17.10.18

JORGE PIRES - Textos - Do Alto da Torre - Setembro 2006

Porquê tantas saudades das festas de antigamente?
Estou a escrever estas linhas longe da minha terra e, por isso, a nostalgia tomou conta de mim e me inspirou e me levou àqueles tempos em que o Tejo fazia parte da história das festas da Amieira, em especial, a da Senhora da Sanguinheira que muitos de nós recordam com imensa saudade.
Naquele tempo, havia a Barca, o bote pequeno e o grande, que servia também para transportar os burros e, eram precisamente estes animais, tão típicos na nossa terra, que tinham um papel muito especial no trajecto entre o Tejo e Amieira visto que, o táxi se tornava demasiado dispendioso e nem todas as carteiras estavam disponíveis. Começava aí, a festa e o colorido da Estrada do Tejo, quando o comboio trazia até à terra natal, aquele filhos que, um dia, embarcaram em busca de uma vida melhor – era o reencontro aguardado durante um ou mais anos e, era também, a altura dos pais que os viram partir, conhecerem os netos que, entretanto, vieram engrossar a família!
Era ali, no Tejo, à sombra das amoreiras, que se davam os primeiros abraços, os primeiros beijos e os primeiros votos de longa vida!...tudo isto era no início de uma alegre burricada estrada acima, rumo aquelas casas velhinhas que, lá em cima, os aguardavam para dar brilho aos dias festivos que se aproximavam. Era impressionante verificar aqueles rostos felizes, aquela alegria transbordante daqueles avós “babados” que, apesar das dificuldades da subida, se sentiam imensamente felizes, sorrindo, sorrindo cada vez mais e quando lá em cima se aproximavam da fonte e os burritos aceleravam o trote para se dessedentarem, aquelas crianças indiferentes ao perigo de uma queda, lá continuavam traquinas em cima da sua preciosa montada, deliciados com tanta felicidade! Era assim, com este ambiente fraterno que começavam de facto, os preparativos para aqueles dias que se avizinhavam.
Hoje, alguns meninos de antigamente que eram transportados por aqueles pobres animais, voltarão um papel importantíssimo no desenrolar das cerimónias religiosas, estacionando as suas viaturas fora das ruas por onde passa a procissão porque, se há coisas que não podem fugir à actual conjuntura (os tempos são outros) neste caso, basta apenas boa vontade para pelo menos, neste aspecto, tudo voltar a ser como dantes.
Sabemos que as touradas à vara larga com as “carretas” a fazer de trincheiras nunca mais voltarão à praça; sabemos que os forcados improvisados, mas de enorme valor, tanto valor que poderiam ser colocados entre os mais afamados da nossa região, nunca mais farão levantar a Praça e, sabemos também, que os nossos vinte anos (que saudades!) nunca mais voltarão.
E o coreto? E aqueles “ordinários” que eram tocados pela fantástica Banda de Póvoa e Meadas?
Tantas coisa boas que ficaram pelo caminho e tantas desilusões que entretanto foram acontecendo ao longo das nossas vidas... Mas a nossa terra está de pé, a nossa terra ainda está viva, apesar de ter perdido alguns dos seus filhos que hoje, mais do que nunca, serão lembrados com imensa saudade, pelas suas famílias e pelos seus amigos.

Quando passa um ano e vem Setembro
De tanta coisa eu me lembro
Que fico completamente extasiado
E no tempo em que o tempo não contava
Toda a gente cantava e bailava
Naquela praça de tão glorioso passado

Vem-me à memória os valentes forcados
De Amieira e de outros lados
Que muitas vezes fizeram levantar a praça
Lembro-me da banda no coreto
Que adorava o tinto e o palheto
E tudo o que tocava tinha graça.

Lembro-me daquele recinto todo aberto
E o Castelo ali tão perto
Apadrinhando todo aquele alarido
E quando o povo nas trincheiras vibrava
Ninguém dali se afastava
Sem saber se algum dos seus saía ferido.

Lembro-me do fogo preso e do ar
E dos balões a voar
Rasgando o infinito lentamente
E num troar de palmas vibrantes
Seguia na direcção de Abrantes
Quando o vento soprava para poente.

Lembro-me das ruas bem engalanadas
Com pinheiros e palmeiras enfeitadas
Porque o povo assim o exigia
E quando passava a procissão
Sentia no meu coração
Um misto de emoção e alegria.

Lembro-me do homem do torrão
Que nos adoçava o coração
Apenas por cinco tostões
Hoje está tudo mudado
Encontramos tudo fechado
Só restam recordações.
Jorge Pires
in Do Alto da Torre – “O Amieirense” – Setembro 2006