A sociedade portuguesa vai tomando consciência de que a
questão demográfica é um grande problema que condiciona o nosso
desenvolvimento. Mas o tema está longe de assumir o impacto que merece nas
agendas social e política. Vamos fazer de conta que a perda de população, total
e ativa, e o seu envelhecimento acelerado são uma inevitabilidade? Vamos
subjugar-nos às duras e cada vez mais pesadas consequências que daí resultarão,
ou encaramos o problema e procuramos respostas sérias e sustentáveis?
As políticas de valorização da natalidade são importantes e
até se podem encontrar formas de os mais velhos serem "ativos" por
mais tempo, principalmente se os caminhos encontrados valorizarem o seu
trabalho e lhes propiciarem um viver em melhores condições. Entretanto, medidas
possíveis nestas duas áreas não se efetivam de forma avulsa e, além disso,
demoram muito tempo a dar resultados e constituem apenas uma pequena parte das
políticas a implementar.
Nos últimos tempos também se começou a discutir a estagnação
dos salários, tema que tem uma conexão profunda com a questão demográfica.
Parece evidente esta constatação: a estagnação dos salários alarga o fosso
remuneratório entre Portugal e os países que são destino da emigração
portuguesa. Essa estagnação e a persistência na imposição de salários muito
baixos aos jovens convidam os trabalhadores portugueses ao expatriamento e
afugentam de Portugal trabalhadores de outras nacionalidades, com consequências
pesadas no declínio demográfico do país. Diz-se que há agora uma vaga
importante de imigrantes detentores de capital, que vêm aproveitar as
oportunidades de negócio que Portugal lhes oferece. Não nos iludamos, isso é
apenas um nicho que não resolve o problema e até o pode agravar.
Quando nos empenhamos numa reflexão mais profunda sobre como
poderemos atacar com êxito o problema demográfico, rapidamente nos deparamos
com um conjunto de desafios, muitas vezes com a mesma raiz, e profundamente
ligados à matriz de desenvolvimento que se queira perspetivar para a sociedade portuguesa
e para o país.
Para estancar a emigração é preciso fazer subir a média
salarial associada a uma melhoria progressiva da qualidade do emprego. Esses
objetivos exigem crescimento do salário mínimo nacional e uma negociação
coletiva dinâmica, nos setores privado e público, que melhore de forma
articulada a generalidade dos salários, que identifique e valorize profissões,
que reconstrua carreiras profissionais, que reponha direitos laborais e reduza
desigualdades nas remunerações. Quer no plano nacional, quer no europeu, a
destruição da contratação coletiva associada ao enfraquecimento de instituições
de mediação laboral - dos sindicatos em particular - e à gestão unilateral das
mudanças que se estão a operar no mundo do trabalho constituem a grande causa
da estagnação salarial. Entretanto, se não formos capazes de dinamizar
atividades industriais e setores de produção de bens e serviços que tragam mais
valor acrescentado à economia portuguesa, não alcançaremos soluções
sustentadas.
Muitas vezes, responsáveis políticos apresentam-nos as
melhorias pontuais do abono de família e de apoios sociais, ou a criação de
pacotes fiscais ligeiramente vantajosos, como a solução para fixar os jovens,
quando, ao mesmo tempo, prosseguem políticas laborais de horários longos e
proliferação de precariedades que não permitem aos trabalhadores estruturarem
projetos de vida nem organizar família. É preciso acabar com estas contradições
e tratar de forma séria as políticas de educação, de mobilidades, de habitação,
de gestão do território.
As profundas transformações económicas, sociais e culturais
alcançadas com a conquista e consolidação da democracia, levaram os portugueses
a romper com as expressões mais fortes do miserabilismo. Contudo, continuamos
condescendentes com a pobreza, com o "roubo legal" e com o sofrimento
no trabalho. Toleramos demasiado as baixas retribuições e o desrespeito pelas
leis do trabalho, não fazemos a denúncia e o combate necessários ao assédio
moral que aniquila a dignidade no trabalho. Há que inverter estas atitudes se
queremos resolver o problema demográfico.
Carvalho da Silva in “Jornal de Notícias” – 30/9/2018