29.7.18

ESTUDO: A sustentabilidade e a continuidade da ADSE com o atual paradigma é só possivel com o apoio e vigilância dos beneficiários, e com uma conduta responsável

O LIMITE DE 24 CONSULTAS POR ANO NO REGIME LIVRE
Um compromisso que assumi, ao ser eleito pelos representantes dos beneficiários para o Conselho Diretivo da ADSE, foi o de procurar garantir a sustentabilidade e a continuidade da ADSE sem cortes de benefícios para os trabalhadores e aposentados da Função Pública. E isto porque penso que a ADSE é muito importante para eles, devido ao aumento das dificuldades do SNS para satisfazer as necessidades da população, causado por um subfinanciamento crónico e por uma promiscuidade público-privado que está a corroer, por dentro, o Serviço Nacional de Saúde.
Para quem conheça a situação atual da ADSE sabe bem que a sua sustentabilidade e continuidade com o paradigma atual, que não tem nada a ver com um seguro privado de saúde, passa também pelo seguinte: (1) Falar sempre com a verdade aos beneficiários, e não ocultar a verdade por mais difícil que ela seja pois só assim é que se pode obter o seu apoio; (2) Controlar e pôr um travão a muitos prestadores privados, nomeadamente aos grandes grupos privados de saúde, impedindo-os de faturarem os serviços que prestam, as próteses que aplicam, e os medicamentos que utilizam com margens brutas de lucro exorbitantes que em qualquer outra atividade seriam consideradas especulativas e que variam enormemente de prestador para prestador (felizmente há prestadores com comportamento corretos); (3) Combater comportamentos incorretos mesmo que sejam de beneficiários, porque também os há.
Em suma é necessário uma gestão muito rigorosa, firme e responsável para garantir a continuidade e sustentabilidade da ADSE com o atual paradigma, ou seja, para impedir, que ela se transforme num seguro de saúde, com prémios que aumentam com a idade, com a expulsão daqueles que não dão lucro, ou então com o estabelecimento de “plafonds”, tal como sucede com as seguradoras, acima dos quais deixam de pagar as despesas com saúde aos beneficiários.
É preciso que os trabalhadores e aposentados da Função Pública tenham uma clara consciência disso. E que se tenha a coragem de dizer isso. Se não se introduzir na ADSE uma gestão rigorosa, se essa gestão rigorosa não tomar as medidas necessárias naquelas áreas, e não tiver o apoio dos beneficiários, a ADSE não é sustentável com o atual paradigma, a não ser que se aumente as contribuições aos beneficiários, ou se cortem os benefícios , ou então que o O.E. financie a ADSE. É preciso que os beneficiários sejam informados com verdade disto para não terem surpresas.
A ESTAGNAÇÃO DA PRINCIPAL RECEITA DA ADSE (os descontos dos trabalhadores e aposentados da Função Pública), E O CRESCIMENTO CONTINUO DA DESPESA COM SAÚDE
Para que os beneficiários da ADSE possam ficar com informação clara e verdadeira do quadro real atual em que é gerida a ADSE para garantir a sua sustentabilidade e continuidade apresentam-se a seguir 2 gráficos, de fácil leitura, mas muito importantes pois eles traduzem a situação real que a ADSE enfrenta atualmente, o dilema real que interessa não ocultar.
QUADRO 1
A análise do gráfico 1 revela um crescimento continuo da receita de descontos enquanto a taxa de desconto dos trabalhadores e aposentados da Função Pública cresceu de 1,5% para 3,5%. A partir 2015, com a taxa fixa de 3,5%, o total de descontos para a ADSE, tomando como base o 1º semestre de cada ano, estagnou: 272,9 milhões € em 2015; 276,7 milhões € em 2017; e 277,4 milhões € em 2018. Isto é uma consequência do congelamento das remunerações dos trabalhadores da Função Pública cujo nível de vida diminuiu cerca de 16,4% neste período (ver nosso estudo 33-2018), e também resulta do facto dos trabalhadores quando se aposentam (e a despesa com saúde aumenta) apesar da taxa de contribuição se manter (3,5%), a sua contribuição em euros diminuiu , pois a pensão representa, em média, entre 60% e 70% da remuneração no ativo, já que o numero de beneficiários titulares tem-se praticamente mantido constante nos vários anos.
Comparemos esta estagnação das receitas da ADSE a partir de 2015, que têm como origem os descontos, com o crescimento contínuo da despesa verificada neste período. 
QUADRO 2
O valor do 1º semestre de 2018 – 347 milhões € - não se pode comparar corretamente com o de 2017, pois como em 2018 verificou-se uma crescente desmaterialização da despesa enviada pelos prestadores de saúde (deixaram de enviar as faturas e recibos em papel e passaram a enviar pela Internet), verifica-se uma apresentação mais rápida da despesa, o que determina que o valor de 2018 não seja totalmente comparável com o de 2017. No entanto é claro o aumento continuo da despesa com a saúde (linha de tendência ponteada a vermelho), muito superior à subida verificada nas receitas dos descontos. Em 2017, com os últimos dados que se dispõem, a despesa com saúde da ADSE deve ter aumentado entre 4% a 5% e a receita de descontos subiu apenas 0,5%. No 1º semestre de 2018, a receita dos descontos, quando comparado com idêntico período de 2017, aumentou apenas 0,3%. Portanto, é este quadro apertado que se tem de gerir para garantir a sustentabilidade e a continuidade da ADSE tal como os trabalhadores e a aposentados da Função Pública têm tido.
O CRESCIMENTO RÁPIDO DA DESPESA COM A SAÚDE NA ADSE TEM RESULTADO DO ENVELHECIMENTO DA POPULAÇÃO ABRANGIDA, DO CRESCIMENTO DOS CUSTOS COM SAÚDE, E DA FALTA DE UM CONTROLO EFICAZ DA FATURAÇÃO DOS PRESTADORES
Uma das causas, não a única (o envelhecimento da população abrangida e o aumentos dos custos dos novos medicamentos, dispositivos e equipamentos fruto da inovação são outras causas); repetindo, uma das causas importantes do aumento rápido da despesa faturada pelos prestadores privados, nomeadamente grandes grupos privados, foi a inexistência, por um lado, de um sistema de informação que permitisse um controlo eficaz e automático do que era faturado e, por outro lado, medidas eficazes de combate a preços especulativos a nível de prestadores. Na ADSE, a nível dos preços abertos, a ADSE pagava/paga uma percentagem que podia chegar aos 100% do preço faturado livremente, sem qualquer controlo e sem qualquer limite faturado pelo prestador privado.
Alguns casos que são reais apenas para que os beneficiários fiquem com uma ideia clara do descontrolo existente e da forma como eram utilizados os seus descontos. Em 2015, um dispositivo médico (prótese) com o mesmo CDM (código dado pela INFARMED que atesta que trata-se do mesmo dispositivo médico) foi faturado por um prestador privado por 58,3€ e por outro por 644,7€, ou seja, 11 vezes mais. Em 2017, um dispositivo médico, com o mesmo CDM, foi faturado por um prestador privado por 673,95€ e por outro por 10.239,35€, ou seja, 15 vezes mais. Os exemplos reais podiam-se multiplicar, mas estes são já suficientes para mostrar o descontrolo existente, a impunidade como prestadores privados faturavam o que queriam e como queriam, e a forma como eram utilizados os descontos feitos aos trabalhadores e aposentados. Era uma cultura de impunidade que se tinha instalado, que é urgente mudar, e que se está a tentar mudar para garantir a sustentabilidade da ADSE, mas que levanta naturalmente grandes resistências.
Vai-se tentar ainda corrigir uma parcela do pago a mais no passado. Se os prestadores privados tentarem manipular os beneficiários contra a ADSE, utilizando nomeadamente a mentira, então abordaremos esta matéria com maior profundidade e de uma forma muito mais clara e concreta.
A QUESTÃO DO LIMITE DE 24 CONSULTAS POR ANO QUE FOI EMPOLADA PELOS MEDIA QUE CRIOU INSEGURANÇA NOS BENEFICIÁRIOS
É uma questão que suscitou grande alarido nos media. Para esclarecer, é preciso dizer que este limite só se aplica ao Regime Livre, e não ao Regime Convencionado, e o Regime livre representa uma reduzida percentagem das consultas utilizadas pelos beneficiários da ADSE. No Regime Livre não existe qualquer limite ao preço que o médico possa cobrar, o que não deixa de ser incompreensível (na Madeira o valor máximo que um médico pode exigir por uma consulta são 55€, e em vários países europeus há limites impostos pelo governo para impedir o arbítrio), mas em Portugal não existe limites, e o preço da maioria das consultas nos hospitais privados no âmbito do Regime livre varia entre 60€ e 100€, a ADSE só comparticipa com 20,45€. Se um beneficiário utilizar o Regime Convencionado tem de pagar apenas 3,99€, sendo o resto (14,71€) pago pela ADSE. Portanto, o beneficiário paga muito mais no Regime livre, sendo altamente prejudicado. Os prestadores privados, nomeadamente os grupos privados, com convenções com a ADSE procuraram “empurrar” o beneficiário para o Regime Livre pois o lucro é maior para o médico e para o Hospital (muitas vezes dizem que o médico já não está na convenção ou que não têm médico embora aquela especialidade conste da convenção assinada com a ADSE). Em segundo lugar, o número de beneficiários com mais de 24 consultas por ano no Regime Livre é muito reduzido (q1).
QUADRO q1
Como revelam os dados do quadro, em 2017, dos 224160 beneficiários que utilizaram as consultas do Regime livre apenas 251 (0,1%) tiveram mais de 24 consultas. A média de consultas por beneficiário é apenas 2,47 por ano, e o número mais frequente de situações (a moda) foi apenas uma consulta/ano. Uma análise mais detalhada das consultas realizadas por aqueles 251, revelou que uma parte delas (não a totalidade) resultavam do desdobramento do pagamento em vários recibos para a ADSE pagar várias vezes a mesma consulta para assim reaver o dinheiro pago ao médico (por ex., se numa consulta o médico cobrou 70€, e se ele passar três recibos o beneficiário recebe três reembolsos da ADSE o que lhe dá 64€). A nova tabela do Regime Livre só entrará em vigor em 1 Setembro de 2018, e não haverá contagem retroativa de consultas, o que significa que as 24 aplicar-se-ão aos restantes meses de 2018. E no fim do ano far-se-á um balanço.
PARA QUE A ADSE SEJA SUSTENTÁVEL E PARA GARANTIR A SUA CONTINUIDADE É NECESSÁRIO O APOIO DOS BENEFICIÁRIOS, A VIGILÂNCIA DESTES E UMA CONDUTA RESPONSÁVEL
Não é possível garantir a sustentabilidade e a continuidade da ADSE sem o apoio ativo e a vigilância dos beneficiários e uma conduta responsável. Tenham presente que o médico que mais receita ou coloca próteses mais caras não é necessariamente o melhor médico, pode sim ser aquele que dá mais faturação e lucro à entidade onde trabalha, e em muitos hospitais privados muitos profissionais quanto mais prescrevem mais recebem. Vamos ter de controlar os preços excessivos, com margens de lucro brutas inaceitáveis, nomeadamente dos grandes grupos privados, os consumos desnecessários, as faturações em duplicado, e eles não vão gostar até porque estavam habituados a faturar o que queriam, ao preço que queriam nos preços abertos, e a ADSE pagava tudo, ou melhor, os beneficiários com os seus descontos pagavam tudo. E isto tem de acabar para se garantir a sustentabilidade e a continuidade da ADSE. É de prever que reajam, e como têm um grande poder sobre a comunicação social, é previsível que procurem manipular/virar os beneficiários contra a ADSE, dizendo que esta está a por em perigo a continuação da assistência médica. Mas isso não é verdade, o que se vai procurar é pagar preços justos pelos serviços que prestam e pelos dispositivos que aplicam. É necessário que todos os beneficiários estejam ALERTA, não se deixem enganar e defendam a ADSE, a sua ADSE neste trabalho que tem de ser feito. Nesta tarefa difícil e pesada que estamos dispostos a levar a cabo, precisamos da vossa ajuda e apoio. Sem ele a ADSE não será sustentável nem está garantida a sua continuidade tal como é. NUNCA SE ESQUEÇAM DISSO.
Eugénio Rosa, edr2@netcabo.pt, 22.7.2018