O jornalista e o
repórter fotográfico Amin Chaar foram ao bairro de barracas, em Gaia, atrás de
uma história e de uma explicação. Porque tinha sido uma bebé de quatro meses
retirada à mãe, depois de esta a levar ao hospital. E porque tinha essa mesma
mãe contrariado a lei e a força do Estado para recuperar a sua criança e
levá-la de volta consigo para um matagal, cheio de lama, sem água canalizada,
nem saneamento, onde vive meia centena de pessoas, metade delas com menos de 18
anos. Tantas crianças sem outra perspetiva que a desesperança. Tantos adultos
que nunca conheceram outra realidade do que a mais absoluta das misérias.
Sim, são todos ciganos,
a etnia que André Ventura pôs na mira da sua retórica agressiva e xenófoba, por
nenhuma outra razão do que a de recolher mais uns votos nascidos do fanatismo
ou do medo. Ciganos, mas, antes de tudo, seres humanos, crianças e adultos, que
vivem de forma indigna há quase meio século.
Para além do bebé que
deu origem à história, são seis as crianças retiradas aos pais naquele cenário
apocalíptico. Mas a verdade é que nenhuma delas lá devia estar. Se estão, é por
inépcia absoluta de responsáveis políticos de vários níveis e várias cores
partidárias. Nesta matéria, não há políticos inocentes, só hipocrisia.
Perante o falhanço dos
vários serviços e níveis políticos do Estado, fica o apelo ao presidente da
República, que o é de todos os portugueses, adaptando a letra de uma canção dos
Da Weasel (no original referia-se ao Intendente). "Já foi às barracas de
Grijó, senhor presidente? Não leve a sua comitiva, não leve o telejornal.
Leve-se a si próprio e avance natural, como se não fosse ignorado. Vá num dia
normal ou num feriado, mas vá. Por lá a sua presença é urgente".
·
Rafael
Barbosa – Jornal de Notícias - 21 de dezembro, 2025
Fo FOTO - Amin Chaar
