Sabemos há muito que os
nossos dados pessoais são usados para fins comerciais, que todos os nossos
passos deixam rasto e que a privacidade deixou de ser (por opção nossa) uma
possibilidade. As ferramentas de inteligência artificial estão a ser usadas
como resposta a problemas de saúde mental e consultadas para tomar decisões sérias
- inclusivamente a forma de terminar um relacionamento. Depois de uma era em
que a biopolítica foi definida como a regulação da vida pelos estados, entramos
numa fase em que os responsáveis políticos não têm necessariamente o poder.
Transferimo-lo para as grandes tecnológicas, cujas bases de dados e capacidade
de manipulação representam um poder efetivo que transcende fronteiras e faz
frente a qualquer tentativa de regulação. Basta ver a resposta de tecnocratas
como Elon Musk e de empresas como a Google a decisões da União Europeia para
que não reste a menor ilusão sobre quem está no comando.
A Austrália inicia hoje
uma proibição das redes sociais para menores de 16 anos em que é pioneira a
nível global, estando já anunciadas idênticas medidas na Malásia, Dinamarca e
Noruega. A tónica é colocada nos menores, mas o problema é claramente mais
vasto. A aceleração da inteligência artificial já mudou as nossas interações e
a nossa forma de ler o mundo, manipulando-nos e isolando-nos, apesar de nos dar
a promessa de ligação permanente. A exposição excessiva às redes sociais tem
efeitos bioquímicos comprovados e pode até modificar o sistema nervoso central.
Há muito fazemos filmes sobre robôs e ciborgues, mas ainda sabemos muito pouco
sobre o novo humano que está a ser moldado pela tecnologia. Por que razão
haveremos de aceitar saltar para o abismo sem rede?
Inês Cardoso – Jornal de
Notícias - 10 de dezembro, 2025