Os últimos números disponíveis do Eurostat não deixam margem para
dúvidas. Somos os que em toda a Europa mais comida desperdiçam em nossas casas.
Deitamos fora o que podíamos reaproveitar e fazemo-lo mais do que qualquer
outro país. É deveras impressionante que o façamos sendo nós em média menos
ricos do que uma parte substancial dos que menos desperdiçam. Não se entende
até pela nossa tradição histórica de criar novos pratos a partir da
dificuldade, da pobreza e do que nos sobra. Na minha adolescência, não podíamos
dar-nos ao luxo de deitar fora, quase tudo se aproveitava. Não era sequer algo
em que se pensasse, simplesmente era o que tinha de ser, não se colocava a
hipótese de deitar fora o que podíamos pôr outra vez na mesa. Os restos de
massa com o que sobrava ou havia, a roupa-velha, a tortilha com restos de
batata, o empadão e os croquetes, a açorda, os restos de legumes salteados, as
tripas e os sarrabulhos. E é bom, sabe muito bem, algumas das nossas melhores
iguarias nasceram assim. Sabe-nos bem e não nos caem os parentes na lama.
Aliás, nem me parece que este tema seja uma coisa de pobre - não desperdiçar
comida é uma missão de todos, até dos ricos. E tem a enorme vantagem de nos
fazer bem, de nos obrigar a pensar, a ser inventivos na cozinha e a aprendermos
a poupar e a não gastar recursos. É uma questão decisiva, de cidadania, um
assunto político também. Quando tantos de nós criticam os políticos e até o
regime, aparentemente em nossa casa desbaratamos comida como se fôssemos
marajás.
Luís Osório – Jornl de Notícias - 1 de dezembro, 2025
