20.12.20

COISAS DA CORTE DAS AREIAS (14)- Fábula: O falcão peregrino

Em dia impreciso, não recordamos se caía chuva ou brilhava o sol, olhámos o céu e demos por “ele”.
Envolto em auréola, qual Deus, por um momento pairou no espaço, agitando as asas e também o “rabo”, espreitando o chão.
Terá vindo do norte? Ou seria do sul? Bem tratado e emplumado ensaiou poisar. Agradava-lhe o sítio, de largos horizontes e sem concorrência à vista, logo anteviu caça abundante e vai dai, desceu.
Era um tempo em que todas as aves falavam e não só os papagaios, assim ninguém na vila estranhou que este falcão, recém-chegado, o fizesse com excessiva vivacidade até, diz quem o ouviu.
Insinuante para os da sua natureza, era um “duro”: estabelecia regras que adorava romper, ainda assim era tolerante porque temido, no fim de contas era um milhafre.
Caprichoso quando voava alto e para longe, nem cuidava dissimular sentimentos emergidos da alma (têm alma os falcões?).
Do crepúsculo ao ocaso, adorava ouvir músicas este falcão peregrino, fossem elas sopradas, cantadas ou dançadas.
De intelecto apertado, este passarão não era dado, antes detestava, voar em grupo. Ao voo elevado, sublime, preferia o rasante, que impunha porque arrogante, incapaz de ser pioneiro, construindo um qualquer ninho, comportava-se como os cucos, sacudindo borda fora os indígenas, semente construtora, aos quais exigia, pasme-se, lhe piassem louvaminhas  e pagassem tributo.
Nas suas deambulações pelo território, para poupar energias, tinha por hábito atrelar-se aos comboios já com estes a pleno vapor, não atinando depois com a “estação” certa para descer, viajando incomodado e incomodando.
A um papagaio seu conhecido, ouvimos nós dizer que era agora menos assíduo por aqui, que estará até perdendo o pio, bicadas já quase nenhumas, confessou até sentir-se menos apreciado, embora na mesma adulado.
Estará de regresso às origens? Muita sorte e votos para que conserve por muitos anos a “Plumagem”!

João Francisco Lopes in "O Distrito de Portalegre" - 18/3/2010