A Sociedade Artística Nisense – Notícia da fundação
No dia 18 de Fevereiro de 1930 na sede da Associação de
Socorros Mútuos da Classe Operária Nisense, com sede na antiga capela de São
Pedro, reuniram-se os artistas desta vila e mais alguns cidadãos, como sejam
dois escreventes e dois distribuidores dos correios e comerciantes, criaturas
estas que convivem de ordinário com a classe artística, a convite de Carlos da
Graça Figueiredo e Luiz do Rosário Matias e por estes foi declarado que era de
absoluta necessidade fundar-se nesta vila uma sociedade, a fim de os seus
associados terem um local apropriado onde pudessem passar uns momentos em
alegre convívio, sem para isso terem de recorrer aos usos da taberna e outros,
reprovados pela boa educação. Reuniram-se ao todo sessenta e seis cidadãos nas
condições acima referidas e aprovaram por unanimidade tal proposta, sendo
marcada para o próximo dia 20 nova reunião a fim de se assentar definitivamente
nas normas da sociedade a fundar.
Aprovada a necessidade de constituição de uma colectividade
de cultura e recreio em Nisa, os promotores, não deixaram adormecer a ideia e o
entusiasmo, e dois dias depois, em reunião realizada no mesmo local, decidiram
que fosse criada nesta vila a Sociedade Artística Nizense, a ser regida por uns
estatutos que oportunamente seriam elaborados, sendo convidado para esse fim o
professor José Francisco Figueiredo, que da melhor vontade acedeu a tal
convite.
Decidiram também que a jóia a pagar por cada sócio fosse de
30 escudos, a quota mensal de dois escudos e cinquenta centavos e que seriam
sócios-fundadores todos os que se inscrevessem até ao dia 28 de Fevereiro.
Ainda nesta reunião foi eleita uma direcção para gerir a
Sociedade durante um ano, sendo constituída por Manuel Mendes Filipe
(presidente) Luiz do Rosário Matias (tesoureiro), Mário d´Oliveira Cativo
(secretário) Carlos da Graça Figueiredo e Silvestre da Costa (vogais), todos
votados por unanimidade. Nascia assim há 81 anos a SAN.
Cinco dias depois em nova reunião eram apresentados e
aprovados os estatutos e a direcção resolveu arrendar ao senhor Manuel Pires
Barreto, pela renda mensal de 25 escudos, a sua casa no antigo largo do
Boqueirão, para se instalar a sociedade e que esta comece a funcionar nos
princípios do mês de Março.
Ainda nesse ano de 1930 e na procura de melhores condições
para os sócios, a sede da colectividade seria transferida para a Rua do Mártir.
Na reunião de Dezembro a direcção decidiu que se realizassem
duas reuniões familiares para os sócios e suas famílias, as quais teriam lugar
no Dia de Natal e no primeiro dia de Janeiro de 1931.
No início de 1933,
a direcção dá a conhecer aos sócios a “ida á praça do
edifício do antigo Teatro Nizense e em 18 de Fevereiro desse ano, em sessão
solene é inaugurada a nova sede da Sociedade no local onde hoje se encontra, na
Rua Cândido dos Reis (Rua do Senhor).
A primeira direcção eleita era constituída por José Lourenço
Pação (presidente), João de Oliveira Figueiredo (tesoureiro), Joaquim Queimado
Carolo (secretário), Francisco Marquito Júnior e Abílio Diniz Porto (vogais). A
Assembleia Geral tinha António Maria Gonçalves (presidente), António de
Oliveira Correia (1º secretário), João Maria Esteves (2º secretário).
Promoção cívica e dinamização cultural
Desde o início dos anos 30 do século passado até hoje e ao
longo de um percurso de mais de oitenta anos, o historial da Sociedade
Artística Nisense tem sido, como o de todas as colectividades, assinalado com
períodos de grande actividade e outros de menos fulgor.
O que não pode ser esquecido é que os ideais que nortearam a
sua criação, tais como “proporcionar aos sócios e suas famílias todas as
diversões permitidas pelas leis do país”, desde jogos lícitos, reuniões
familiares, bailes, leitura, a conferências, exposições, etc., foram sendo
fielmente cumpridos e aplicados por todas as direcções, com maior ou menor
dificuldade e tendo em conta as transformações políticas e sociais ocorridas no
nosso país.
A Sociedade Artística Nisense foi uma das associações
pioneiras na dinamização da leitura, sendo a direcção eleita anualmente e um
bibliotecário de dois em dois anos. Para além da quota mensal, os seus
associados pagavam, uma quota suplementar de um escudo destinada ao
“desenvolvimento da biblioteca”. A biblioteca e a leitura de jornais, nas
décadas de 30, 40 e 50, na ausência de televisão e de outros espaços de
cultura, funcionava como uma janela aberta para o mundo, proporcionando a
muitos sócios a aquisição de conhecimento e saber, a fruição do prazer da
leitura, para além do convívio regular, através da prática de jogos de salão e
das celebrações das datas festivas.
Quem não tem, ainda na memória, a lembrança dos fabulosos
bailes das décadas de 50, 60 e 70? Quantos namoros e quantos casamentos não
nasceram ao som e sabor do twist, do yé-yé, dos ritmos trepidantes ou das
canções românticas que eram assobiadas na rua, de cantores famosos como o
Adamo, Gianni Morandi ou de grupos como os Beatles e os Shadows?
E quem esqueceu nomes como Maryling, Sor-Ritmo, Ferrugem ou
Atlântida Nisense, os conjuntos da região que animavam esses bailes?
O enorme salão da Sociedade, tal como o do “Benfica”
tornavam-se pequenos, apertados, cheios de gente, de uma juventude alegre,
rebelde e divertida, sem outros locais para poder exteriorizar a inquietude
desse tempo único, mesmo quando chegavam notícias da guerra e surgiam sinais,
apreensivos, de uma próxima mobilização para as terras do Ultramar...
Futuro pouco auspicioso para as colectividades
Esse tempo parece ter ficado, definitivamente, para trás. Os
avanços tecnológicos, os meios culturais postos à disposição dos cidadãos,
fizeram regredir, desvalorizar, a importância das colectividades. Está tudo
logo ali, ao alcance de um botão, de um clique e o mundo entra-nos porta
adentro, quantas vezes sem nos pedir licença. As sociedades globais ou
globalizadas, têm esse poder, a um tempo unificador e antagónico:
aproximam-nos, fazem-nos partilhar, virtualmente, de um mesmo mundo, mas, ao
mesmo tempo afastam-nos do nosso caminho e devir colectivo.
Fomos perdendo, aos poucos, as noções do nosso espaço vivido
e da nossa memória, por troca de um conforto momentâneo e um comodismo que não
conseguimos iludir.
Esquecemos, frequentemente, que os espaços da festa, do
convívio, do trabalho e do lazer, o universo de partilha e participação
proporcionado pelas associações são indispensáveis à nossa afirmação como
cidadãos conscientes, livres e solidários.
Esse, o papel que se reclama, claro e inovador para as
associações. Um espaço alargado de congregação de esforços, projectos, ideias,
tendentes a elevar o nível cultural da comunidade que serve e aperfeiçoar os
laços de solidariedade e entreajuda de que a mesma é credora.
Só assim as associações poderão resistir à “onda” de
letargia e imobilismo, de rotinas e vícios instalados, que, a não serem
combatidos, levam ao desmoronamento de edifícios e ideais, por que tantos dos
nossos antepassados se bateram.
OS PROTAGONISTAS
A senhora Maria Albertina
Maria Albertina Dinis Pinto, tem setenta anos, mais de
metade da vida passada a assegurar, diariamente, o modus vivendi da Sociedade Artística Nisense.
Pelas mãos da senhora Albertina, pelo trabalho esforçado,
dedicado, passa quase tudo o que de bom tem esta colectividade.
Há mais de 35 anos que ela e o marido, Bebiano Serralha,
asseguram, como contínuos, a existência desta associação situada no centro da
vila. Noutros tempos, o bulício e a agitação eram constantes, muita gente a
entrar e a sair, a colectividade tinha vida.
A situação mudou, são poucos os jovens que vão à Sociedade,
os homens e as mulheres de meia-idade frequentam-na na hora de almoço, para uma
bica, a leitura dos jornais ou para “dois dedos de conversa”. De tarde, imperam
os jogos de sala, cartas ou dominó, entretenimento de idosos, alguns programas
televisivos
Se pelas mãos de Maria Albertina passa muito do que é feito,
numa jornada de trabalho que começa pela manhã e vai pela noite adentro, pelas
mãos do marido, o senhor Bebiano, passa também uma parte considerável das
“finanças” da Sociedade, assente na contribuição de meio milhar de sócios. É
ele que cobra as quotas, actividade que o faz palmilhar as ruas da vila, numa
caminhada nem sempre bem compreendida.
Albertina e Bebiano são os “outros” directores, aqueles que
suportam, tantas vezes, a vida das colectividades. Neste caso, uma ocupação de
mais de 35 anos, ininterruptamente.
Exemplos, que, como tal, se registam e salientam.
Mário Mendes - Publicado no "Alto Alentejo" - in À For da Pele - Subsídios para a História das Associações de Nisa (1)