31.8.24

POLÍTICA: Presidente da Assembleia omitiu quase 3 milhões de euros na declaração de património

 

Omissão de 10 imóveis com Valor Patrimonial Tributário (VPT) superior a 2,8 milhões de euros. Aguiar-Branco diz não ter sido avisado de erros na declaração submetida à Entidade para a Transparência (EpT).
José Pedro Aguiar-Branco omitiu o Valor Patrimonial Tributário (VPT) de 10 imóveis urbanos na sua declaração de rendimentos e património, submetida à Entidade para a Transparência (EpT), avança esta sexta-feira o Correio da Manhã.
A omissão foi descoberta após o matutino questionar a EpT, levando alegadamente a entidade a solicitar esclarecimentos ao presidente da Assembleia da República.
Os imóveis em questão, espalhados por Lisboa, Porto, Braga e Guimarães, têm um VPT total superior a 2,8 milhões de euros, de acordo com as cadernetas prediais a que o CM teve acesso.
Alguns destes imóveis são detidos por empresas nas quais Aguiar-Branco possui participação. Além destes, foram também declarados quatro prédios rústicos em Guimarães e um em Braga, com um VPT total de cerca de 2400 euros.
A Lei n.º 52/2019 obriga os titulares de cargos políticos e altos cargos públicos a declararem o VPT dos seus imóveis. Aguiar-Branco, questionado, justificou a omissão com o facto de não ter sido notificado de qualquer erro ou informação em falta.
“A declaração remetida não deu qualquer indicação de erro ou informação em falta, aquando da sua validação e submissão na plataforma [eletrónica da EpT], pelo que o presidente da AR estava convicto de que tinha prestado todas as informações legais necessárias.” E acrescentou: “Logo que foi notificado pelos serviços da EpT, a informação em falta foi prontamente prestada, pela que a descrição dos imóveis já se encontra completa.”
A EpT, liderada por Ana Raquel Moniz, esclareceu que, desde 28 de maio de 2024, tornou-se impossível a submissão de declarações sem a inclusão do VPT dos imóveis, sendo que a plataforma tem vindo a ser aperfeiçoada para garantir o cumprimento das obrigações legais. Aguiar-Branco submeteu a sua declaração a 24 de maio, poucos dias antes dessa atualização na plataforma.
“Desde 28 de maio de 2024, se tornou já inviável a submissão de qualquer declaração única da qual esteja ausente, quanto ao património imobiliário, e entre outros elementos, o valor patrimonial do imóvel” explica a EpT.
Adicionalmente, na sua declaração de rendimentos, Aguiar-Branco indicou ter obtido quase 76 mil euros em rendimentos, dos quais 55 966 euros provinham de pensões, que correspondem a cerca de quatro mil euros por mês. Declarou ainda possuir mais de um milhão de euros em contas bancárias e carteiras de títulos, e que não tem dívidas.
ZAP - 30 Agosto, 2024

30.8.24

TEXTOS DE AUTORES NISENSES (19)- José Francisco Figueiredo - A Romaria da Comenda

A ROMARIA DA COMENDA *
Nesta região e por todo o Alto Alentejo, por terras da Beira e Extremadura Oriental, é a romaria a Nossa Senhora das Necessidades uma das mais concorridas.
Pode computar-se em muitos milhares o número de pessoas que, levados pela crença ou por mera diversão ou ainda solicitadas por negócios de vários géneros, acorrem ao descampo em que, no primeiro domingo de Setembro, se festeja ruidosamente a milagrosa padroeira da freguesia da Comenda.
Vem de tempos imemoriais a devoção destas gentes pela Senhora das Necessidades e a fama da importantíssima feira realizada por ocasião da festa, também desde remotas eras chama ao ermo e inóspito local, provindos dos mais remotos confins do país, toda a enorme legião de negociantes de gados, quinquilheiros, ourives, etc., etc., não faltando nunca a palreira, astuciosa e turbulenta fauna da ciganagem.
De Nisa, embora não tanto como há meio século, ainda hoje a concorrência é numerosa e é interessante assistir à partida ou regresso das inúmeras carretas (carros de bois) meio de transporte de que preferentemente se serve a maioria dos romeiros.
Estes rápidos e cómodos veículos levam todos um estético toldo, cujo esqueleto é formado por três ou quatro arcos de salgueiro ou de ferro, atados aos fueiros ou apoiados nos tendais e por algumas canas unindo os arcos, sustentam um lençol de estopinha ou panal de linhagem, previdente defesa dos romeiros contras as inclemências solares ou contra a surpresa de uma chuva intempestiva.
Às primeiras horas do serão de sexta-feira anterior ao dia da festa, começam a chegar a Nisa, as carretas dos ratinhos e montezinhos. Aqui fazem a primeira etapa do difícil e prolongado trajecto e, no Rossio ou em qualquer outro largo, logo improvisam bailes que, entre constante alarido, só terminam quando de novo se põem a caminho.
Pelas oito ou nove da noite, as carretas com os romeiros de Nisa. Dentro delas amalgamam-se dez e mais pessoas, até caberem e, durante as intermináveis horas que o passo dos pachorrentos bois leva a vencer os vinte e tantos quilómetros entre Nisa e a Comenda, as gargantas das jovens não cessam de atirar à espessura da noite, a alegria estrídula dos seus cantares.
As carretas da Comenda! Que recordações ficam pela vida fora a tantos que, nos dois dias da romaria, neles continuam as indílicas doçuras da lua de mel!...
Raros são os casadinhos de há pouco – e em Nisa quase todos os casamentos se realizam em Agosto – que não vão à Senhora das Necessidades. E creio suceder o mesmo na maioria das terras desta região.
É assim, com o capídinco fogo a estudar no peito e com as labaredas incendiárias a fuzilar em olhos que são crateras de desejo, na aspereza do terreno calcinado por um sol esbraseante, cujos raios os toldos das carretas suavizam, ou à luz das estrelas, do alto a sorrirem aos amorosos pares, a mocidade vive ali inolvidáveis horas que para sempre lhes vincam na alma o traço rutilante duma dúlcida saudade.
As carretas da Comenda! Estou agora a vê-las aos tempos longínquos da minha infância e recordam-me episódios vários, entre eles um, conhecido da maioria dos nisenses e que a tradição dá como sucedido há muitíssimos anos.
Na ocasião da romaria é frequente ouvir-se falar do caso, por entre os comentários hilares e jocosos com que se costuma sublinhar a graça duma picaresca anedota.
Foi o seguinte:
As famílias que projectam a digressão à Comenda, reservam sempre para esta oportunidade o melhor naco de presunto, a mais apetitosa rodela de lombo e outras virtualhas que lhes garantem, nos dois dias de festa, suculentas e melhores refeições. Mas – pelo menos noutros tempos era assim- o que não faltava nunca eram as tradicionais almôndegas de batata!
Ora, num certo ano, à hora da partida, uma das tais carretas, cobertas com um alvíssimo toldo de estopinha, esperava que nela tomasse lugar, um numeroso grupo de romeiros. A pacífica junta de bois, garridamente ajaezada com largos e vistosos colares de reluzente pregaria, ia acompanhando as pacientes ruminações com o tilintar  compassado das monótonas esquilas.
Umas dez pessoas se instalaram no leito da carreta sobre pequenas cadeiras, mas, antes disso, cda qual tratou de acautelar, o melhor que pôde, o respectivo farnel, dependurando-o por meio de ganchos de arame dos arcos de salgueiro que sustentavam o toldo.
E, com o carreteiro à frente, de aguilhada ao ombro, iniciou-se a viagem e, com ela, o gargantear alegre e ininterrupto das lindas moças que no carro seguiam.
Sob a alvura do toldo como pêndulos, oscilavam, bamboleavam, as bolsas, as cestas, os canados, onde iam as provisões para dois dias.
A noite estava escura, parecendo assim maior a cintilação das estrelas. Tinham passado o Figueiró, a Coutadinha, a Lage da Prata, a Lameirancha…
O carreteiro, farto de palmilhar à frente dos bois, tomara assento da carreta e… cabeceava. Calara-se havia pouco o orfeão e um dos componentes, solicitado talvez por um imperativo gastronómico, pergunta à consorte:
- Ó Maria, sempre fizeste as almôndegas?
- Pudera!... – volveu a mulher. Vão ali no canado.
E indicava-o sobre a cabeça, pendendo dum dos arcos do toldo.
Entretanto, o carreteiro adormecera profundamente, e os bois, enveredando livremente para uma profunda sob-roda, precipitaram nela a pesada viatura com a respectiva carga. Por sorte, os animais pararam logo e do desastre, que poderia ter graves consequências, não resultou para os passageiros, sequer uma leve contusão.
Refeitos do susto, verificaram que grande parte dos farnéis se encontravam dispersos pelo chão. O célebre canado rebolara para uns dez metros do local sinistro, destapara-se com o choque e das almôndegas, nem uma só ficara dentro.
Mas, apesar das trevas da noite, sobre a areia branca do caminho destacavam-se, aqui e além, uns pequenos corpos escuros. E, à pressa, marido e mulher trataram de apanhá-los, reenchendo com eles o canado. Risotas, gargalhadas e toca para diante.
Ao amanhecer estavam na Comenda. Por todo o vasto campo era o sussurro, o alarido, a confusão de sons e cheiros característicos das feiras regionais. Pouco depois, a filarmónica do Gavião, regida pelo mestre Viras, dava a alvorada com um extravagante passe-dobrado. Era marcial, o clangor dos cornetins, só comparável ao estridente arreganho com que a certa altura, calados todos os naipes, os executantes gritavam: - “ Avança com ele, força!”
Toda a feira ria e os nossos romeiros, bem dispostos, apesar dos percalços do caminho, resolveram atacar pela primeira vez os viáticos opulentos.
Estendem, junto à carreta, as níveas toalhas e, sobre elas colocam o pão, as marmitas, etc.
Lá está também o canado.
Uma voz – “Façam favor de se servirem duma almondegazinha…”
Com o canado cingido pelo braço esquerdo de encontro ao peito, a oferente tira a tampa de cortiça com a mão direita e expõe o conteúdo à vista e cobiça dos circunstantes.
 Mas – ó céus! – o maldito canado estava cheio de almôndegas, mas não eram as que a boa mulher com tanto apuro tinha confeccionado! Eram outras, que os jumentos da ciganagem sobre a areia tinha deixado e a escuridão da noite não permitira distinguir das autênticas!!!
O homem ficou passado e a mulher trespassada, mas os outros convivas iam rebentando a rir!...
J. Figueiredo
* Texto publicado no jornal "Brados do Alentejo (1933) e republicado no "Correio de Nisa"  nº 7 - 2 Set. 1945

Alpalhão e a última dádiva de sangue de Francisco Bugalho

As nossas brigadas são sempre coroadas de sorrisos. Mas no caso da última localidade onde marcámos presença as lembranças são ainda mais marcantes. Afinal, Alpalhão é a terra natal do fundador da Associação de Dadores Benévolos de Sangue de Portalegre – ADBSP. E muitas foram as vezes em que o saudoso António Joaquim Eustáquio lá esteve abraçando a dádiva altruísta de sangue, aproveitando para desfiar histórias de saudade. Nesta terra do concelho de Nisa, contámos, como sempre, com a colaboração da Unidade Funcional de Imunohemoterapia da ULSAALE.
Até ao centro cultural de Alpalhão dirigiram-se 26 voluntários, sendo seis do sexo feminino. E todos os 26 concretizaram a dádiva, uma vez que a avaliação clínica de cada um dos presentes não encontrou contraindicações. Números estimulantes, na verdade.

Esta jornada também granjeou um marco fantástico. É que o nosso dador Francisco Bugalho (na foto e no momento da dádiva) deu sangue pela última vez, já que está prestes a atingir o limite de idade para o fazer em segurança. No seu currículo constam meia centena de dádivas, averbadas ao longo de 43 anos. Apenas podemos dizer, em nosso nome e de quem já foi transfundido: Muito obrigado amigo alpalhoeiro Francisco José Rijo Bugalho!
Na jornada não faltou o habitual almoço convívio que contou com o apoio da Junta de Freguesia de Alpalhão.

Montargil
As próximas colheitas vão ter lugar em: Montargil (Ponte de Sor) no centro de saúde a 31 de agosto; Na sede do Grupo Motard Novo Milénio (Kartódromo de Portalegre) a 14 de setembro, por ocasião do seu 25.º aniversário. Sábados de manhã.
ADBSP faz festa em Arronches
A Associação vai festejar 34 anos. As comemorações 2024 acontecem no sábado, 07 de setembro, na vila de Arronches.
Saiba tudo em: https://www.facebook.com/AssociacaoDadoresBenevolosSanguePortalegre/
JR

29.8.24

NISA: Convívio de "Artilheiros/as" - Malta de 1962

 

HUMOR EM TEMPO DE CÓLERA

 

A bomba inteligente - Cartoon de Henrique Monteiro in https://henricartoon.blogs.sapo.pt

ALTER DO CHÃO: 1º Concurso amador de Fado

 

AMIEIRA DO TEJO: Festas em louvor da Senhora da Sanguinheira

 


Marvão comemora o seu Feriado Municipal

 
Festa em Honra de Nossa Senhora da Estrela
Marvão comemora o seu Feriado Municipal a 8 de setembro, com a Festa em Honra de Nossa Senhora da Estrela. O programa deste dia engloba as habituais celebrações religiosas, a cerimónia de atribuição das Medalhas de Bons Serviços Municipais e um espetáculo com os Bandidos do Cante.
Após o Hastear das Bandeiras, agendado para as 9h30, no átrio dos Paços do Concelho, realiza-se a Sessão Solene com as intervenções do presidente da Assembleia Municipal, Jorge Marques, e do presidente da Câmara Municipal, Luís Vitorino, e a cerimónia de atribuição das Medalhas de Bons Serviços Municipais.
As celebrações religiosas incluem a Missa em Honra da Padroeira do Concelho, com início às 12h00, na Igreja de Nossa Senhora da Estrela, o tradicional almoço de confraternização entre os irmãos da Santa Casa da Misericórdia, e a procissão que vai percorrer as ruas da vila de Marvão, a partir das 17h00, abrilhantada pela Banda Euterpe.
As comemorações do Feriado Municipal de Marvão encerram com um grande espetáculo musical dos Bandidos do Cante, que tem entrada gratuita. O grupo bejense, composto por Duarte Farias, Francisco Pestana, Francisco Raposo, Luís Aleixo e Miguel Costa, sobe ao palco do Largo de Santa Maria pelas 21h30.
Já com diversos concertos e participações nos Coliseus, os Bandidos do Cante lançaram, recentemente, a sua primeira canção original, “Amigos Coloridos”. A banda propõe-se a novas sonoridades de fusão, sem perder ou desvirtuar a identidade de um Património elevado a Património Imaterial da Humanidade, pela UNESCO.

28.8.24

COMENDA: Festa em louvor da Senhora das Necessidades

 

OPINIÃO: EM AGOSTO, HÁ FÉRIAS E MAR…. E UM PLANETA PARA CUIDAR!

Agosto, aquele mês que associamos a descanso, férias, “seally season”, festivais, música, esplanadas, turismo, viagens, e tantas outras coisas que nos transportam para a descontração e alheamento daquelas que são as preocupações dos restantes dias do ano… Porém, agosto deste ano começa com a notícia de que o Dia da Sobrecarga do Planeta chegou mais cedo do que em 2023, ou seja, no dia 1 do nosso “querido mês de agosto”. E o mês de todas as despreocupações inicia-se com uma realidade que não pode ser ignorada ou alvo de interregno nas preocupações de quem vive neste planeta e o quer cheio de vida: a humanidade esgotou o “saldo” de recursos naturais da Terra. Significa isto que estamos já a utilizar os recursos que deveriam começar a ser utilizados apenas no virar do ano, em janeiro de 2025. De acordo com a Zero – Associação Sistema Terrestre Sustentável, organização não governamental de ambiente, o Dia da Sobrecarga do Planeta é calculado dividindo a biocapacidade do planeta –isto é, a quantidade de recursos naturais que a Terra consegue gerar num ano – pela pegada ecológica da humanidade, o uso de recursos que esta faz durante um ano. E nos dias de hoje, em que a procura por recursos naturais ultrapassa a capacidade de o planeta os regenerar, estamos a viver a “crédito”. Esta realidade leva-nos a uma reflexão sobre a sustentabilidade do Planeta, uma vez que a utilização excessiva de recursos compromete a vida dos oceanos, leva à desflorestação, à erosão dos solos, à perda de biodiversidade e ao aumento do dióxido de carbono na atmosfera, responsável pelo aquecimento global, que por sua vez provoca fenómenos meteorológicos extremos e aumento da insegurança alimentar. Ora, está visto que não podemos dar férias à preocupação - à forma como cada um de nós, individualmente - pode contribuir para um melhor cuidado e sustentabilidade da Terra que habitamos. É sob esta perspetiva que se torna pertinente abordar a preocupação com a eliminação de medicamentos fora de uso e de prazo. Mesmo em férias, é fundamental que se entreguem os medicamentos fora de uso e prazo num dos 3.247 pontos de recolha, disponíveis nas farmácias e parafarmácias de todo o país. Este é um hábito e um procedimento que devemos adotar como rotina e que deve fazer parte dos nossos dias, em férias ou fora delas. Convém relembrar que medicamentos fora de uso e de prazo colocados no lixo ou despejados nos esgotos domésticos geram contaminação nos solos e nas águas, o que prejudica o ambiente e o futuro do planeta.

Por outro lado, conservar em casa os medicamentos que já não são necessários ou ultrapassaram o prazo pode constituir um risco: ou por serem novamente utilizados (automedicação) ou por poderem causar acidentes domésticos (atingindo principalmente as crianças), pelo que a entrega destes resíduos nos pontos de recolha adequados, é também uma medida de proteção da saúde pública. Para este mês de agosto, deixo-vos um conselho para a época balnear: seja o frasco do xarope para a tosse, as cartonagens e os blisters, contendo ou não restos de medicação, os acessórios de administração como colheres ou copos medida, entregue-os na farmácia ou parafarmácia do local onde está a passar os seus dias de férias. Descanse o corpo e a mente, mas não dê descanso à sustentabilidade e às medidas que protegem os nossos recursos naturais. À semelhança do quase provérbio português ‘há mar e mar, há ir e voltar’, também há férias e descanso, mas um Planeta para cuidar! 

Luís Figueiredo Diretor-geral da VALORMED


TEXTOS DE AUTORES NISENSES (18)– Joaquim Marques - Os Corticeiros

Os Corticeiros
Maio era um mês de intensa actividade agrícola. As mulheres ocupavam-se nas sachas e mondas. Já os homens se dividiam em grupos e se dedicavam á ceifa dos fenos, tosquia dos rebanhos e descortiçamento. É desta dura actividade que hoje aqui trazemos à lembrança, e que ocupava todos os anos um considerável número de homens da nossa terra que percorriam os campos do Alentejo descortiçando milhares de sobreiros.
De nove em nove anos repete-se o ritual, numa sequência que não é eterna mas dura muito mais do que a vida de qualquer tirador. É de Maio a Agosto que a cortiça se tira, e é bom que tenha chovido bem na Primavera e venha o Verão quente sem ser abrasador. Sendo assim, sairão melhor as pranchas de cortiça.
O primeiro corte é feito à altura do peito de um homem, em redondo à volta da árvore. Depois faz-se um fio de alto a baixo, de cada lado do sobreiro, e começa-se a desagarrar a cortiça, com a unha da machada, que é como se chama o cabo dela, muito característico, em forma de cunha. A primeira prancha é tirada de cima para baixo, até ao chão; as restantes, sempre de baixo para cima.
Se o sobreiro for muito grosso, fazem-se vários fios, três ou quatro, para saírem várias pranchas. É assim até às pernadas. Quando se chega aí, depende da grossura delas: tira-se em prancha, a dois fios, se der para isso, ou em caneleiros, a cortiça toda de uma vez com a forma de um canudo.
A primeira tiragem que se faz ao chaparro, tirando a cortiça virgem, toma o nome de desboia.
Na vez segunda é secundeira. Daí por diante é simplesmente amadia, a que tem maior cotação no mercado.
Um sobreiro dá em média cerca de três arrobas de cortiça (45 quilos), o suficiente para fazer aproximadamente 1400 rolhas naturais de primeira qualidade e quase outras tantas a partir do granulado resultante das aparas.
As herdades maiores tinham grupos de 50 a 70 corticeiros. A foto que reproduzimos é de um grupo de corticeiros do Arneiro, em pleno Alentejo e remonta ao final da década de 50.
Para lhes matar a sede, no calor do Verão, ia o aguadeiro, rapaz que tinha essa função, levar barris de água, trazida da fonte mais próxima, das muitas que então havia pela charneca. E para matar a fome e ter forças para o trabalho da tarde, ia a panela com o comer adiantado que se cozinhava no local e que se comia em pé, cada qual chegando-se a ela, tirando a sua colherada e afastando-se de seguida para dar lugar a outro.
Aconteceu na “cortiça”…
Todas as fainas agrícolas eram duras, mas era costume fazer brincadeiras e partidas que levavam a suportar melhor a dureza do trabalho. Os corticeiros dormiam em cima dos sobreiros, para se protegerem de bicharada e do gado bravo, dentro de uma coucha de cortiça, onde faziam o “colchão” com carqueja ou palha. Para subirem aos sobreiros faziam uma tosca escada de uma forca dom entalhes para ajudar a subida, mais penosa para os mais velhos.
Certo dia, a rapaziada mais nova resolveu fazer uma partida ao Ti António Diogo Rosa, que era dos mais velhos, quando fosse dormir na sua “coucha”, num sobreiro jovem de tronco frágil.
Combinaram atar uma corda ao chaparro, e quando ele já dormisse, puxassem a corda e o abanassem violentamente.
Acontece que Ti Manel Diogo Rosa também um dos mais idosos e tio daquele, sabendo da tramóia, avisou-o para ele se precaver.
Chegada a noite, escura por sinal, os rapazolas em silêncio total, vai de agarrar na corda e puxar, puxar, puxar… quando uma voz conhecida, em jeito trocista, se faz ouvir do cimo do chaparro: - Puxa, Puxa… que puxas o que é teu!
Ti António tinha atado a ponta da corda ao saco das batatas do rancho, e os rapazolas bem se esforçavam para abanar o chaparro que nem bulia, perante a galhofa dos mais velhos!
Episódio contado por Francisco Morais, protagonista do grupo dos rapazolas, a quem agradecemos o relato
* Joaquim Marques in “O Montesinho” nº 11 – Maio 2010
FOTO – Extraída do mesmo boletim e texto

27.8.24

MONTALVÃO: Festas da Vila em louvor da Senhora dos Remédios

 

OPINIÃO: As mulheres afegãs estão a ser apagadas da História

Quando, em 2021, os talibãs recuperaram o poder no Afeganistão, 20 anos depois de terem sido derrubados por uma coligação liderada pelos EUA, e juraram que desta vez seria diferente, que as meninas iam poder ir à escola, que o uso do hijab seria apenas aconselhado, que não haveria discriminação de mulheres no âmbito da sharia (a lei islâmica), o mundo ocidental desconfiou.
O ceticismo não tardou a provar-se justificado. Meses depois, as meninas foram proibidas de frequentar escolas secundárias e universidades, as mulheres impedidas de trabalhar e viajar sozinhas, as apresentadoras e jornalistas televisivas intimadas a cobrir o rosto. E os talibãs estavam só a começar. Três anos depois do seu regresso ao poder, a lista de retrocessos é impressionante.
Salões de beleza encerrados, afegãs perseguidas e torturadas, a mulher totalmente arredada da vida pública, um apartheid de género brutal. No ano passado, um relatório com a chancela da Amnistia Internacional classificava mesmo a perseguição de género no Afeganistão como um crime contra a humanidade.
O próprio Parlamento Europeu aprovou, em março, uma resolução que apelava à criação de um mecanismo de investigação independente das Nações Unidas a este propósito. Mas o ímpeto opressivo e segregador do regime talibã (que até hoje não foi reconhecido por nenhum país do Mundo) não conhece limites.
Agora, as autoridades ratificaram uma lei moral que reforça a repressão de mulheres e raparigas. Graças ao artigo 13, anunciado por um aberrante “Ministério para a Propagação da Virtude e Prevenção do Vício”, as mulheres ficam impedidas de cantar, falar ou sequer ler em público. Além de se reforçar que não podem ter uma nesga de pele à vista.
“Asseguramos que esta lei islâmica será uma grande ajuda na promoção da virtude e na eliminação do vício”, vincou o porta-voz do dito Ministério. Parece saído de um filme delirante, mas não, é real e está a acontecer em pleno século XXI. A lei reflete “uma visão desoladora do futuro”, reconheceu a missão das Nações Unidas no Afeganistão.
Mas o indizível atentado às mulheres afegãs prossegue, à vista de todos, e perante a confrangedora inércia da comunidade internacional. Até quando? E nós - que apesar de ainda termos uma longa luta pela frente no que à igualdade de género diz respeito, gozamos, pelo menos, do pleno direito de erguer a nossa voz bem alto -, vamos continuar a fingir que não é nada connosco?

* Ana Tulha – Jornal de Notícias - 26 agosto, 2024

MEMÓRIA(S) NISENSE(S): Capa do "Boletim Municipal" - Julho 1987

 

26.8.24

TEXTOS DE AUTORES NISENSES (17) - Álvaro Pires - Estou velho

 
Estou velho
O Tio João Ratinho vivia naquela rua que lhe chamam agora a Rua da Missa.
Nunca percebi porque lhe puseram aquele nome. Mas também, diga-se em abono da verdade, nunca fiz o menor esforço para saber o porquê da Rua da Missa. Só se viviam ali muito beatos ou beatas, já que a igreja foi (e é) distante dessa rua. No outro ponto da aldeia.
Toda a rua era (e é) calcetada. De «cónhos", como sempre ouvi dizer. Daqueles redondos e de outras formas, mas bastante lisos e rijos. De cores variadas, discretas, mas bonitas. Uma variante de seixos, mas grandes. De difícil desgaste e portanto duradouros. Lembro-me das faíscas que saltavam dos canelos dos burros, machos, bois ou cavalos, quando por ali passavam. Como era (e é) uma rua estreita, tínhamos que nos encostar bem às paredes das casas, para não sermos pisados. Se fossem então os cavalos da Guarda Nacional Republicana, o melhor era fugir, tal o respeito e medo que eles impunham.
A casa do Tio João Ratinho era a última à direita. Tinha uma porta de madeira com um postigo. Não tinha janelas. Olhando lá para dentro só se via escuridão. Apesar de ter mulher, filhos e netos, para mim, catraio, o Tio João Ratinho naquele tempo vivia só. Ainda me recordo das pessoas - pequenos e grandes se meterem com ele, a que respondia invariavelmente com a sabedoria do povo. Quem vai vai, quem está... está!
Há três dias e duas noites que fugíamos deles. Ou eles de nós. Os ruídos que ouvíamos durante a noite e de dia - e só quem andou pelas matas de África sabe o que isso é - dava-nos indícios e que andávamos muito próximos uns dos outros. Só que na mata, ou melhor na guerrilha, tal como no jogo do gato e do rato, vence sempre aquele que for mais esperto. Ou então aquele que for mais bafejado pela sorte. Por outro lado, em mais de dois anos de guerrilha já era nossa obrigação saber o que por ali nos andavam a mandar fazer.
Tínhamos acabado de cruzar um trilho, com todas as cautelas que se impunham. A minha secção era a última, e eu, na bicha de pirilau, era o penúltimo. Com todo o cuidado e segurança, aguardei com o dedo no gatilho que o Soares se aproximasse mais de mim. De repente vejo o meu camarada mudar de semblante e sussurrar me baixinho: Meu alferes... eles vão ali! Ainda vi os últimos três... Instintivamente respondi. Ouve lá seu caralho - na tropa era assim - Quem vai... vai! Quem está… está!
Eles seguiram o seu trajecto e nós, o nosso.
O relatório do comandante da operação rezava assim por não ter sido possível localizar o IN...
           Nos almoços anuais o Soares recorda sempre este episódio. Ele mira a mulher, e os nossos olhos ao cruzarem-se deixam-se vencer por uma lágrima mais traiçoeira.
O Tio João Ratinho era uma pessoa de baixa estatura. Usava um barrete preto, que tombava sobre a nuca. Para a esquerda ou para a direita, não me recordo. Como também era usual naquela época, não dispensava a sua cinta preta, que enrolava à cintura para poder segurar as calças. Com um cós alto, sem passadores para o cinto, que à data não se usava. Do mesmo modo que as camisas tinham um peitilho, do qual saía uma presilha com uma casa na ponta para se abotoar nas ceroulas. De maneira a estas não caírem, como as calças - aos pés de quem as vestia.
Tinha um andar curvado, inclinado para a frente. Não sei como ganhava a vida, mas lembro-me de o ver cavar a horta do meu avô. Aos camalhões, muito bem feitos, todos iguais, como se a cada camalhão correspondesse uma quantidade certa de cavadelas. A distância que os separava era simétrica, como se ele andasse com uma fita métrica a separá-los. Usava umas polainas para não sujar as calças e as ceroulas. Suava muito enquanto cavava, ou porque a idade era avançada, ou porque o calor apertava. O suor caía-lhe pelas faces e principalmente pelo nariz.
Nos dias que ia cavar a horta do meu avô, era lhe oferecido o almoço ou o­ jantar. Nesse tempo o almoço era o jantar e o jantar era a ceia. Comia na mesma mesa que ainda hoje lá esta, mais empenada e com uma perna que já não é dela. Eu devia ser da altura da mesa e distraía-me a ver o Tio João Ratinho a comer. Quando cerrava os dentes, ou melhor as gengivas, para mastigar os alimentos, o seu queixo empurrava para cima os lábios e por sua vez estes faziam com que o nariz também subisse, de maneira que o queixo, boca e nariz, subiam e desciam em uníssono. Subiam todos, quando ele tentava mastigar e desciam também todos, quando ele abria a boca.
Sempre gostei de observar como comem os outros. A semana passada, como todos os sábados, almocei com a minha mulher num restaurante habilmente decorado com muitos espelhos pela sala. De variadas formas e colocados em várias posições.
Ficámos numa mesa onde se podia avistar toda a sala e nomeadamente a entrada e saída do restaurante. Mas também não foi preciso escolher a mesa porque de modo que os espelhos estavam colocados, dava perfeitamente para ver tudo. E vi.
No meu lado esquerdo estava um espelho que mostrava como um cliente comia. Tal e qual como o Tio João Ratinho. O queixo, a boca e principalmente o nariz, moviam-se num sobe e desce desenfreado e em conjunto.
* Álvaro Pires

25.8.24

OPINIÃO: O que arde na Madeira

 

Já estamos habituados a que um incêndio origine um rol de críticas (ano após ano repetidas) e trocas de galhardetes entre os atores políticos. O que há mais de uma semana arrasa a Madeira acumula, ainda assim, uma sucessão de incidentes que mostra de forma exemplar o ambiente político muito próprio do arquipélago.
Se é verdade que o PS se mostrou precipitado ao pedir uma comissão de inquérito para apurar o que falhou na resposta ao fogo, o presidente do Governo Regional foi generoso a dar balas ao adversário. Não tanto por ter demorado a interromper as férias (com mais relevância simbólica do que efeito direto na gestão de emergência), mas pela arrogância e sobranceria que foi demonstrando em diversas intervenções.
Desde logo pela recusa de meios auxiliares numa fase mais precoce do incêndio. Só após vários dias foi admitida a necessidade de meios aéreos adicionais (que a Madeira já teve em 2022 mas cortou devido à despesa) e aceite a colaboração de equipas da Força Especial de Bombeiros e dos Açores.
A aparente desvalorização inicial do fogo foi mantida com insistência por Miguel Albuquerque mesmo quando os milhares de hectares ardidos tornaram evidente a dimensão dos danos e as chamas começaram a atingir a floresta Laurissilva. Repetindo a tese de que o importante é não haver pessoas ou habitações atingidas, o líder regional minimizou as  
consequências nos ecossistemas e rematou com a lapidar declaração de que não aceita “lições” de ninguém.
A cereja no topo do bolo foi a alegada tentativa de impedir o acesso da Comunicação Social e o relato de pressões sobre jornalistas que assinaram notícias sobre o tema. As limitações foram denunciadas pelo Sindicato dos Jornalistas e obrigam a refletir sobre os vícios de quem está habituado ao poder monocromático. Em momentos de crise, a incapacidade de lidar com o escrutínio é o sinal mais revelador de que muito falhou por estes dias na Madeira.

Inês Cardoso – Jornal de Notícias - 23 agosto, 2024

VENEZUELA: a “jóia da coroa” da América Latina e a farsa da mídia hegemónica

Quando consideramos o contexto político que vivemos na América Latina nos últimos anos, no qual parte considerável dos países vive uma crise das instituições democráticas, observamos que as críticas da mídia hegemónica recaem, apenas, sobre o governo da Venezuela. Por que será que isso acontece?
Não é raro que os informativos televisivos, os jornais impressos ou digitais, as emissoras de rádio analógicas ou digitai, disseminem o quanto o governo da Venezuela é antidemocrático. De fato, chegam a ser ridículos a ponto de adjetivar o Presidente Nicolás Maduro como ditador. E essa estigmatização, assim como os consequentes bloqueios econômicos, se dão porque o país ousa afrontar os Estados Unidos e sua tentativa de controlar o mundo – política, cultural, econômica e militarmente. O “país mais poderoso do mundo” não aceita que governantes de países considerados “subdesenvolvidos” ousem enfrentá-lo – ou apenas que não acatem todas as suas condições referentes às prerrogativas de comercialização, de relações exteriores, entre outras – e busquem salvaguardar sua soberania.
A não-subserviência de países como Cuba e Venezuela, que, diferentemente da maioria das nações latino-americanas, trabalham para manter a soberania nacional e criar modelos de desenvolvimento econômico que não signifiquem acatamento incondicional dos ditames dos “donos do mundo”, pagam um preço muito alto, sobretudo porque a visão dos grupos hegemônicos moldam a opinião pública internacional, que se encontra assentada desprezo daquelas duas nações. Independentemente das inúmeras críticas que possamos tecer aos respectivos governos, o que salientamos aqui é o trabalho sistemático dos meios de comunicação hegemônicos em retratá-los unicamente a partir de perspectivas negativas.
Golpes de Estado e Massacres
Esse mesmo comportamento da mídia hegemônica não vemos acontecer em relação aos países aliados e alinhados com as políticas estadunidenses. Na Colômbia, por exemplo, durante o governo do presidente Ivan Duque, um grande subserviente do Ocidente, e especialmente dos EUA, uma onda de assassinatos de líderes sociais e de ex-combatentes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) foi levada a cabo, sem que o governo adotasse qualquer providência para cessá-la. Mas as mídias hegemônicas não foram contundentes no sentido de cobrar os direitos humanos naquele país. Aliás, o Escritório de Direitos Humanos da própria ONU notificou 36 massacres em 2019 em território colombiano, classificados como recordes desde a contagem iniciada no ano de 2014. No entanto, o Alto Comissariado para os Direitos Humanos, à época sob o comando da ex-presidenta do Chile Michelle Bachelet, afirmava estar “profundamente preocupada”, conforme uma nota publicada em janeiro daquele ano.
No Equador, os cadáveres de vítimas da Covid-19 que enchiam as ruas de Guayaquil, a segunda maior cidade daquele país, não foram suficientes para motivar uma Resolução da ONU contra o então governo de Lenín Moreno. Tampouco a violência com a qual aquele mesmo governo enfrentou os mais de mil protestos em todo o país, em outubro de 2019, que pediam diminuição do preço da gasolina e, principalmente, o fim da Reforma Trabalhista que, da mesma maneira como a realizada no Brasil, precarizou o trabalho dos servidores públicos e privados. A insensibilidade demonstrada pelo presidente Lenín Moreno através do pacote econômico neoliberal que deixou ainda mais vulnerabilizado o povo equatoriano não foi vista como ataque aos direitos humanos.
Da mesma maneira, não vimos uma condenação ao Golpe de Estado que ocorreu na Bolívia e obrigou o presidente eleito democraticamente, Evo Morales, a renunciar e se exilar na Argentina. Não bastasse isso, Jeanine Áñez, que assumiu o governo após o golpe, manipulou os números da Covid-19, ao tempo em que o Estado boliviano sob a sua liderança não brindou a assistência adequada e deixou milhares de pessoas morrerem vitimizadas pelo vírus. Isso, aliado às reações violentas das forças do Estado equatoriano contra as manifestações que clamavam pelo retorno à democracia naquele país, também não foi suficiente para motivar a mídia hegemônica latino-americana e mundial a produzir materiais jornalísticos contra o governo da ditadora. De fato, Áñez nunca recebeu este adjetivo dos meios de comunicação ocidentais. Além disso, as tentativas de manipulação do processo eleitoral pela então “presidenta” Áñez, que adiou por diversas vezes as eleições presidenciais com medo da vitória dos candidatos e candidatas da oposição que apareciam com vantagem expressiva, tampouco motivaram um repúdio por parte da mídia hegemônica latino-americana e global.
No Chile, principalmente no último mandato do falecido Sebastián Piñera, cujos protestos de estudantes e da classe trabalhadora tornaram-se contumazes, sobretudo em rechaço à política previdenciária ultraliberal que deteriorou ainda mais a qualidade de vida dos mais pobres, assim como em repúdio ao alto custo de vida, assim como aos altos preços dos remédios e do transporte – protestos brutalmente reprimidos pelo governo – não houve uma indignação e crítica contundente por parte da mídia hegemônica. Embora o governo de Piñera, sucessor de Michelle Bachelet, tenha ignorado o sofrimento do povo chileno, e tratado os manifestantes com muita violência, gerando mortes e mutilações, não vimos a mídia neoliberal classificar o comportamento do mandatário como brutal e ditatorial. Inclusive, em outubro de 2019, por exemplo, policiais foram acusados de crucificar manifestantes, um deles adolescente, o que motivou a abertura de várias denúncias pelo Instituto Nacional de Direitos Humanos (INDH) daquele país, mas não vimos uma cobertura midiática recriminando o fato.
Vamos sair do passado recente e nos voltar para o presente. Na Argentina, desde a assunção de Javier Milei como Presidente da República, em dezembro de 2023, a população trabalhadora e também estudantil já realizou várias mobilizações para protestar contra as medidas neoliberais que brutalmente têm empobrecido aquele povo. A situação está tão crítica que, conforme a própria ONU, todos os dias mais de um milhão de crianças e adolescentes menores de 18 anos vão dormir sem se alimentar. Mas, quando o povo se levanta em protesto, tem sido brutalmente reprimido pelas forças policiais. Até jornalistas têm sido alvos da repressão, de modo a ver subtraído o seu direito a informar. Os meios de comunicação neoliberais “fecham os olhos” para o que acontece na Argentina de Milei. E insistem em se focar na Venezuela.
E nos perguntamos: por que todos esses países latino-americanos afrontam, desrespeitam os direitos humanos, e apenas a Venezuela é enxergada como alvo? Os motivos são vários. Mas aqui nos concentraremos em alguns deles.
Riquezas naturais e geopolítica
Não é segredo que as reservas de petróleo venezuelanas são maiores que as sauditas e ainda bem maiores que as estadunidenses. Isso, logicamente, leva os países que dependem desse tipo de energia a “ficarem de olho no ouro negro” da Venezuela, país que não se alinha às políticas capitalistas lideradas pelos Estados Unidos e a União Europeia, as quais estão baseadas principalmente na espoliação das riquezas de terceiros.
Apesar de produtor de petróleo, os EUA sempre dependeram das importações. De acordo com vários estudos, esse combustível é responsável por mais de 80% da demanda de energia do setor de transporte estadunidense. Desta forma, controlar fontes petrolíferas faz parte das grandes prioridades daquele país. Esse é um dos motivos, mas não o único. Apesar de Nicolás Maduro haver concordado em fornecer petróleo a Joe Biden, de permitir a dolarização das atividades comerciais, ainda assim não é suficiente. Os Estados Unidos querem controle total.
O segundo motivo é o fato de a Venezuela ser rica em outros recursos naturais. Dados da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal) mostram que a região latino-americana e o Caribe possuem 65% das reservas mundiais de lítio, 38% de cobre, 42% de prata, 21% de ferro, 33% de estanho, 18% de bauxita e 14% de níquel. E que a Venezuela, além do petróleo, também é muito rica em alumínio, cobre, ferro, gás natural, entre outros recursos que também interessam aos Estados Unidos e às demais potências do Norte Global.
O terceiro motivo é que, tanto os Estados Unidos como também a União Europeia defendem seus interesses geoestratégicos em território latino-americano. E, neste sentido, estão buscando neutralizar as influências que China e Rússia vêm tendo na região, com a importante e estratégica parceria com o país bolivariano.
Por esses e outros motivos os países do Norte Global, liderados pelos EUA, se empenham tanto em fragilizar a Venezuela, infelizmente com o apoio de “satélites” localizados em outras partes do mundo –, inclusive na própria América Latina e Caribe, como os que compõem o Grupo de Lima, completamente subservientes às vontades e desejos dos “donos do mundo”.
As tentativas de dominar a Venezuela são muitas, inclusive contrariando todas as normas internacionais e reconhecendo um presidente que se autoproclamou, como Juan Guaidó. Os Estados Unidos, a União Europeia e todos os “poderosos” do Norte Global e seus lacaios querem, de fato, esconder suas verdadeiras intenções em relação ao país bolivariano. Querem “carta-branca” para dominar a “jóia da Coroa” da América Latina. E personagens como Maduro são um obstáculo.
O processo eleitoral venezuelano é uma questão que cabe somente àquele povo. Não cabe a observadoras e observadores internacionais, não cabe a governantes de outros países, não cabe à mídia hegemónica mundial. O povo venezuelano tem capacidade suficiente para decidir se as eleições foram ou não legítimas.
* Verbena Córdula/Diálogos do Sul Global
** Verbena Córdula é graduada em História, Doutora em História e Comunicação no Mundo Contemporânea pela Universidad Complutense de Madrid e Professora Titular da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), Ilhéus, BA.

23.8.24

NISA: Rancho Típico das Cantarinhas - 60 anos de História

 
Rancho Típico das Cantarinhas em Lisboa - Março de 1966

Jornalistas “pressionados a desmentir notícias” sobre fogo na Madeira

Fontes do Governo Regional “apressaram-se a desmentir a informação numa tentativa de ‘assassinato profissional’”, denuncia o DN/Madeira, que fala em dualidade de critérios na permissão de acesso às zonas afetadas pelos incêndios.
A delegação da Madeira do Sindicato dos Jornalistas denunciou esta quinta-feira o que classifica como “clima de pressões e restrições” na atividade dos profissionais envolvidos na cobertura do incêndio que lavra na ilha há dez dias.
“As pressões atingem também os responsáveis pelos órgãos de comunicação social, que são pressionados a desmentir notícias que depois se confirmam serem verdadeiras”, refere o sindicato, num comunicado assinado pelo presidente da delegação regional, Filipe Alexandre Gonçalves.
Entre outras situações, o Sindicato dos Jornalistas destaca a informação divulgada na quarta-feira pelo DN/Madeira sobre a ativação do Mecanismo Europeu de Proteção Civil para envio de dois aviões Canadair de combate a incêndios.
Após a publicação da notícia, fontes do Governo Regional apressaram-se a desmentir a informação numa tentativa de ‘assassinato profissional’, como refere o diretor [do DN/Madeira], Ricardo Miguel Oliveira. Duas horas depois, é o próprio Miguel Albuquerque, presidente do Governo Regional, a confirmar a vinda dos dois meios aéreos para a Madeira”, refere o sindicato.
Governo e Proteção Civil desmentem
Questionada pela Lusa, fonte da Secretaria da Saúde e Proteção Civil disse que o executivo não desmentiu a notícia referente aos aviões Canadair, tendo apenas indicado que aquela informação “carecia de confirmação”, uma vez que o processo de decisão ainda estava em curso.
O Governo Regional já tem vindo a desmentir várias informações, como a polémica questão da Floresta Laurissilva, enquanto os investigadores especialistas alertam cada vez mais para “uma desvalorização por parte do presidente do Governo regional”.
Outra das situações reportadas à delegação regional aconteceu, segundo o sindicato, no sábado, com a “restrição de jornalistas, operadores de imagem e fotojornalistas no acesso à freguesia do Curral das Freiras”.
De acordo com estrutura representativa, “houve indicações claras por parte da PSP para não permitir o acesso da comunicação social ao local, sendo que esta dificuldade só foi superada após vários contactos para que pudessem permitir a passagem dos jornalistas”.
“O que este sindicato não entende é a dualidade de critérios na permissão de passagem na estrada encerrada pelos agentes da PSP. Permitiram um deputado do JPP circular, em ação de campanha, e impediram os jornalistas de passar para exercer a sua atividade: informar”, alerta.
A delegação da Madeira do Sindicato dos Jornalistas diz entender que sejam criados perímetros de segurança, mas não aceita que o acesso à informação possa ser posto em causa.
“Também não vamos admitir que os jornalistas sejam alvo de pressões ou ataques à liberdade de informar. Iremos estar muito atentos e não deixaremos que tais situações voltem a repetir-se”, sublinha a nota assinada por Filipe Alexandre Gonçalves.
Sobre a atuação da PSP, a fonte do Governo Regional remeteu para a força de segurança.
Ponto de situação dos incêndios
O incêndio na ilha da Madeira deflagrou no dia 14 de agosto, nas serras do município da Ribeira Brava, propagando-se progressivamente aos concelhos de Câmara de Lobos, Ponta do Sol e, através do Pico Ruivo, Santana.
As autoridades deram indicação a perto de 200 pessoas para saírem das suas habitações por precaução e disponibilizaram equipamentos públicos de acolhimento, mas muitos moradores já regressaram, à exceção dos da Fajã das Galinhas, em Câmara de Lobos.
O combate às chamas tem sido dificultado pelo vento e pelas temperaturas elevadas, mas não há registo de destruição de casas ou de infraestruturas essenciais. Alguns bombeiros receberam assistência por exaustão ou ferimentos ligeiros, não havendo mais feridos.
Nesta sexta-feira, o fogo mantém-se na cordilheira central, mas atenuou na Ponta do Sol.
Dados do Sistema Europeu de Informação sobre Incêndios Florestais apontam para mais de 5.000 hectares de área ardida.
A Polícia Judiciária está a investigar as causas do incêndio, mas o presidente do executivo madeirense, Miguel Albuquerque, disse tratar-se de fogo posto.
ZAP - 23 Agosto, 2024

SERPA: Documentário e conversa “𝗔 𝗰𝗼𝗿 𝗱𝗮 𝗹𝗶𝗯𝗲𝗿𝗱𝗮𝗱𝗲”

Integrado na programação da Feira Histórica de Serpa, no dia 24 de agosto, pelas 17h00, será projetado no Auditório do Museu do Cante o filme documental “A Cor da Liberdade”, realizado por Julio Pereira e produzido pela Mercearia das Artes. Após a exibição, decorre uma conversa com José Pedro Soares e com a produtora Filipa Patrício.
A Cor da Liberdade parte da história de José Pedro Soares, ex-preso político que foi detido e torturado pela PIDE entre 1971 e 1974, e contextualiza Portugal e a sua realidade social à época, através de memórias de ex-presos políticos, historiadores, jornalistas e artistas. Uma mensagem de luta e diferentes formas de resistência que é urgente conhecer e preservar.


22.8.24

OPINIÃO: Fornos escaldantes

A canícula está no seu auge e os últimos dados sobre o calor são avassaladores. Entre 22 de julho e 16 de agosto, onze dos 18 distritos em Portugal continental passaram por, pelo menos, um dia em alerta devido ao calor. 22 e 23 de julho foram os dois dias com a temperatura média global mais elevada registada no planeta, sendo que este ano terminará, muito provavelmente, como o mais quente em todo o Mundo. Diariamente, especialmente nas cidades, deparamo-nos com a evidência de que aumento das temperaturas é também uma crise de saúde pública. Mais de 47 mil pessoas morreram na Europa no ano passado devido ao calor, das quais 1432 eram portuguesas. A acrescentar que, em duas semanas, o país registou mais 700 mortes do que o esperado devido às altas temperaturas e ao aumento de transmissão de covid. Em Portugal, mais de metade da população reside em cidades e muitas delas não estão preparadas nem para o calor nem para o frio. Os materiais de construção das ruas e dos edifícios promovem ilhas de calor. Ao mesmo tempo, o tráfego é um dos maiores emissores de gases com efeito de estufa, os principais responsáveis pelo aquecimento global. Pelo que questionar ou boicotar diretamente as medidas para reduzir a utilização de carros nas cidades deveria ser politicamente inadmissível. Tanto o Governo como os municípios podem tomar medidas para evitar transformar as cidades em fornos escaldantes durante o verão, como aumentar as áreas verdes e o número de árvores, cuja sombra pode baixar a temperatura entre seis e oito graus. Por exemplo, Paris plantou mais de 63 mil novas árvores entre 2020 e 2023. Em contraste, as cidades portuguesas, como Porto ou Lisboa, estão a perder todos os dias árvores nas suas ruas, apesar de ambas terem programas de plantação. A nova arquitetura desenha praças sem sombra, inóspitas para os habitantes. É bom que quem tem responsabilidades nos municípios comece a lembrar-se que os construtores não podem governar o planeamento urbano.
 
António José Gouveia – Jornal de Notícias - 20 agosto, 2024

 

Câmara de Portalegre investe mais de 200 mil euros na estabilização do antigo Hotel Caraça

Foi assinado, a 22 de agosto, o auto de consignação para a empreitada de Demolição, Contenção e Execução de nova cobertura no Edifício da Rua de Elvas, 60- 62, entre a Câmara Municipal de Portalegre, representada por Fermelinda Pombo Carvalho e a empresa Reerguer – Reconstrução e Construção de Imóveis, Lda., representada por Sérgio Morato Mimoso.
Dadas as características físicas do edifício, será necessário executar uma cobertura temporária de obra em chapa, que possibilite a realização dos trabalhos em condições de pluviosidade e proteger o interior de modo a evitar uma maior degradação.
Os restantes trabalhos incluem a remoção da cobertura e algerozes, conservação das varandas em sacada existentes na fachada, reparação de fissuras e deformações nas paredes exteriores que ameaçam a estabilidade, reabilitação das estruturas de madeira de suporte da escada interior de acesso aos pisos, execução da estrutura de madeira da nova cobertura, com a colocação dos novos algerozes em alumínio e o acabamento dos vãos exteriores existentes a partir do piso 1.
Atendendo ao mau estado de conservação do imóvel, a empreitada tem um conjunto de condicionalismos que importa assegurar para garantir a segurança de trabalhadores e pessoas que circulem no local, bem como para evitar eventuais danos nos prédios vizinhos.
Com um investimento de 202 967, 20 € (acrescido de IVA), a obra tem um prazo de execução de 120 dias.