Amieira do Tejo, terra de olivais, sobreiros e pinhais. Era
assim que até há cerca de 40 anos.
Pastores que dormiam no campo, no seu chôço que eles
consideravam o seu palácio. Milhareiros que vigiavam as investidas dos texugos
que, naquele tempo, causavam grandes prejuízos aos seareiros e respectivos
donos dos terrenos e, ao mesmo tempo, aproveitavam a fresquidão da madrugada
para a rega do milho, melancias e feijoais.
Naquela época, pelo Verão e na Primavera sempre havia gente
à noite pelo campo, ao contrário de hoje que, nem de dia se vislumbra uma alma
penada. Que tristeza!
Desde então e como por encanto, tudo se foi modificando, de
tal maneira, que chegámos aos nossos dias sem uma grande parte daquilo que mais
nos identificava.
Que saudades eu tenho da minha linda Amieira! Que saudades
eu tenho daquelas descamisadas em que nós, na flor da idade, não olhávamos a
distâncias para estarmos junto daquelas moças maravilhosas e cantar com elas,
até altas horas da madrugada.
Era um tempo em que apesar da pobreza, as pessoas tinham
alegria, eram participativas, frontais e solidárias.
Até a indústria do barro que noutros tempos deu cartas,
fechou portas, não por falta de encomendas, mas sim porque o seu proprietário
adoeceu gravemente, não podendo, por isso, estar à frente do negócio que era
uma das referências desta terra, cada vez mais ignorada e mais desabitada.
Pelo meio, aconteciam episódios tristes, provocados pelas graves
carências dessa época.
Lembro-me perfeitamente de assistir na minha infância, a
espectáculos que naquela época me deixavam bastante irritado, ao ver as servas
daquelas senhoras mais abastadas, com o prato na mão atrás dos meninos dos
patrões, prometendo-lhes toda a espécie de coisas para conseguirem que eles
engolissem uma simples colherzinha de sopa.
E eu ali, cheio de larica, a apreciar aquele espectáculo,
pensando para comigo na injustiça deste mundo cruel que teima em seguir os
erros do passado.
Tenho bem presente na minha memória, episódios
protagonizados por gente egoísta e sem coração, mas também aconteciam factos
bastante positivos, entre os quais um, que, enquanto eu viver, não mais
esquecerei.
Quando eu era ainda criança, a pobreza em Amieira era quase
geral e como eu, havia muitos carentes. Então, um belo dia, fomos almoçar no
quintal de um lavrador, creio que essa refeição foi partilhada com a oferta de
géneros dos restantes lavradores, à qual assistiram, como é óbvio, as suas
digníssimas senhoras, que se deliciavam, incrédulas, a observar o apetite
devorador daquelas pobres crianças.
Até que, a certa altura, uma dessas cujo seu menino tanto
trabalho davam para engolir a tal colherzinha de sopa, saiu-se com esta frase
de espanto: Venham cá ver este menino, tão bem que ele come!
Esse menino, era eu. Pudera! Ao ver tanta comida, tentei
comer o mais possível. Só que, o meu debilitado estômago vazio como estava, nem
deu tempo que eu acabasse a refeição, que era muito forte (batatas com carne).
Deu-me uma tal dor de barriga, que tive de correr a bom
correr para não borrar as calças. Moral da história: como de costume, fiquei na
mesma, com o estômago vazio...
- Jorge Pires - in
"Jornal de Nisa" nº 248
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