7.12.20

OPINIÃO: Partiu um pensador que nos fazia pensar

Nas últimas semanas, a derrota de Trump e a coligação do PSD com o CHEGA, fizeram os destaques nas parangonas. Os EUA, que afinal contam com muita juventude com vontade da verdadeira e necessária mudança progressista, assim como, de mulheres que viram em Trump o animal asqueroso que faz bullying de género; estes, ajudaram a vencer o americano típico individualista, que sonha com o sofá, uma televisão, reality shows e notícias sensacionalistas.
Na geringonça à direita, não faltaram os comentários que comparavam a aliança do PSD e CDS com a extrema-direita, à geringonça do PS com BE e PCP, a extrema-esquerda. Só escondem das pessoas que, BE e PCP defendem o respeito pela constituição, o CHEGA, quer rasgar a lei fundamental; o BE e o PCP lutam pelo respeito da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o CHEGA, quer um regresso a um passado tenebroso.
Neste contexto, PSD e CDS, partidos com uma origem assente em valores sociais, vão ter de discutir a sua linha programática e renegar as origens, porque o discurso de Rui Rio que mandou a ética às urtigas e o apagão de Francisco Rodrigues dos Santos, deixam muitas dúvidas no ar. O economista Gabriel Leite Mota escreveu e com razão, «o comunismo ainda não existiu, o fascismo e o nazismo, sim.»
Não nos iludamos com as habituais piruetas de comentadores como João Miguel Tavares, que equiparou a luta pelas 35 horas de trabalho da esquerda, à castração química aos pedófilos, defendida pela extrema-direita. Já falta mais do que coerência, falta vergonha na cara. Só faltou dizer que as políticas sociais, culturais e ambientalistas são equivalentes ao racismo, sexismo e homofobia…
Como escreveu a deputada Joana Mortágua num artigo para o jornal “I”,[1] «a direita só converge com a extrema-direita se ceder sobre Direitos Humanos e concordar com políticas anti-sociais e de violência de classe.»
Historicamente, assistimos a muitas coligações eleitorais e parlamentares, por exemplo, APU (1978-1987), AD (1979-1983), Bloco Central (1983), PSD/CDS (2002-2004; 2011-2015), CDU (1987…), Geringonça (2015-2019) e agora a Cheringonça (2020…). Também não é de estranhar, se existir coerência e alianças nas votações na A.R. como aconteceu a semana passada com o PSD a votar a favor de uma proposta do BE, na recusa de verba para o fundo de resolução, que como se prevê, iria direitinha para o Novo Banco, sem o resultado de uma auditoria séria como António Costa tinha prometido em maio; mas mais uma vez, volta com a palavra atrás.
É incrível ouvir destacados comentadores a alarmarem o zé povinho que, com este chumbo no OE, o governo não vai cumprir os seus compromissos. Com o resultado da auditoria, o governo pode propor ao parlamento e este logo decide se esturra mais dinheiro dos contribuintes ou não. É importante moderar a gula do sistema financeiro e explicar, que não podem assaltar o país à vontadinha e esses sim, violam deliberadamente os contratos que já de si, são ruinosos. O Tribunal de Contas, deve ter uma palavra a dizer sobre este assunto.
E já agora, porque não é público o acordo com a União Europeia sobre este assunto? Para quando a transparência no que diz respeito às questões financeiras apoiadas por tratados cúmplices da corrupção a este nível? Enquanto for possível a fuga de capitais que tanto arrasa a economia e enquanto existirem offshores, não podemos acreditar na boa vontade dos governantes.
Na crónica anterior fiz referência a vários filósofos e da necessidade que temos de aprender com a sua vontade de perceber o mundo. Podia falar de António Damásio que realça a importância dos afetos e emoções e de Eduardo Lourenço que foi um crítico do sistema financeiro e decerto partiu a pensar numa Europa que está à beira de paralisar em tempos difíceis. No passado dia da Implantação da República, partiu o professor Eduardo Lourenço que foi reconhecido por todos como um pensador que criava pontes e refletia sobre a política nacional. Foi um amante da leitura, com referências a Camões, Antero de Quental, Fernando Pessoa, Kafka e Albert Camus [2] (1913-1960); deste pensador português, ficou célebre a sua frase: “estar-se sem livros é já ter morrido”.
Eduardo Lourenço recebeu influências de filósofos do existencialismo, um movimento filosófico inspirado nas obras de Dostoievsky, da escritora e filósofa Simone de Beauvoir, contando com os reconhecidos filósofos Sartre e Nietzsche, entre outros. Partiu um pensador que nos fazia pensar.
Paulo Cardoso in Programa "Desabafos" / Rádio Portalegre - 4/12/2020

1] Artigo publicado no jornal “I” a 19 de novembro de 2020, Joana Mortágua.
[2] “O mal que existe no mundo provém quase sempre da ignorância”, Albert Camus, A peste (1947)