23.10.25

OPINIÃO: Sentir a cabeça debaixo de água


A Amnistia Internacional em França ouviu mil jovens entre os 13 e os 25 anos, para avaliar a sua relação com o Tik Tok. Os resultados do estudo, publicados esta terça-feira, são particularmente ricos porque combinam respostas quantitativas com testemunhos diretos, além de testes de navegação realizados pela própria ONG. Mais de metade dos jovens (58%) dizem-se afetados pelos conteúdos, deprimidos e com baixa autoestima. Nos testes realizados com perfis em que assumiu identidades fictícias de adolescentes de 13 a 15 anos, a Amnistia foi bombardeada com conteúdos que incitavam à automutilação e suicídio, mesmo sem qualquer interação com os vídeos que pudesse conduzir o algoritmo nesse sentido.

Maëlle, uma jovem de 18 anos, partilhou com os autores do relatório um período da sua vida em que quase não ia às aulas e se arrastava, "sem força para fazer nada", passando horas no Tik Tok. Para descrever esses tempos, afirma que se sentia com "a cabeça debaixo de água". O impacto na saúde mental dos mais novos é precisamente o ângulo central do relatório, que desafia as autoridades a intervir.

Apesar da recente declaração conjunta dos Estados-membros da UE defendendo medidas para proteger os menores online, os 25 estão profundamente divididos sobre o caminho a seguir, nomeadamente no que diz respeito à proibição do uso das redes. Proibindo ou não, impõe-se educar seriamente para o digital e sobretudo estabelecer objetivos claros quanto à fiscalização dos conteúdos. Comparativamente com a regulação dos espaços físicos, os gigantes digitais continuam a gozar de incompreensível impunidade. Parecemos fingir não ver tanta gente submersa e com manifesta falta de ar.

·         Inês Cardoso – Jornal de Notícias - 22 de outubro, 2025