Imagine-se um espectador que de repente é empurrado para uma sala de cinema,
sem fazer ideia do filme a que vai assistir. À medida que tenta entender a
trama, a história muda abruptamente a cada momento, numa oscilação de
protagonistas e de diálogos insólitos que o deixam sem saber se há de rir ou
chorar, encolher os ombros ou assustar-se.
Tancos já passou, aos olhos dos portugueses, por todas estas fases e mais
alguma. Mas chegou a um ponto em que o mais preocupante é perceber o quanto
estará ainda por deslindar. E até onde nos pode conduzir, politicamente, a
investigação do que realmente sucedeu e de quem participou neste filme.
O discurso dos nossos eleitos esforça-se, sempre que processos de extrema
gravidade se aproximam do poder político, por repetir o mantra da separação de
poderes. À política o que é da política. À justiça o que é da justiça. Numa
contradição absurda, no entanto, que faz depender a responsabilidade política
do apuramento resultante do trabalho do poder judicial. Como se não houvesse ilações
a tirar quando instituições tão basilares como a militar são atingidas ao ponto
em que as nossas Forças Armadas estão a ser.
É verdade que há ainda muito por esclarecer sobre o que aconteceu há quase
16 meses. E sobre a encenação que, em dezembro do ano passado, acrescentou
motivos de perplexidade ao já absurdo assalto aos paióis. A justiça deve ter
condições para fazer o seu caminho, mas é natural a impaciência quando começam
a multiplicar-se contradições e comportamentos mal explicados.
Não poderá sobrar, no final deste processo, nenhuma ponta por explicar.
Nenhuma dúvida a pairar. Que não se invoquem segredos de justiça ou de Estado
para atropelar outro direito essencial que todos temos: o direito à verdade.
Sem esse, não há confiança nas instituições que resista.
Inês Cardoso in “Jornal de Notícias” – 6/10/2018