As
feiras, seja qual for a localidade em que se realizem, têm sempre para os
respectivos habitantes um atractivo especial.
É
sempre um dia diferente, por tradição, “um dia de feira”, embora as feiras
tenham sido bastante alteradas nos últimos anos.
Actualmente,
efectuam-se em tão curtos espaços de tempo que lhes poderemos chamar
ultra-rápidas, pois que não vão além de quatro a cinco horas na duração. Os
vários meios de transporte e outros cómodos criaram esta modalidade.
Ainda
não há muitos anos, a maioria dos feirantes transportava-se em carroças e
animais de selas, com os seus productos destinados a venda. Os de mais longe
chegavam na véspera à tarde, acomodavam os animais e as mercadorias, para terem
a noite livre, o que fazia parte integrante da feira.
Nessa
noite, a música tocava no coreto e, à sua volta, a mocidade dançava. Os
carroceis com iluminação a cores eram mais um atractivo para as crianças e
adultos que estacionavam em redor desse espectáculo movimentado e alegre.
As
casas de comidas e bebidas, nesse tempo permaneciam abertas toda a noite, assim
como as barracas-botequins, em que era servido o prato tradicional: o carneiro
guisado; e apesar das regras de higiene serem postas de parte, era sempre um
manjar apetitoso. Lá, nessas toscas barracas, encontravam-se velhos amigos que
iam molhando a palavra, durante as suas intermináveis conversas. Por vezes
surgia um tocador de harmónio, como que a desafiar uma voz que logo surgisse e
se fizesse ouvir. Cantava-se o fado e dançava-se o fandango; e a barraca não
comportava os assistentes e bailadores.
Rompia
o dia. Os quinquilheiros davam as últimas marteladas, ajustando as tendas; e
por toda a parte se expunham productos diversos.
O
sol vai alto. Já se faziam transacções. A feira tinha começado. Há quem venha
apenas para ver o espectáculo de luz e cor. É sem dúvida um quadro de
constantes variedades; e a multidão movimenta-se em ritmo acelerado.
A
feira está no auge. O ar que respiramos cheira a cozinhados e fritos de
barraca. Aqui chora uma criança que recusa a objectiva dum fotógrafo “a la
minuta”; ali, uma senhora idosa comprar o quadro da Ceia de Cristo, em relevo
metálico.
Passam
moças sorridentes, felizes, ajoujadas com utensílios diversos, que em breve
irão compor os seus lares. No ar, baralham-se sons de altifalantes, anunciando
“o melhor producto, ao melhor preço”.
Avanço
pela feira e encontro-me na frente de charlatão que vende remédios milagrosos.
Convence. Compram-lhe caixinhas de pomada para os calos. Por entre a multidão,
passam animais de várias raças, conduzidos, orgulhosamente, pelos donos
recentes. Mais além, homens ajoelhados que escutam o som dos chocalhos. São
pastores que os vão comparar para os seus rebanhos.
São
horas de enfeirar. Na secção de calçado, aparecem agora muitos ciganos que
vendem estes artefactos, de todos os modelos, até dos que já passaram de moda,
que entregam por todo o preço. Compro sapatinhos para os netos, uns óculos e
uma bengala.
Chegado
a casa, as crianças, ingénuas e curiosas, como todas, ao verem os sapatos pulam
de alegria. Em seguida, mostro-lhes os óculos e a bengala. Não lhes despertam
interesse algum. Mas o mais velho, reflectindo e compreendendo a significação
dos objectos que a mim próprio destinei, exclama: - Já estás muito velhinho,
avô!
E
um riso amarelo se me frizou nas faces, a confirmar uma verdade que tantas
vezes nos custa a acreditar, mas que os anos, cruelmente, nos forçam a
reconhecer.
E,
enquanto lá fora o trânsito aumentava, no transporte de gentes e coisa aos seus
destinos, e a feira prestes a terminar soltava os últimos ecos dum bulício
ensurdecedor, símbolo de mocidade e vida, eu meditava na verdade do inocente:
“Já estás muito velhinho, avô”!...
Aníbal
Goulão - “Correio de Nisa” – 24/12/1965