14.5.21

OPINIÃO: Estufas, imigrantes e o saque do território português

Os surtos de Covid-19 numa outrora pacata zona do país vieram alertar consciências para uma triste realidade da agricultura portuguesa.
As monoculturas modernas de frutos vermelhos, frutos tropicais, olivais e amendoais em regime intensivo ou super-intensivo (vejam onde chegámos) — mas também outras, mais tradicionais, como o vinho no Douro —, para além de todos os malefícios que causam ao ambiente, têm um lado negro e desprezível que é o tráfico de mão-de-obra barata e as condições de quase escravatura em que irmãos nossos são tratados em várias regiões do país.
O que se passa no Alentejo pode ser abordado de várias formas: a económica, a social, a jurídica,  mas não vejo ninguém a ir à origem do problema que radica na forma como o nosso território é gerido e na forma como se permite o saque do país. Desde há alguns anos, a gestão que governos e, sobretudo, autarquias e autarcas fazem do território é caótica, pondo sempre o interesse económico imediato à frente das boas decisões, das decisões sustentáveis e dos reais interesses das regiões e das gerações futuras.
O PARQUE NATURAL DEGRADADO
O maior problema da proliferação de estufas no litoral alentejano é a sua própria existência. Criou-se há décadas atrás o Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (PNSACV) com o propósito de proteger um troço de costa tido como um dos mais selvagens da Europa. Imediatamente a seguir começaram as pressões; pressões urbanísticas, turísticas e depois a agricultura intensiva.
O modelo de desenvolvimento não pode ser o que alguns, sempre numa lógica economicista, preconizam, promovendo primeiro um desenvolvimento económico errado (agricultura intensiva), depois deixar vir os imigrantes, dar-lhes boas condições de trabalho, construir habitações condignas, ou seja, artificializar e urbanizar uma zona que há alguns anos atrás, e bem, foi consignada à proteção da natureza.
Estamos perante um Parque Natural em que o território tem de ser gerido tendo em conta essa realidade. O modelo de gestão deveria ser o de, perante uma zona única nas costas europeias, apoiar as actividades tradicionais, apoiar os proprietários que as quisessem manter, afastar novas construções e modelos de exploração do território que só produzem poluição, lixo e insustentabilidade.
Naquela zona, durante anos, proibiu-se, acertadamente, a construção de casas, de abrigos para animais, anexos agrícolas etc. E depois, fruto de um deslumbramento muito típico, aliás, do modo de ser português, permitiu-se uma artificialização, a rondar o obsceno, da paisagem, uma ocupação desmedida por estufas, milhares de hectares cobertos por plástico destruindo os valores que,  alegadamente, se pretendia proteger.
Aquilo que se faz naquelas paragens já nem agricultura é. É uma indústria em que se produzem bens para exportação à custa da delapidação dos recursos naturais, à semelhança, aliás, da campanha do trigo do Estado Novo ou da explosão da indústria têxtil no vale do Ave. Estes episódios, embora com benefícios económicos imediatos, deixaram um passivo ambiental que ainda não foi ultrapassado e nem sei se alguma vez o será.
AGRICULTURA DEGRADANTE
Algumas destas explorações já nem usam o solo, preferindo ter as plantas em vasos, o que favorece a logística dos espaços. Estamos perante uma actividade que não tem interesse algum para o país, a não ser os impostos que gera, coisa de somenos importância face aos males que produz. Uma grande parte dos produtores donos das empresas agrícolas são estrangeiros ou empresas mistas, a produção é para exportação, em cerca de 90 por cento, para satisfazer a voracidade por frutos vermelhos dos países do norte da Europa, não dá emprego a nacionais, daí a vinda de milhares de imigrantes, e para além disso destrói os valores naturais do nosso país. Porquê manter essa situação de quase arrendamento duma parte do país a interesses que não são os nossos e não deviam ser benvindos nem apoiados?
O estado português devia opor-se a este tipo de utilização do território e os ministérios do ambiente e da agricultura deveriam concertar esforços para, em conjunto com as câmaras, proibir este tipo de actividades e apoiar outras como a plantação de floresta autóctone, a criação de gado em regime extensivo, a promoção do turismo de natureza, a plantação de mais área de montado etc.
Por ironia do destino talvez seja a pandemia e a miséria social, agora posta a nu, a salvar o que resta do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina. 

Jaime Prata in www.campoaberto.pt 12-05-2021