SENHORA DA GRAÇA
(NISA)
Conta a lenda que um dia
Certo ladrão quis roubar...
Uma caixinha de esmolas
Que por trás da porta havia,
Para quem quisesse dar...
Mas quando ao tentar abrir
A Senhora não deixou!
Os seus pés ficaram presos,
Pois já não pôde fugir
E o ladrão ali ficou!
Se é lenda, pouco importa!
Mas o certo é que lá estão
Junto à caixa das esmolas
Ainda, ao lado da porta,
Uns pés marcados no chão.
Dizem que o ouro da Santinha
Está muito bem guardado...
Não se lembre outro ladrão
De ir à sua Capelinha
E ficar também marcado...
Maria Helena M. Cardoso
Vamos todos
à Romaria!
Eram nove horas naquela manhã de Primavera, com os nisenses
a acordar ao som das bonitas melodias interpretadas pela Banda de Música de
Nisa, que passava na rua a dar a alvorada, enquanto no ar já se ouvia o
estoirar dos foguetes, expedidos lá do cimo do cabecinho de Nossa Senhora da
Graça, a nossa padroeira, como a quererem dizer, que já eram horas de partir
para a Romaria.
Noutros tempos, o trajecto (4 quilómetros ) era
feito a pé, em que a folia dos rapazes e raparigas iam alegrando os caminheiros,
cuja primeira paragem obrigatória seria, como prova de fé, na “Oliveira do
Encontro” para aí se fazer e deixar, uma cruz de paus, pois era uma tradição
antiga.
Hoje, a oliveira já não existe, porque não a souberam
salvaguardar e os romeiros já vão de automóvel.
Com mais uns risos e gargalhadas, começava-se a avistar a
ermida, ainda lá longe, fazendo-se outra breve paragem para ir ver o “Penico
dos Pastores”, de igual modo vandalizado e roubado.
O percurso ia chegando ao fim e já nas imediações da capela,
a primeira coisa a fazer era escolher o local onde se iria merendar: o terreno
mais propício, a melhor sombra e a melhor visibilidade, deixando lá o farnel,
para que outras pessoas não o pudessem ocupar.
Na encosta da colina existiam os “botequins” das bebidas e a
barraca da massa frita (brenhól). Mais acima, no átrio de Nossa Senhora dos
Prazeres, estavam instaladas as tendas das lembranças, onde não faltava a
pinhoada e as “santinhas” de açúcar, ali bem perto do célebre fotógrafo.
Às horas da missa e da procissão, quase toda a gente subia
lá acima ao cabecinho, local de culto, onde se iria cumprir as promessas e
pedir à nossa padroeira, o bem-estar, saúde e sorte para toda a família,
contribuindo-se com donativos em ouro e dinheiro, sendo as notas afixadas com
alfinetes no manto da Senhora.
Algumas pessoas ofertavam “ramos” que eram depois
arrematados, logo a seguir ao almoço, ao som da música.
Não faltava na romaria, um pezinho de dança, acompanhado por
vários componentes da banda ou pelas harmónicas de algum músico de improviso.
E para a festa ser festa, era por vezes necessária a
intervenção da guarda republicana, a cavalo, porque quase sempre havia
zaragatas.
A hora do almoço era aquela em que o convívio era mais forte
e sentido. Despertava ali uma espécie de “magia” a que a paisagem verdejante
dos campos e o cheiro das flores silvestres não era alheio. Era uma sensação de
bem-estar, poucas vezes sentida durante o ano e a que não faltavam os
condimentos das iguarias tradicionais, o bom vinho caseiro a marcar presença,
os pastéis de bacalhau (almôndegas), empadas, painhos, lombos, carne assada de
borrego e os bolos da Páscoa. A rapaziada mais modesta, contentava-se com um
“pirolito” e um “lagarto” ou “freira” com um ovo lá dentro, bolos que eram
confeccionados pelas nossas mães: aos rapazes cabiam os “lagartos” e as
raparigas tinham direito a uma “freira”.
Antes do regresso à vila, os rapazes iam apanhar espargos e
beber a bela água cristalina das fontes, enquanto as raparigas se entretinham
em ir colher um ramo de flores, perfumadas com o cheiro das papoilas e do
rosmaninho, que elas guardavam durante várias semanas.
Os que tinham mais dinheiro, como lembrança, compravam um
“relógio” ou uma “santa” de açúcar, sendo que os primeiros eram para os rapazes
e as “santas” para as raparigas.
Os que não tinham pressa em regressar ficavam lá a ver e a
aplaudir os “ases do pedal”, rapaziada que apostava uns com outros em como eram
capazes de subir até lá acima na bicicleta.
À tardinha, as pessoas que por qualquer motivo não puderam
ir à Romaria, tinham o hábito de ir esperar o pessoal, junto à Fonte do Frade,
metendo conversa com este e aquele, perguntando: “ Então, gostaram da Romaria?
E não houve “garreias” este ano?”.
Era assim, noutros tempos a nossa Romaria à Senhora da
Graça. Descrevemo-la aqui como a vimos e sentimos, não deixando de sentir um
frémito de emoção e saudade.
“O que vem do coração pode-se escrever, mas não o que o
coração é”
António Mourato (Conixa) – "Jornal de Nisa - 24/3/2008