Abrandamento
Cartoon de Henrique Monteiro in http://henricartoon.blogs.sapo.pt
No Bloco de Esquerda nunca vimos o acordo com o PS ou a
maioria parlamentar como um embaraço ou uma contrariedade. O programa de
Governo do PS, tal como a sua atuação, estão muito longe do que achamos
necessário para construir um futuro melhor para o país. Mas, em 2015, fomos
confrontados com dois desafios, que aceitamos: i) começar a responder às
urgências sociais deixadas pela Direita, e ii) usar a relação de forças
existente para negociar avanços em áreas essenciais: combate à precariedade,
justiça fiscal, liberdades individuais, serviços públicos, etc.
Durante estes três anos, e em três orçamentos, fomos uma
força empenhada em cumprir ambos os desafios. Propusemos e formamos grupos de
trabalho com o PS; negociamos medidas ao cêntimo, às vezes durante meses.
Sempre que possível, como na precariedade ou na reforma do IRS, fizemos
compromissos, por vezes longe do nosso ponto de partida. Noutras matérias, como
na venda de bancos ou no acordo com os patrões para a redução da TSU, não acompanhámos
o Governo, nem o nosso compromisso eleitoral o permitiria. Somos críticos e
exigentes, mas agimos sempre com lealdade e competência porque levamos muito a
sério as expectativas criadas no país.
Nos últimos tempos, depois da ascensão de Rui Rio no PSD, a
atuação do PS face à maioria parlamentar alterou-se. Nas carreiras, o Governo
fez tábua rasa do compromisso orçamental sobre o tempo de serviços dos
professores; na lei laboral, acordou em segredo com os patrões medidas
contrárias ao acordo com o Bloco; na saúde, colocou Maria de Belém no caminho
da elaboração conjunta de uma lei de bases proposta por Arnaut e Semedo; no ISP
ignorou o compromisso de neutralidade fiscal.
Agora, membros de topo do Governo desdobram-se em
declarações, dizendo-se vítimas de ultimato por parte do Bloco. Não houve nem
há ultimato. O que há é a exigência de ver cumpridos os compromissos assumidos
pelo Governo, para que o último orçamento seja negociado como os anteriores -
atempadamente, de forma séria e consistente. Não nos interessam os simulacros.
Estamos cá para negociar, resolver problemas e terminar a legislatura. E tudo
será mais fácil se o PS controlar o seu nervosismo pré-eleitoral e regressar ao
espaço da maioria parlamentar que sustentou até agora o Governo. Com vontade de
diálogo e de soluções que reforcem - e não que enfraqueçam, como no trabalho ou
nos professores - o sentido dessa maioria.
Mariana Mortágua in “Jornal de Notícias” – 10/7/2018