Porquê tantas saudades das festas
de antigamente?
Estou a escrever estas linhas
longe da minha terra e, por isso, a nostalgia tomou conta de mim e me inspirou
e me levou àqueles tempos em que o Tejo fazia parte da história das festas da
Amieira, em especial, a da Senhora da Sanguinheira que muitos de nós recordam
com imensa saudade.
Naquele tempo, havia a Barca, o
bote pequeno e o grande, que servia também para transportar os burros e, eram
precisamente estes animais, tão típicos na nossa terra, que tinham um papel
muito especial no trajecto entre o Tejo e Amieira visto que, o táxi se tornava
demasiado dispendioso e nem todas as carteiras estavam disponíveis. Começava
aí, a festa e o colorido da Estrada do Tejo, quando o comboio trazia até à
terra natal, aquele filhos que, um dia, embarcaram em busca de uma vida melhor
– era o reencontro aguardado durante um ou mais anos e, era também, a altura
dos pais que os viram partir, conhecerem os netos que, entretanto, vieram
engrossar a família!
Era ali, no Tejo, à sombra das
amoreiras, que se davam os primeiros abraços, os primeiros beijos e os
primeiros votos de longa vida!...tudo isto era no início de uma alegre
burricada estrada acima, rumo aquelas casas velhinhas que, lá em cima, os
aguardavam para dar brilho aos dias festivos que se aproximavam. Era
impressionante verificar aqueles rostos felizes, aquela alegria transbordante
daqueles avós “babados” que, apesar das dificuldades da subida, se sentiam
imensamente felizes, sorrindo, sorrindo cada vez mais e quando lá em cima se
aproximavam da fonte e os burritos aceleravam o trote para se dessedentarem,
aquelas crianças indiferentes ao perigo de uma queda, lá continuavam traquinas
em cima da sua preciosa montada, deliciados com tanta felicidade! Era assim,
com este ambiente fraterno que começavam de facto, os preparativos para aqueles
dias que se avizinhavam.
Hoje, alguns meninos de
antigamente que eram transportados por aqueles pobres animais, voltarão um
papel importantíssimo no desenrolar das cerimónias religiosas, estacionando as
suas viaturas fora das ruas por onde passa a procissão porque, se há coisas que
não podem fugir à actual conjuntura (os tempos são outros) neste caso, basta
apenas boa vontade para pelo menos, neste aspecto, tudo voltar a ser como
dantes.
Sabemos que as touradas à vara
larga com as “carretas” a fazer de trincheiras nunca mais voltarão à praça; sabemos
que os forcados improvisados, mas de enorme valor, tanto valor que poderiam ser
colocados entre os mais afamados da nossa região, nunca mais farão levantar a
Praça e, sabemos também, que os nossos vinte anos (que saudades!) nunca mais
voltarão.
E o coreto? E aqueles
“ordinários” que eram tocados pela fantástica Banda de Póvoa e Meadas?
Tantas coisa boas que ficaram
pelo caminho e tantas desilusões que entretanto foram acontecendo ao longo das
nossas vidas... Mas a nossa terra está de pé, a nossa terra ainda está viva,
apesar de ter perdido alguns dos seus filhos que hoje, mais do que nunca, serão
lembrados com imensa saudade, pelas suas famílias e pelos seus amigos.
Quando passa um ano e vem
Setembro
De tanta coisa eu me lembro
Que fico completamente extasiado
E no tempo em que o tempo não
contava
Toda a gente cantava e bailava
Naquela praça de tão glorioso
passado
Vem-me à memória os valentes
forcados
De Amieira e de outros lados
Que muitas vezes fizeram levantar a
praça
Lembro-me da banda no coreto
Que adorava o tinto e o palheto
E tudo o que tocava tinha graça.
Lembro-me daquele recinto todo
aberto
E o Castelo ali tão perto
Apadrinhando todo aquele alarido
E quando o povo nas trincheiras
vibrava
Ninguém dali se afastava
Sem saber se algum dos seus saía ferido.
Lembro-me do fogo preso e do ar
E dos balões a voar
Rasgando o infinito lentamente
E num troar de palmas vibrantes
Seguia na direcção de Abrantes
Quando o vento soprava para
poente.
Lembro-me das ruas bem
engalanadas
Com pinheiros e palmeiras enfeitadas
Porque o povo assim o exigia
E quando passava a procissão
Sentia no meu coração
Um misto de emoção e alegria.
Lembro-me do homem do torrão
Que nos adoçava o coração
Apenas por cinco tostões
Hoje está tudo mudado
Encontramos tudo fechado
Só restam recordações.
Jorge Pires
in Do Alto da Torre – “O
Amieirense” – Setembro 2006