22.7.18

TOLOSA na recolha etnográfica de Leite de Vasconcelos (1)

Leite de Vasconcelos, um dos maiores etnógrafos e arqueólogos portugueses andou pelas terras da Corte das Areias e fez de Tolosa, por diversas vezes, o seu "poiso" habitual. Não admira, pois, as inúmeras referências a esta vila, nas principais obras do autor, como são a Etnografia Portuguesa  e Terras da Lusitânia.
Neste espaço transcrevemos algumas das prosas, deliciosas, sobre costumes e tradições locais.
Como se tratavam algumas doenças em Tolosa
Quebranto/mau olhado - Os animais também são vítimas do mau olhado, e o remédio é o mesmo. Em Tolosa, o diagnóstico faz-se, mas com três pingos de azeite de uma candeia acesa, deitados em chávena ou tijela branca com água, dizendo-se:
Em nome do Padre, do Filho e do Espírito Santo,
Vou ver se isto (diz-se o nome) tem quebranto.
Havendo quebranto, cura-se com esta reza, fazendo a benzedeira cruzes com a mão ou com um rosário: Deus é verbo / Verbo é Deus;/ Deus te benza,/ Benza-te Deus. / Deus te criou,/ Deus te tire este mal / De quem a ti acobrantou.
Dito isto três vezes, rezam-se três credos, três padres-nossos, três ave-marias e no fim faz-se este oferecimento: "Ofereço estes três padres-nossos, estas três ave-marias, estes três credos em Deus Padre, com esta oração do verbo divino às três divinas pessoas da Santíssima Trindade, para que estas benzam F. (...) por dentro e por fora, para que lhe tirem a moléstia que ela tem em seu corpo."
A este propósito, recita-se em Tolosa: Todo o homem que se case, / Deve ter um pau ao canto, / Para benzer a mulher, / Quando lhe dê o quebranto.
Ougamento - augamento - aguamento: Quando, em Tolosa, menino do colo tem o cabelo ralo diz-se que está ougado. Mirra-se, ainda que tome leite ou coma. Pede, então, a mãe, a cinco cachopas de nome Maria que obtenham das mães farinha, azeite, açúcar, água e sal para se fazer um bolo; uma sexta Maria leva-o ao forno e uma sétima vai amassar. O apontamento termina aqui, mas é de supor que o resto da receita seja comer a criança uma parte do bolo e dar o resto a um cão que ficará com a doença.
Outro modo de curar criança ougada é irem sete cachopas de nome Maria cada uma a sua casa e pedirem uma pouquechinha de cozinha, por exemplo, caldinho da panela, etc., ... misturarem tudo e darem uma parte à criança e o que sobeja a um cão; fica este ougado. O que se come também pode ser leite de cabra ou de vaca.
Menino desmamado pode estranhar e ficar ougado. Aconteceu isto a um cuja avó contou ao Autor que foi a casa de nove mulheres de nome Maria, que andavam a criar, e ordenhou uma pinguinha de leite do seio de cada uma delas e deu a mistura a beber ao menino. Deu o que sobejou a um cão e voltou-lhe as costas. O cão morreu de um dia para o outro e o menino sarou aos poucos.
Diz-se que os animais ougam. É o que pode acontecer a um cavalo que está habituado a parar em certo sítio e não pára: estranha e ouga.
Sezões ou maleitas - Em Tolosa, curam-se as maleitas de muitas maneiras: com o amargor de cinco tremoços engolidos em jejum com água fria; colhendo antes de o sol nascer, em qualquer dia, cinco olhos de trovisqueira e dizendo: Deus te salve, trovisqueira, / Deus te queira salvar, / Empresta-me esse teu fato / Quando as minhas maleitas me faltar / Eu to virei entregar.
Levam-se para casa e, curadas as maleitas, tornam com eles à trovisqueira; trazendo uma pele de eiró no pulso esquerdo, enquanto durar, e dura muito; deitando num copo umas pedras de sal e um ovo partido e vinagre, deixando-o ao relento da noite e bebendo isto no outro dia, em jejum, antes do nascer do sol.
Outra variante: quem tem maleitas vai ao pé de uma trovisqueira antes de nascer o sol e diz- lhe: Deus te salve, trovisqueira,/ Deus te queira salvar! / Tira-m´as minhas maleitas/ Que estão as orfas (sic) a chegar!
Traz um ramo de trovisco para casa sem olhar para trás.