8.3.24

8 MARÇO : poema para uma poetisa palestina

URGENTE: NOTÍCIA DA MORTE DE HEBA ABU NADA 
Desculpai-me a urgência, ó seres
bem pensantes, em particular
os poetas translúcidos
e autorreferentes,
mas uma irmã nossa,
a poeta palestina Heba Abu Nada,
acaba de morrer em Gaza sob os estilhaços de uma bomba benevolente,
enviada por outro Deus,
diferente daquele com quem ela conversava
todos os dias.

Hesitei em transmitir-vos tão pressurosamente
esta fatídica notícia. Deveria, talvez, aguardar
que se dissipasse o fumo cinzento-chumbo da bomba que a matou,
enquanto ela, por certo,
perscrutava o céu em busca de uma nesga de luz e,
quem sabe,
dos últimos pássaros.

Ou, mais curial ainda, 
seria melhor não dizer nada,
enquanto os contemporâneos oráculos hegemónicos,
como todos os oráculos,
não fizessem circular um comunicado independente
a confirmá-lo sem quaisquer dúvidas
ou questionamentos incómodos.

Porém, quando li
as derradeiras palavras de Heba Abu Nada antes de morrer,
apressei-me a espalhar esta notícia,
antes que o seu bilhete fosse censurado
pelos defensores da liberdade seletiva:

“Se morrermos, saibam que estamos alegres e firmes,
pois somos pessoas de verdade!”

* João Melo (Poeta angolano)