada há poucos anos por um grupo de jovens aqui da terra”, disse à agência Lusa Júlio Correia, um dos populares que participou na “Chocalhada de Páscoa”.
De acordo com este septuagenário, “os antigos” habitantes da aldeia criaram aquela tradição, mas “não há dados” que especifiquem o ano em que se começou a realizar.
Júlio Correia começou por explicar que os antigos habitantes de Salavessa, quando chegava a época da Quaresma, “ficavam de luto”.


“As senhoras tiravam os brincos, os homens deixavam crescer a barba e os que tinham gado tiravam os chocalhos aos animais”, recordou.
“Quando chegava ao dia da ressurreição a população ficava bastante alegre e começou a tocar nas ruas os chocalhos”, relembrou.
A manifestação de cariz pagã teve início junto ao largo da Igreja Matriz de Salavessa e terminou no mesmo local, cerca de uma hora depois.
“O percurso, no total, tem cerca de dois quilómetros”, disse à Lusa João Matos, da associação SalavessaViva, entidade que recuperou esta tradição.
Enquanto prosseguia todo aquele tilintar ensurdecedor que junta miúdos e graúdos, João Matos relembrou que a “Chocalhada” esteve “inativa” durante bastantes anos.
“Estamos satisfeitos por termos conseguido recuperar esta tradição”, disse.
Entre sons de chocalhos mais agudos e outros mais graves, João Matos disse ainda que esta iniciativa serve para “chamar à terra” os conterrâneos que partiram para outras paragens em busca de um futuro melhor.
Com pouco mais de cem habitantes, a aldeia de Salavessa, situada a poucos metros do rio Tejo, vive durante estes dias momentos de festa, onde a tradição, segundo os populares, será sempre recordada e cumprida.
* Lusa – sábado, 3 de Abril 2010
IMAGENS - Chocalhada 2018 - Mário Mendes

16.10.23

ÉVORA: Seminário "Cuidar do Eu, do Outro e do Tempo" | 6ª Edição “Memórias”

 
Inscrições até 15 de Outubro
Programa
09h30m – Receção aos participantes
09h30m – Início da atividade “TEAR” (Joana Gancho – a desenvolver ao longo do dia)
10h00m – Sessão de abertura (ARSA, ACES, CME)
10h30m – Apresentação do projeto “Café Memória” (Dulce Cruz – ESESJD UE)
11h00m – História sobre Memória (Sílvia Chambino)
11h30m – Coffee-break
12h00m – Atividade física (Pedro Silva / Seniores ativos – CME)
12h30m – “Memória: O que fazer com ela” (Isaura Serra – ESESJD – EU)
13h00m – Almoço
14h30m – Policiamento de proximidade (PSP)
14h45m – Memórias do Património (Gustavo Val-Flores)
15h15m – Apresentação do projeto “Laços Para a Vida Casa & Compa-nhia” (Luísa Policarpo – CME)
15h30m – Exposição do “Tear”
16h00m – Coffee-break e encerramento com baile

26.4.20

25 DE ABRIL MEMÓRIAS COM FUTURO

Um Cravo à janela
A ACERT - Associação Cultural e Recreativa de Tondela - presta tributo à cidadã Celeste Caeiro com 44 anos em 1974 e lança desafio à comunidade.
Uma cidadã comum que a 25 de Abril trabalhava num restaurante na Rua Braamcamp em Lisboa. Uma empregada, a quem fora dado o trabalho de oferecer CRAVOS às senhoras em dia de aniversário do estabelecimento.
Uma mulher que, por o restaurante nesse dia não ter podido abrir pela revolução que se iniciava, levou com ela o braçado de CRAVOS.
Pois, neste 25 de Abril de 2020 a ACERT desafia  a comunidade para que, cada um em sua casa, com a sua família,  possa construir  um CRAVO com os materiais disponíveis  para colocá-lo, depois,  no dia 25 de abril  à janela,  num gesto anónimo e genuíno de gratidão com todas as Celestes Caeiros deste país e com todos aqueles que contribuíram para este dia memorável da história do nosso país.

19.4.20

NISA: Memórias Municipais (XI) - 1932 (1)

 Reunião da Comissão Administrativa – 30/3/1932
 (Vereação: António Falcão, António Joaquim Fraústo) 
- Fazer a aquisição a Jacinto de Matos de 8 colunas e vasos para o Jardim Público pelo preço de 4.000$00 com a condição de estarem em Nisa até 25 do corrente.
- Solicitar a S. Exª o Sr. Ministro das Finanças, isenção da contribuição por título gratuito, respeitando a um legado deixado a esta Câmara Municipal por Catarina Esteves Vieira, viúva, desta vila de Nisa, como Administradora da capela de Nossa Senhora da Graça, cuja herança se destina a reparações nesta dita capela, segundo vontade da testadora.
- Pagar ao Século Cinematográfico a filmagem de vários aspectos desta vila durante a próxima visita de S. Exª o Sr. Presidente da República e Ministros nas seguintes condições:
1º Filme com metragem de 6,58 metros a 8$00 cada metro, filmado em 7, 8 e 9 do próximo mês de Maio, por ocasião da visita do S. Exª o Sr. Presidente da República e ministros a esta vila.

2º Todas as despesas de transporte, fora de Lisboa de duas pessoas encarregadas de proceder aos respectivos trabalhos de filmagem serão de conta deste município assim como gastos de hotel.
3º A cópia do filme fica sendo propriedade exclusiva da Câmara Municipal de Nisa não podendo ser exibida sem autorização desta, salvo o caso especial de ser exibida em um cinema de Lisboa para o Chefe de Estado, Governo e entidades oficiais convidadas por “O Século”.
- Tomar conhecimento de um requerimento do sr. dr. António Biscaia de Macedo em que pede uma certidão do último auto de arrematação da cultura das courelas do Sobral e Carvalhal de Tolosa, na posse da Câmara.
Notas
1 - Jacinto de Matos foi o projectista do Jardim Público de Nisa, inaugurado em Maio de 1932
2 - As oito colunas e respectivos vasos fizeram parte da ornamentação do Jardim Público até à sua "reconversão" em 2005.
3 - A pintura dos elementos florísticos dos vasos foi feita na década de 80. As colunas e os vasos foram reaproveitados e reinstalados pela Câmara Municipal em 2014, dispersos pela vila, sendo actualmente visíveis, dois na entrada do Jardim Público (lado sul); dois na Praça do Município e os restantes no arranjo urbanístico implantado no Alto de Santa Luzia, frente aos antigos lavadouros municipais.
4 - A vinda da equipa de reportagem de "O Século" a Nisa e paga pelos cofres do Município, deu origem a um episódio caricato, mas que ainda hoje se perpetua na toponímia de Nisa. O tenente Falcão, presidente da Comissão Administrativa e "homem da ditadura" fez aprovar a mudança de nome da Rua das Adegas para a Rua de O Século, como "reconhecimento" pelo altos serviços prestados por aquele jornal diário ao Município de Nisa. Pouca gente lia  na década de 30 e menos ainda tinham acesso ao jornal, mas a designação de "O Século" ficou a perpetuar-se numa das principais ruas da zona histórica da vila.

26.7.19

NISA: A Foto do Dia

A este dia, 26 de Julho, convencionou-se designá-lo por Dia dos Avós. É uma data dedicada também a Santa Ana, que em Nisa tinha uma capela junto ao antigo cemitério, no local onde está hoje o Cine Teatro. A capela entrou em ruínas e como houvesse perigo de desmoronamento, a Câmara, no distante ano de 1909, decidiu a sua demolição. A imagem de Santa Ana pode ser apreciada no nicho em que se encontra na escadaria dos Paços do Concelho que conduz ao primeiro andar do edifício.
Falemos da Foto do Dia. Mostra a  Tá Hermínia Galucha, na Praça, transmitindo um pouco de ternura e afecto ao Adolfo, um menino grande, que em boa verdade nunca chegou a ser menino. Deserdado da sorte e dos afectos, o Adolfo foi uma das figuras mais populares de Nisa e por isso, bem merecedor do soneto que lhe foi dedicado e que abaixo transcrevemos. 

SAUDADE
(Em memória de Adolfo da Graça Costa Moura)

Um ano após outro ano, o tempo andando
por nós irá passando, sem cessar...
nos corpos sua marca vai deixando...
nas mentes, a saudade irá gravar!

De ti, Adolfo amigo que partiste,
nos lembraremos sempre com ternura,
e, ao Céu, onde sem dúvida subiste,
tua Alma irá levar tua candura.

Outros daqui partiram também já
e, a pouco e pouco todos nós iremos.
Seus nomes para Sempre lembraremos...

E s´a Vida p´ra nós madrasta for...
ano após ano Quem ficar por cá,
que nos lembre também sem mágoa e dor!...

Vale dos Cardos, Agosto de 2004
Afonso Zagalo Neves

16.4.19

ABRIL, POEMAS MIL (II)


Lembra-te, Abril
O soldado sonhava com a sua terra,
com a sua mulher, e queria voltar.

Disseram-lhe que era um herói,
e que morria como um herói
com duas balas no peito.

Mas ele não queria ser herói.

O soldado sonhava com a sua terra,
com a sua mulher, e queria voltar.

O torturado caía de um lado para o outro da cela.

Ele lera Marx, e lembrava-se do profeta Isaías:
O lobo e o cordeiro pastarão juntos”.

Ele acreditava, e o seu crime era acreditar.
Uma pancada forte demais no crânio,
e não puderam fazer mais nada com ele:
deitaram-no para uma cova,
e cobriram-no com terra e pedras.

E todos viram crescer o trigo negro da raiva.

Lembra-te, Abril, dos que não voltaram!
Lembra-te, Abril, dos que não tiveram cravos na boca!
João Craveiro- Set. 1985

6.9.17

NISA: "Crescei e multiplicai-vos!" - Casamentos



Os casamentos em Nisa guardam, ainda, uma réstia de nostalgia, saudade e tradição. Casamento era sinónimo de festa, do quintal da festa, do acompanhamento, da casa da noiva, de "dar o serviço" e do "tirar a barriguinha de misérias". Mas também dos bailaricos, na rua, no dia e no segundo dia. E eram as "vésperas" cheia de movimento e reboliço, de expectativas, numa vila, nos anos 50 e 60, principalmente, com poucos motivos de diversão.
As fotos de cima serão, talvez, dos anos 60. Está ali muita gente conhecida e na primeira nem faltou a banda de música, a indicar, com a sua presença, que o noivo fazia parte da mesma.
A foto de baixo é de década mais antiga, anos 40 ou 50. Não deixam ser belíssimas fotos pelo que nos mostram de um passado cada vez mais distante, mas ainda presente nas memórias e no coração de tantos nisenses.

18.3.16

TEXTOS DE AUTORES NISENSES (25): Aníbal Goulão

AS FEIRAS DE UM AVÔ
As feiras, seja qual for a localidade em que se realizem, têm sempre para os respectivos habitantes um atractivo especial.
É sempre um dia diferente, por tradição, “um dia de feira”, embora as feiras tenham sido bastante alteradas nos últimos anos.
Actualmente, efectuam-se em tão curtos espaços de tempo que lhes poderemos chamar ultra-rápidas, pois que não vão além de quatro a cinco horas na duração. Os vários meios de transporte e outros cómodos criaram esta modalidade.
Ainda não há muitos anos, a maioria dos feirantes transportava-se em carroças e animais de selas, com os seus productos destinados a venda. Os de mais longe chegavam na véspera à tarde, acomodavam os animais e as mercadorias, para terem a noite livre, o que fazia parte integrante da feira.
Nessa noite, a música tocava no coreto e, à sua volta, a mocidade dançava. Os carroceis com iluminação a cores eram mais um atractivo para as crianças e adultos que estacionavam em redor desse espectáculo movimentado e alegre.
As casas de comidas e bebidas, nesse tempo permaneciam abertas toda a noite, assim como as barracas-botequins, em que era servido o prato tradicional: o carneiro guisado; e apesar das regras de higiene serem postas de parte, era sempre um manjar apetitoso. Lá, nessas toscas barracas, encontravam-se velhos amigos que iam molhando a palavra, durante as suas intermináveis conversas. Por vezes surgia um tocador de harmónio, como que a desafiar uma voz que logo surgisse e se fizesse ouvir. Cantava-se o fado e dançava-se o fandango; e a barraca não comportava os assistentes e bailadores.
Rompia o dia. Os quinquilheiros davam as últimas marteladas, ajustando as tendas; e por toda a parte se expunham productos diversos.
O sol vai alto. Já se faziam transacções. A feira tinha começado. Há quem venha apenas para ver o espectáculo de luz e cor. É sem dúvida um quadro de constantes variedades; e a multidão movimenta-se em ritmo acelerado.
A feira está no auge. O ar que respiramos cheira a cozinhados e fritos de barraca. Aqui chora uma criança que recusa a objectiva dum fotógrafo “a la minuta”; ali, uma senhora idosa comprar o quadro da Ceia de Cristo, em relevo metálico.
Passam moças sorridentes, felizes, ajoujadas com utensílios diversos, que em breve irão compor os seus lares. No ar, baralham-se sons de altifalantes, anunciando “o melhor producto, ao melhor preço”.
Avanço pela feira e encontro-me na frente de charlatão que vende remédios milagrosos. Convence. Compram-lhe caixinhas de pomada para os calos. Por entre a multidão, passam animais de várias raças, conduzidos, orgulhosamente, pelos donos recentes. Mais além, homens ajoelhados que escutam o som dos chocalhos. São pastores que os vão comparar para os seus rebanhos.
São horas de enfeirar. Na secção de calçado, aparecem agora muitos ciganos que vendem estes artefactos, de todos os modelos, até dos que já passaram de moda, que entregam por todo o preço. Compro sapatinhos para os netos, uns óculos e uma bengala.
Chegado a casa, as crianças, ingénuas e curiosas, como todas, ao verem os sapatos pulam de alegria. Em seguida, mostro-lhes os óculos e a bengala. Não lhes despertam interesse algum. Mas o mais velho, reflectindo e compreendendo a significação dos objectos que a mim próprio destinei, exclama: - Já estás muito velhinho, avô!
E um riso amarelo se me frizou nas faces, a confirmar uma verdade que tantas vezes nos custa a acreditar, mas que os anos, cruelmente, nos forçam a reconhecer.
E, enquanto lá fora o trânsito aumentava, no transporte de gentes e coisa aos seus destinos, e a feira prestes a terminar soltava os últimos ecos dum bulício ensurdecedor, símbolo de mocidade e vida, eu meditava na verdade do inocente: “Já estás muito velhinho, avô”!...
Aníbal Goulão - “Correio de Nisa” 24/12/1965

14.7.12

TRADIÇÕES: Alcunhas dos Alpalhoenses (IV)

Publicamos o quarto e último conjunto de quadras de Joaquim Carrilho Capelão dedicadas às Alcunhas de Alpalhão
32
Também tivemos uma Macaca
Ainda nos resta um Negas
E está vivinho o Farrápas
Creio ainda restarem Tetas.
33
Já se foram os Malacões
Creio restarem Gouganços
E descendentes Cagões
E bem assim alguns Mancos.
34
Já não temos nenhum Magano
Não sei se restam Sardentas
Está para durar o Cabano
Mas já se foram os Cantantas.
35
Está bem gordinho o Sopa
Mas já nos deixou o Praia
Há anos que partiu o Raivóta
Creio estar vivinho o Malafaia.
36
Temos descendentes Paivélhos
E também um Arremula
Não sei se ainda há Coelhos
Mas ainda há um Fazbulha.
37
Creio estar vivo o Sete-Patas
Já só temos um Calhicas
Sei haver muitos Cabaças
E só termos uma Pirolitas.
38
Creio só haver um Rebola
E um seu vizinho Rambóia
Em tempos tivemos um Caçoila
E se não falho uma Góia
39
Vou fechar com os Capinhas
Vou findar com os Babécas
Vou terminar com Batatinhas
Vou acabar com as Malfeitas.
40
Já tivemos um Boca de Lobo
Está vivinho o Palhota
Não sei se há algum Boto
E se existe ainda o Póca.
41
Temos também um Fandanguinho
E bem assim um Dalhadulha
Um Broa que foi Padeirinho
E um Patinhas de Cabra vivinho
42
Das alcunhas fiz a rima
De alguns filhos de Alpalhão
O autor foi o Papafina
Que aos citados lança o Perdão.
Joaquim Carrilho Capelão – Nov. 1986

23.12.11

MEMÓRIA: O Natal na vila de Montalvão

Logo em Setembro e Outubro já a maioria das crianças andava alvoroçada com a perspectiva das festas do Natal que não demorariam a chegar. Eram os primeiros a lembrar-se dessa quadra festiva. Por isso, era motivo de “superioridade” dizer aos outros que já tinha duas ou três fachas (pequenos molhos de troncos herbáceos secos de cerca de 1 metro de altura, de uma planta a que chamavam “gamão” e que serviriam de tochas na noite do Menino Jesus).
O tempo decorria, as colecções de fachas iam aumentando, aumentando também a vaidade de ter um maior número daqueles molhos; as prendas do Menino Jesus não interessavam por agora. O entusiasmo aumentava sempre até à chegada da Noite Santa.
Na véspera do Dia festivo, e na generalidade, as famílias atarefavam-se nos preparativos da Consoada: as senhoras, em casa, preparavam os ingredientes para os fritos que, à noite, depois da ceia (jantar) iriam acabar, enquanto os homens iam à procura de um tronco para a lareira.
À volta do lume onde já ardia o enorme tronco (que devia continuar aceso até ao Ano Novo) procedia-se ao resto da confecção e fritura das filhós e azevias (por vezes argolas doces) enquanto o pai, a um canto da lareira, lia o jornal e ia provando de tudo um pouco alheando-se da azáfama que existia à sua volta.
Na rua, as crianças davam largas à sua alegria queimando, finalmente, os archotes (fachas) que, com tanto carinho e alvoroço juntaram para iluminarem o Deus Menino. Ao mesmo tempo grupos de rapazes da mesma idade (quintos) passeavam pelas ruas e entravam em casa de alguns deles para comerem os fritos que, normalmente, todas as famílias faziam, excepto as pessoas enlutadas que, por esse motivo, eram presenteadas no dia de Natal por pessoas das suas relações.
Queimados os archotes (fachas) as crianças iam para casa e sentavam-se também à lareira. A certa altura caiam no chão da cozinha rebuçados e vários frutos secos “lançados pelo Deus Menino” que por ali passava. O rebuliço das crianças era grande tentando, cada uma, apanhar o maior número possível daquelas guloseimas. Os mais crescidos segredavam então aos mais novos que não fora o Menino Jesus mas sim o pai que atirava aquelas coisas ao ar.
Ao aproximar-se a meia-noite todos se dirigiam à Igreja para ver o presépio, assistir à Missa do Galo e beijar o Menino. Regressados a casa havia café para todos, filhós e azevias ou ainda carne de porco frita. Na hora de deitar, os pequenos não se esqueciam de pôr o sapatinho perto da chaminé na esperança de que o Menino ali deixasse algum presente. No dia de Natal, manhã cedo, os meninos corriam para a lareira para ver se, no sapatinho, sempre havia alguma lembrança deixada pelo Menino. Depois, chegada a hora, todos se dirigiam para a Igreja e assistiam à Santa Missa.
Na última noite do ano grupos de raparigas lançavam borrifos de água nas portas das casas e, atirando farinha para cima diziam: “Bons Anos vos dê Deus!”. Do interior das casas alguém respondia: “Obrigado!”.
Dia de Ano Novo, à saída da Santa Missa, mulheres com açafates cheios de filhós ofereciam-nas a quem quisesse cumprindo, assim, alguma sacra promessa.
Estas descrições reportam-se aos anos 30/40 do séc. XX vividas nestes termos pelo narrador.
Évora, Dezembro de 2010
Anselmo de Matos Lopes in "Brados do Alentejo"