22.12.25

OPINIÃO: Já foi às barracas de Grijó, senhor presidente?


"A visita ao acampamento de Grijó é um mergulho brutal num abismo de miséria extrema e exclusão, onde a dignidade humana foi há muito tempo roubada". A frase de Almerindo Lima está na reportagem do jornalista Roberto Bessa Moreira, que pode ler este domingo nas páginas ou na edição digital do "Jornal de Notícias". Uma história que, depois de ser lida, se assemelha a um violento soco no estômago.

O jornalista e o repórter fotográfico Amin Chaar foram ao bairro de barracas, em Gaia, atrás de uma história e de uma explicação. Porque tinha sido uma bebé de quatro meses retirada à mãe, depois de esta a levar ao hospital. E porque tinha essa mesma mãe contrariado a lei e a força do Estado para recuperar a sua criança e levá-la de volta consigo para um matagal, cheio de lama, sem água canalizada, nem saneamento, onde vive meia centena de pessoas, metade delas com menos de 18 anos. Tantas crianças sem outra perspetiva que a desesperança. Tantos adultos que nunca conheceram outra realidade do que a mais absoluta das misérias.

Sim, são todos ciganos, a etnia que André Ventura pôs na mira da sua retórica agressiva e xenófoba, por nenhuma outra razão do que a de recolher mais uns votos nascidos do fanatismo ou do medo. Ciganos, mas, antes de tudo, seres humanos, crianças e adultos, que vivem de forma indigna há quase meio século.

Para além do bebé que deu origem à história, são seis as crianças retiradas aos pais naquele cenário apocalíptico. Mas a verdade é que nenhuma delas lá devia estar. Se estão, é por inépcia absoluta de responsáveis políticos de vários níveis e várias cores partidárias. Nesta matéria, não há políticos inocentes, só hipocrisia.

Perante o falhanço dos vários serviços e níveis políticos do Estado, fica o apelo ao presidente da República, que o é de todos os portugueses, adaptando a letra de uma canção dos Da Weasel (no original referia-se ao Intendente). "Já foi às barracas de Grijó, senhor presidente? Não leve a sua comitiva, não leve o telejornal. Leve-se a si próprio e avance natural, como se não fosse ignorado. Vá num dia normal ou num feriado, mas vá. Por lá a sua presença é urgente".

·         Rafael Barbosa – Jornal de Notícias - 21 de dezembro, 2025

Fo FOTO - Amin Chaar