10.5.21

OPINIÃO: Não podes impedir a Primavera de aparecer

Os acontecimentos de maio de 1886 em Chicago, despoletaram a consciência de unidade na luta laboral em todo o mundo. Este movimento acabou por originar muita repressão sobre os trabalhadores ao manifestarem os seus direitos no trabalho e não é por acaso, que antes do 25 de Abril, o 1.º de Maio não era feriado, apesar de ser festejado por cá desde de 1962.
Este ano, o 1.º de Maio já teve um “cheirinho a alecrim”, planta primaveril invocada por Chico Buarque em “Tanto Mar”. Há muito por fazer, no que diz respeito a leis laborais que tiveram como momentos significativos, o Código Laboral após a revolução de Abril, a gravosa mudança ultraliberal em 2003, o seu reforço ofensivo em 2009 e por fim, o aumento das penalizações para o trabalhador, no período da troika.
Bagão Félix, Vieira da Silva e a troika no governo de Passos Coelho, deixaram o mundo do trabalho completamente destruturado e refém da precariedade. Com isso, as famílias estão a sofrer as consequências e os jovens estão a acusar essa destruturação. As consequências, estamos a sentir e vamos ver mais à frente…
Uma delas, tem a ver com o desequilíbrio na sociedade no respeita à sua organização. Tudo isto por horários abusivos, incertos e precariedade desenfreada. É, também, inadmissível que fruto das políticas de baixos salários, mesmo em empresas com lucros fabulosos, o salário de quem trabalha não chegue para sair da pobreza, para não falar da nova escravatura, com exploração salarial, jornadas longas e alojamento desumano. É isto que a extrema-direita defende para as vítimas do desemprego em Portugal.
Este assunto não é novo, mas a covid-19 veio forçar a exposição da realidade e o caso de Odemira é um flagrante fechar de olhos, que os nossos governantes fazem ao trabalho em condições desumanas, como é o caso de alguns a viverem em contentores autorizados pelo governo. É sabido que PS, PSD, CDS, IL e Chega, não estão interessados em resolver estes problemas; é reconhecido, que existem novas formas de escravatura em especial com o tráfico de seres humanos, para exploração laboral e sexual um pouco por todo o país, com mais destaque no Alentejo, com o conhecimento das autoridades, há muitos anos.
Alberto Matos, dirigente da SOLIM[1], já denunciou publicamente, «o trabalho escravo associado ao modelo antissocial de subcontratação de seres humanos pelo mais baixo preço, na mira do lucro máximo e imediato.» (…) «a destruição dos solos, o corte de linhas de água e de caminhos municipais, o cerco das vilas, aldeias e escolas por culturas superintensas, as pulverizações com pesticidas que envenenam os poços, as ribeiras e a própria atmosfera. Não é por acaso que as doenças do foro respiratório têm crescido no Alentejo.»[2]
Também, no contexto de pandemia surge no Estado, o espírito de Empresa de Trabalho Temporário ao criar uma bolsa de trabalhadores super descartáveis, como se fossem objetos. Isto num dos países da U.E. com mais trabalhadores com vínculo precário, com todos os prejuízos sociais que isso acarreta. Outro caso que não se percebe, surge com o despedimento de enfermeiros que passaram de heróis a descartáveis. Além da pandemia estar ativa e sem certezas, estamos em pleno processo de vacinação, onde não há mãos a medir, para não esquecer que há um longo trabalho de recuperação a fazer, face aos efeitos da covid-19 no SNS e nas pessoas. É preciso investir no SNS e respeitar os profissionais de saúde.
A pandemia, também, veio mostrar que o teletrabalho sofre de desregulação, onde a privacidade e a garantia de direitos não são asseguradas. Muitos trabalhadores sentiram o abuso na disponibilidade horária e no uso dos seus meios pessoais no regime de teletrabalho, onde até o próprio Estado abusou. Sem regulação, o teletrabalho pode tornar-se uma nova forma de exploração laboral.
O 1.º de Maio é para comemorar o dia do trabalhador, as lutas e o grande objetivo da dignificação do trabalho, com condições e salários justos. Voltando a Chico Buarque e à canção “Tanto Mar”, ele canta: “Canta primavera, pá “; e é isso, têm existido muitos retrocessos, mas como escreveu Pablo Neruda, “Podes cortar todas as flores, mas não podes impedir a Primavera de aparecer.”

Paulo Cardoso - Programa "Desabafos" / Rádio Portalegre - 07-05-2021
[1] Associação para a Defesa dos Direitos dos Imigrantes – Solidariedade Imigrante
[2] https://www.esquerda.net/opiniao/lobi-agrario-promove-trabalho-escravo/68582