Leite
de Vasconcelos, um dos maiores etnógrafos e arqueólogos portugueses andou pelas
terras da Corte das Areias e fez de Tolosa, por diversas vezes, o seu
"poiso" habitual. Não admira, pois, as inúmeras referências a esta
vila, nas principais obras do autor, como são a Etnografia Portuguesa e Terras da Lusitânia.
Neste
espaço transcrevemos algumas das prosas, deliciosas, sobre costumes e tradições
locais.
Como
se tratavam algumas doenças em Tolosa
Quebranto/mau
olhado - Os animais também são vítimas do mau olhado, e o remédio é o mesmo. Em
Tolosa, o diagnóstico faz-se, mas com três pingos de azeite de uma candeia
acesa, deitados em chávena ou tijela branca com água, dizendo-se:
Em
nome do Padre, do Filho e do Espírito Santo,
Vou
ver se isto (diz-se o nome) tem quebranto.
Havendo
quebranto, cura-se com esta reza, fazendo a benzedeira cruzes com a mão ou com
um rosário: Deus é verbo / Verbo é Deus;/
Deus te benza,/ Benza-te Deus. / Deus te criou,/ Deus te tire este mal / De
quem a ti acobrantou.
Dito
isto três vezes, rezam-se três credos, três padres-nossos, três ave-marias e no
fim faz-se este oferecimento: "Ofereço estes três padres-nossos, estas
três ave-marias, estes três credos em Deus Padre , com esta oração do verbo divino às
três divinas pessoas da Santíssima Trindade, para que estas benzam F. (...) por
dentro e por fora, para que lhe tirem a moléstia que ela tem em seu corpo."
A
este propósito, recita-se em Tolosa: Todo o homem que se case, / Deve ter um pau
ao canto, / Para benzer a mulher, / Quando lhe dê o quebranto.
Ougamento
- augamento - aguamento: Quando, em Tolosa, menino do colo tem o cabelo ralo
diz-se que está ougado. Mirra-se, ainda que tome leite ou coma. Pede, então, a
mãe, a cinco cachopas de nome Maria que obtenham das mães farinha, azeite,
açúcar, água e sal para se fazer um bolo; uma sexta Maria leva-o ao forno e uma
sétima vai amassar. O apontamento termina aqui, mas é de supor que o resto da
receita seja comer a criança uma parte do bolo e dar o resto a um cão que
ficará com a doença.
Outro
modo de curar criança ougada é irem sete cachopas de nome Maria cada uma a sua
casa e pedirem uma pouquechinha de cozinha, por exemplo, caldinho da panela,
etc., ... misturarem tudo e darem uma parte à criança e o que sobeja a um cão;
fica este ougado. O que se come também pode ser leite de cabra ou de vaca.
Menino
desmamado pode estranhar e ficar ougado. Aconteceu isto a um cuja avó contou ao
Autor que foi a casa de nove mulheres de nome Maria, que andavam a criar, e
ordenhou uma pinguinha de leite do seio de cada uma delas e deu a mistura a
beber ao menino. Deu o que sobejou a um cão e voltou-lhe as costas. O cão morreu
de um dia para o outro e o menino sarou aos poucos.
Diz-se
que os animais ougam. É o que pode acontecer a um cavalo que está habituado a
parar em certo sítio e não pára: estranha e ouga.
Sezões
ou maleitas - Em Tolosa, curam-se as maleitas de muitas maneiras: com o amargor
de cinco tremoços engolidos em jejum com água fria; colhendo antes de o sol
nascer, em qualquer dia, cinco olhos de trovisqueira e dizendo: Deus te salve, trovisqueira, / Deus te
queira salvar, / Empresta-me esse teu fato / Quando as minhas maleitas me
faltar / Eu to virei entregar.
Levam-se
para casa e, curadas as maleitas, tornam com eles à trovisqueira; trazendo uma
pele de eiró no pulso esquerdo, enquanto durar, e dura muito; deitando num copo
umas pedras de sal e um ovo partido e vinagre, deixando-o ao relento da noite e
bebendo isto no outro dia, em jejum, antes do nascer do sol.
Outra
variante: quem tem maleitas vai ao pé de uma trovisqueira antes de nascer o sol
e diz- lhe: Deus te salve, trovisqueira,/
Deus te queira salvar! / Tira-m´as minhas maleitas/ Que estão as orfas (sic) a
chegar!
Traz
um ramo de trovisco para casa sem olhar para trás.