11.7.18

EVOCAÇÃO: Manuel Alegre e Cruz Malpique no Liceu Alexandre Herculano (Porto)

O exemplo de PRELÚDIO - Gazeta dos Alunos do Liceu Alexandre Herculano (Porto)
Manuel da Cruz Malpique, nasceu em Nisa em 1902 e faleceu no Porto em 1992, com 90 anos.
Enquanto professor teve alunos que se viriam a destacar, a nível nacional e internacional, no campo das artes, das letras e da política, como são os casos de José Augusto Seabra (já falecido), Manuel Alegre e José Pacheco Pereira. Na prosa que segue e recordando o intelectual nisense, damos a conhecer alguns aspectos do seu trabalho no Liceu Alexandre Herculano, no Porto e, talvez, o primeiro poema publicado de Manuel Alegre, dedicado a... Cruz Malpique.
"Esta publicação do Liceu Alexandre Herculano, feitinha pelos alunos de então, é uma preciosidade. Eu, que sou um jovem, portanto insuspeito, posso bem dizer que antigamente havia coisas que já não há. Era bem diferente o ensino. Claro que houve a democratização e o país melhorou muito no acesso à educação, sem dúvida. Mas lá que agora já não se fazem coisas como o PRELÚDIO, lá isso não. Faltam professores como o Dr. Cruz Malpique, faltam exigência, rigor, seriedade. Será que não podemos ter isto com a democratização? Será que não podemos ter rigor e bons professores? Podia ir mais longe, mas fico-me por aqui. Ah, e convém dizer que não estou a dizer que todas as escolas são assim, claro que há muitas e honrosas excepções -- lá se ia o meu futuro político. Julgo mesmo que foi neste número 1 do PRELÚDIO que o Manuel Alegre terá publicado pela primeira vez, a avaliar pela idade que teria na altura. O seu poema "AS ROSAS DA MOCIDADE" virá já a seguir, e muitos ensinamentos... Até mais.Boa tarde.*AEF
AS ROSAS DA MOCIDADE
(Coronemus nos rosis ante quam marcessant)
Ao Exmo. Sr. Dr. Cruz Malpique

Ó rosas em flor da doce Mocidade,
Hoje vicejais, amanhã murchais!
Ai botões de rosa da santa idade,
Em que se vive ainda ao sabor dos pais!.

Gozemos,amigos, o feliz instante,
Destas rosas belas, a desabrochar!
Num dia futuro, não muito distante,
Vereis as florzinhas, tristes, a murchar...

Cantemos, cantemos, ao nosso esplendor!
Em taças de oiro, o furto da vida
Bebamos. A nossa alma pede amor,
Deixemo-la andar amando... perdida...

Andemos, que ela esvoaça depressa!
Ai rosas bonitas, que breves sois!
Chorarmos agora, ai, livrai-nos dessa,
Ó rosas viçosas que murchais depois!

Amigos, amigos, segui adeante,
Eu paro, que fico... que fico a chorar!
Gozai, que esta hora passa num instante,
É como uma noite de suave luar!

Vereis, depois, vir noites, noites infindas,
Que não passam nunca, que aborrecem sempre!
Olhai para estas rápidas e lindas,
Estas são assim, olhai... não duram sempre!

Ai rosas benditas, breves, talvez...
Ai rosas bonitas, que lindas que sois!
Vós brilhais um dia, mas uma só vez,
Vós brilhais um dia e murchais depois!.
M. Alegre Duarte (5.º ano)
Terá este sido o primeiro poema publicado por Manuel Alegre?*AEF
A produção poética desta fase adolescente ficou reunida num livro, Sensações Românticas, publicado ao 18 anos, que o poeta jamais incluiu na sua obra, e prefaciado pelo seu antigo professor no liceu Alexandre Herculano, do Porto, Cruz Malpique, que nos diz que Manuel Alegre "sendo um rapaz intelectualmente precoce, dotado de fina sensibilidade, que o separava, um tanto, dos seus camaradas nunca foi, porventura, devidamente apreciado pelos seus professores, sobretudo pelos de Letras. Pela minha parte, quero ser mais profeta que os meus colegas: Atrevo-me a supor que o Alegre Duarte virá a ser gente no mundo da poesia e... ilhas adjacentes. Ele que não se incomode com a circunstância de outros dos seus professores não terem feito profecia igual àquela que estou fazendo".
Sabemos que toda a previsão é difícil, mas o certo é que o livrinho rejeitado pelo poeta contém indícios que não fazem de Cruz Malpique um adivinho, principalmente se tivermos em conta algum do jogo metafórico e o ritmo de alguns poetas ou de algumas das estrofes contidas em Sensações Românticas que nos deixa também, ainda que de forma ingénua, uma formulação do terrível oxímoro que percorre a obra de Manuel Alegre – o o de que a [sua] poesia, escrita por "um homem sentado/à mesa da solidão", sendo tudo, é nada.
FICHA TÉCNICA PRELÚDIO
Ano I, Porto, 31 de Janeiro de 1953, N.º 1, Mensal, Preço 1$00
Gazeta dos Alunos do Liceu de Alexandre Herculano (ao abrigo do Art. 445 do Dec. 36.508) CENTRO ESCOLAR N.º 6 -- ALA DO DOURO LITORAL
Prof. Orientador: Dr. Cruz Malpique - Composto e impresso na: Esc. Tip. da Oficina de S. José, telefone 21 866 - Rua Alexandre Herculano, 123 PORTO
Redactores: José Miguel Leal da Silva, Manuel Carvalho e Cunha, Rui Abrunhosa.