4.10.23

OPINIÃO: Prostituir a prostituição

Passou despercebido ao comum dos mortais, mas o que foi decidido há mais de quinze dias no Parlamento Europeu pode mudar a perspetiva de como a União olha para a prostituição. Em Portugal não é ilegal, mas são penalizados terceiros. Ou seja, a prostituição organizada. Mas não é assim em todos os países europeus, sendo uns mais permissivos que outros. Daí que o relatório que apela à criação de diretrizes comuns sobre a prostituição dá um passo de gigante na forma como olhamos para este fenómeno. No fundo, a intenção é despenalizar quem se prostitui e criminalizar os clientes e proxenetas. O documento entende que o comércio sexual é uma forma de violência contra as mulheres que atua tanto como causa quanto como consequência da desigualdade.
No fundo, Estrasburgo defende assim a convergência regulamentar numa área em que as diferenças legislativas entre os países permitem que os clientes se desloquem de locais com regulamentação mais rigorosa para os mais permissivos, por vezes, percorrendo apenas alguns quilómetros. Como acontece entre Espanha e Portugal, onde no país vizinho a prostituição não é regulamentada e não há punição. Daí pulularem bordéis junto à raia. A lei espanhola mudou no ano passado, mas em termos práticos pouco se alterou. Coexistem diferentes abordagens na União Europeia. Há países, como a Noruega ou a Islândia, que aplicam o modelo proibicionista implementado na Suécia em 1999. No outro extremo, estão aqueles que optaram por legalizar a prostituição como uma atividade com obrigações fiscais e direitos laborais. São os casos da Holanda, Alemanha, Suíça ou Áustria. Em Portugal ainda não se decidiu qual modelo seguir. Estamos numa situação híbrida em que a mulher se pode prostituir mas não tem direitos laborais ou paga impostos e os proxenetas são criminalizados, mas a lei aplicada é bastante suave.
Estamos num debate entre regulamentar e proibir, dividido entre a dificuldade de controlar uma atividade muito lucrativa para quem a explora, mas que na grande maioria dos casos não é voluntária e se alimenta da extrema vulnerabilidade das mulheres.
Nos países onde a prostituição é proibida, ela não desapareceu completamente. Por sua vez, nos países onde a regulamentação foi escolhida, a prostituição aumentou sem que o tráfico tenha desaparecido.
* António José Gouveia - Jornal de Notícias - 03 outubro, 2023