30.8.24

TEXTOS DE AUTORES NISENSES (19)- José Francisco Figueiredo - A Romaria da Comenda

A ROMARIA DA COMENDA *
Nesta região e por todo o Alto Alentejo, por terras da Beira e Extremadura Oriental, é a romaria a Nossa Senhora das Necessidades uma das mais concorridas.
Pode computar-se em muitos milhares o número de pessoas que, levados pela crença ou por mera diversão ou ainda solicitadas por negócios de vários géneros, acorrem ao descampo em que, no primeiro domingo de Setembro, se festeja ruidosamente a milagrosa padroeira da freguesia da Comenda.
Vem de tempos imemoriais a devoção destas gentes pela Senhora das Necessidades e a fama da importantíssima feira realizada por ocasião da festa, também desde remotas eras chama ao ermo e inóspito local, provindos dos mais remotos confins do país, toda a enorme legião de negociantes de gados, quinquilheiros, ourives, etc., etc., não faltando nunca a palreira, astuciosa e turbulenta fauna da ciganagem.
De Nisa, embora não tanto como há meio século, ainda hoje a concorrência é numerosa e é interessante assistir à partida ou regresso das inúmeras carretas (carros de bois) meio de transporte de que preferentemente se serve a maioria dos romeiros.
Estes rápidos e cómodos veículos levam todos um estético toldo, cujo esqueleto é formado por três ou quatro arcos de salgueiro ou de ferro, atados aos fueiros ou apoiados nos tendais e por algumas canas unindo os arcos, sustentam um lençol de estopinha ou panal de linhagem, previdente defesa dos romeiros contras as inclemências solares ou contra a surpresa de uma chuva intempestiva.
Às primeiras horas do serão de sexta-feira anterior ao dia da festa, começam a chegar a Nisa, as carretas dos ratinhos e montezinhos. Aqui fazem a primeira etapa do difícil e prolongado trajecto e, no Rossio ou em qualquer outro largo, logo improvisam bailes que, entre constante alarido, só terminam quando de novo se põem a caminho.
Pelas oito ou nove da noite, as carretas com os romeiros de Nisa. Dentro delas amalgamam-se dez e mais pessoas, até caberem e, durante as intermináveis horas que o passo dos pachorrentos bois leva a vencer os vinte e tantos quilómetros entre Nisa e a Comenda, as gargantas das jovens não cessam de atirar à espessura da noite, a alegria estrídula dos seus cantares.
As carretas da Comenda! Que recordações ficam pela vida fora a tantos que, nos dois dias da romaria, neles continuam as indílicas doçuras da lua de mel!...
Raros são os casadinhos de há pouco – e em Nisa quase todos os casamentos se realizam em Agosto – que não vão à Senhora das Necessidades. E creio suceder o mesmo na maioria das terras desta região.
É assim, com o capídinco fogo a estudar no peito e com as labaredas incendiárias a fuzilar em olhos que são crateras de desejo, na aspereza do terreno calcinado por um sol esbraseante, cujos raios os toldos das carretas suavizam, ou à luz das estrelas, do alto a sorrirem aos amorosos pares, a mocidade vive ali inolvidáveis horas que para sempre lhes vincam na alma o traço rutilante duma dúlcida saudade.
As carretas da Comenda! Estou agora a vê-las aos tempos longínquos da minha infância e recordam-me episódios vários, entre eles um, conhecido da maioria dos nisenses e que a tradição dá como sucedido há muitíssimos anos.
Na ocasião da romaria é frequente ouvir-se falar do caso, por entre os comentários hilares e jocosos com que se costuma sublinhar a graça duma picaresca anedota.
Foi o seguinte:
As famílias que projectam a digressão à Comenda, reservam sempre para esta oportunidade o melhor naco de presunto, a mais apetitosa rodela de lombo e outras virtualhas que lhes garantem, nos dois dias de festa, suculentas e melhores refeições. Mas – pelo menos noutros tempos era assim- o que não faltava nunca eram as tradicionais almôndegas de batata!
Ora, num certo ano, à hora da partida, uma das tais carretas, cobertas com um alvíssimo toldo de estopinha, esperava que nela tomasse lugar, um numeroso grupo de romeiros. A pacífica junta de bois, garridamente ajaezada com largos e vistosos colares de reluzente pregaria, ia acompanhando as pacientes ruminações com o tilintar  compassado das monótonas esquilas.
Umas dez pessoas se instalaram no leito da carreta sobre pequenas cadeiras, mas, antes disso, cda qual tratou de acautelar, o melhor que pôde, o respectivo farnel, dependurando-o por meio de ganchos de arame dos arcos de salgueiro que sustentavam o toldo.
E, com o carreteiro à frente, de aguilhada ao ombro, iniciou-se a viagem e, com ela, o gargantear alegre e ininterrupto das lindas moças que no carro seguiam.
Sob a alvura do toldo como pêndulos, oscilavam, bamboleavam, as bolsas, as cestas, os canados, onde iam as provisões para dois dias.
A noite estava escura, parecendo assim maior a cintilação das estrelas. Tinham passado o Figueiró, a Coutadinha, a Lage da Prata, a Lameirancha…
O carreteiro, farto de palmilhar à frente dos bois, tomara assento da carreta e… cabeceava. Calara-se havia pouco o orfeão e um dos componentes, solicitado talvez por um imperativo gastronómico, pergunta à consorte:
- Ó Maria, sempre fizeste as almôndegas?
- Pudera!... – volveu a mulher. Vão ali no canado.
E indicava-o sobre a cabeça, pendendo dum dos arcos do toldo.
Entretanto, o carreteiro adormecera profundamente, e os bois, enveredando livremente para uma profunda sob-roda, precipitaram nela a pesada viatura com a respectiva carga. Por sorte, os animais pararam logo e do desastre, que poderia ter graves consequências, não resultou para os passageiros, sequer uma leve contusão.
Refeitos do susto, verificaram que grande parte dos farnéis se encontravam dispersos pelo chão. O célebre canado rebolara para uns dez metros do local sinistro, destapara-se com o choque e das almôndegas, nem uma só ficara dentro.
Mas, apesar das trevas da noite, sobre a areia branca do caminho destacavam-se, aqui e além, uns pequenos corpos escuros. E, à pressa, marido e mulher trataram de apanhá-los, reenchendo com eles o canado. Risotas, gargalhadas e toca para diante.
Ao amanhecer estavam na Comenda. Por todo o vasto campo era o sussurro, o alarido, a confusão de sons e cheiros característicos das feiras regionais. Pouco depois, a filarmónica do Gavião, regida pelo mestre Viras, dava a alvorada com um extravagante passe-dobrado. Era marcial, o clangor dos cornetins, só comparável ao estridente arreganho com que a certa altura, calados todos os naipes, os executantes gritavam: - “ Avança com ele, força!”
Toda a feira ria e os nossos romeiros, bem dispostos, apesar dos percalços do caminho, resolveram atacar pela primeira vez os viáticos opulentos.
Estendem, junto à carreta, as níveas toalhas e, sobre elas colocam o pão, as marmitas, etc.
Lá está também o canado.
Uma voz – “Façam favor de se servirem duma almondegazinha…”
Com o canado cingido pelo braço esquerdo de encontro ao peito, a oferente tira a tampa de cortiça com a mão direita e expõe o conteúdo à vista e cobiça dos circunstantes.
 Mas – ó céus! – o maldito canado estava cheio de almôndegas, mas não eram as que a boa mulher com tanto apuro tinha confeccionado! Eram outras, que os jumentos da ciganagem sobre a areia tinha deixado e a escuridão da noite não permitira distinguir das autênticas!!!
O homem ficou passado e a mulher trespassada, mas os outros convivas iam rebentando a rir!...
J. Figueiredo
* Texto publicado no jornal "Brados do Alentejo (1933) e republicado no "Correio de Nisa"  nº 7 - 2 Set. 1945

Alpalhão e a última dádiva de sangue de Francisco Bugalho

As nossas brigadas são sempre coroadas de sorrisos. Mas no caso da última localidade onde marcámos presença as lembranças são ainda mais marcantes. Afinal, Alpalhão é a terra natal do fundador da Associação de Dadores Benévolos de Sangue de Portalegre – ADBSP. E muitas foram as vezes em que o saudoso António Joaquim Eustáquio lá esteve abraçando a dádiva altruísta de sangue, aproveitando para desfiar histórias de saudade. Nesta terra do concelho de Nisa, contámos, como sempre, com a colaboração da Unidade Funcional de Imunohemoterapia da ULSAALE.
Até ao centro cultural de Alpalhão dirigiram-se 26 voluntários, sendo seis do sexo feminino. E todos os 26 concretizaram a dádiva, uma vez que a avaliação clínica de cada um dos presentes não encontrou contraindicações. Números estimulantes, na verdade.

Esta jornada também granjeou um marco fantástico. É que o nosso dador Francisco Bugalho (na foto e no momento da dádiva) deu sangue pela última vez, já que está prestes a atingir o limite de idade para o fazer em segurança. No seu currículo constam meia centena de dádivas, averbadas ao longo de 43 anos. Apenas podemos dizer, em nosso nome e de quem já foi transfundido: Muito obrigado amigo alpalhoeiro Francisco José Rijo Bugalho!
Na jornada não faltou o habitual almoço convívio que contou com o apoio da Junta de Freguesia de Alpalhão.

Montargil
As próximas colheitas vão ter lugar em: Montargil (Ponte de Sor) no centro de saúde a 31 de agosto; Na sede do Grupo Motard Novo Milénio (Kartódromo de Portalegre) a 14 de setembro, por ocasião do seu 25.º aniversário. Sábados de manhã.
ADBSP faz festa em Arronches
A Associação vai festejar 34 anos. As comemorações 2024 acontecem no sábado, 07 de setembro, na vila de Arronches.
Saiba tudo em: https://www.facebook.com/AssociacaoDadoresBenevolosSanguePortalegre/
JR

28.8.24

COMENDA: Festa em louvor da Senhora das Necessidades

 

OPINIÃO: EM AGOSTO, HÁ FÉRIAS E MAR…. E UM PLANETA PARA CUIDAR!

Agosto, aquele mês que associamos a descanso, férias, “seally season”, festivais, música, esplanadas, turismo, viagens, e tantas outras coisas que nos transportam para a descontração e alheamento daquelas que são as preocupações dos restantes dias do ano… Porém, agosto deste ano começa com a notícia de que o Dia da Sobrecarga do Planeta chegou mais cedo do que em 2023, ou seja, no dia 1 do nosso “querido mês de agosto”. E o mês de todas as despreocupações inicia-se com uma realidade que não pode ser ignorada ou alvo de interregno nas preocupações de quem vive neste planeta e o quer cheio de vida: a humanidade esgotou o “saldo” de recursos naturais da Terra. Significa isto que estamos já a utilizar os recursos que deveriam começar a ser utilizados apenas no virar do ano, em janeiro de 2025. De acordo com a Zero – Associação Sistema Terrestre Sustentável, organização não governamental de ambiente, o Dia da Sobrecarga do Planeta é calculado dividindo a biocapacidade do planeta –isto é, a quantidade de recursos naturais que a Terra consegue gerar num ano – pela pegada ecológica da humanidade, o uso de recursos que esta faz durante um ano. E nos dias de hoje, em que a procura por recursos naturais ultrapassa a capacidade de o planeta os regenerar, estamos a viver a “crédito”. Esta realidade leva-nos a uma reflexão sobre a sustentabilidade do Planeta, uma vez que a utilização excessiva de recursos compromete a vida dos oceanos, leva à desflorestação, à erosão dos solos, à perda de biodiversidade e ao aumento do dióxido de carbono na atmosfera, responsável pelo aquecimento global, que por sua vez provoca fenómenos meteorológicos extremos e aumento da insegurança alimentar. Ora, está visto que não podemos dar férias à preocupação - à forma como cada um de nós, individualmente - pode contribuir para um melhor cuidado e sustentabilidade da Terra que habitamos. É sob esta perspetiva que se torna pertinente abordar a preocupação com a eliminação de medicamentos fora de uso e de prazo. Mesmo em férias, é fundamental que se entreguem os medicamentos fora de uso e prazo num dos 3.247 pontos de recolha, disponíveis nas farmácias e parafarmácias de todo o país. Este é um hábito e um procedimento que devemos adotar como rotina e que deve fazer parte dos nossos dias, em férias ou fora delas. Convém relembrar que medicamentos fora de uso e de prazo colocados no lixo ou despejados nos esgotos domésticos geram contaminação nos solos e nas águas, o que prejudica o ambiente e o futuro do planeta.

Por outro lado, conservar em casa os medicamentos que já não são necessários ou ultrapassaram o prazo pode constituir um risco: ou por serem novamente utilizados (automedicação) ou por poderem causar acidentes domésticos (atingindo principalmente as crianças), pelo que a entrega destes resíduos nos pontos de recolha adequados, é também uma medida de proteção da saúde pública. Para este mês de agosto, deixo-vos um conselho para a época balnear: seja o frasco do xarope para a tosse, as cartonagens e os blisters, contendo ou não restos de medicação, os acessórios de administração como colheres ou copos medida, entregue-os na farmácia ou parafarmácia do local onde está a passar os seus dias de férias. Descanse o corpo e a mente, mas não dê descanso à sustentabilidade e às medidas que protegem os nossos recursos naturais. À semelhança do quase provérbio português ‘há mar e mar, há ir e voltar’, também há férias e descanso, mas um Planeta para cuidar! 

Luís Figueiredo Diretor-geral da VALORMED


TEXTOS DE AUTORES NISENSES (18)– Joaquim Marques - Os Corticeiros

Os Corticeiros
Maio era um mês de intensa actividade agrícola. As mulheres ocupavam-se nas sachas e mondas. Já os homens se dividiam em grupos e se dedicavam á ceifa dos fenos, tosquia dos rebanhos e descortiçamento. É desta dura actividade que hoje aqui trazemos à lembrança, e que ocupava todos os anos um considerável número de homens da nossa terra que percorriam os campos do Alentejo descortiçando milhares de sobreiros.
De nove em nove anos repete-se o ritual, numa sequência que não é eterna mas dura muito mais do que a vida de qualquer tirador. É de Maio a Agosto que a cortiça se tira, e é bom que tenha chovido bem na Primavera e venha o Verão quente sem ser abrasador. Sendo assim, sairão melhor as pranchas de cortiça.
O primeiro corte é feito à altura do peito de um homem, em redondo à volta da árvore. Depois faz-se um fio de alto a baixo, de cada lado do sobreiro, e começa-se a desagarrar a cortiça, com a unha da machada, que é como se chama o cabo dela, muito característico, em forma de cunha. A primeira prancha é tirada de cima para baixo, até ao chão; as restantes, sempre de baixo para cima.
Se o sobreiro for muito grosso, fazem-se vários fios, três ou quatro, para saírem várias pranchas. É assim até às pernadas. Quando se chega aí, depende da grossura delas: tira-se em prancha, a dois fios, se der para isso, ou em caneleiros, a cortiça toda de uma vez com a forma de um canudo.
A primeira tiragem que se faz ao chaparro, tirando a cortiça virgem, toma o nome de desboia.
Na vez segunda é secundeira. Daí por diante é simplesmente amadia, a que tem maior cotação no mercado.
Um sobreiro dá em média cerca de três arrobas de cortiça (45 quilos), o suficiente para fazer aproximadamente 1400 rolhas naturais de primeira qualidade e quase outras tantas a partir do granulado resultante das aparas.
As herdades maiores tinham grupos de 50 a 70 corticeiros. A foto que reproduzimos é de um grupo de corticeiros do Arneiro, em pleno Alentejo e remonta ao final da década de 50.
Para lhes matar a sede, no calor do Verão, ia o aguadeiro, rapaz que tinha essa função, levar barris de água, trazida da fonte mais próxima, das muitas que então havia pela charneca. E para matar a fome e ter forças para o trabalho da tarde, ia a panela com o comer adiantado que se cozinhava no local e que se comia em pé, cada qual chegando-se a ela, tirando a sua colherada e afastando-se de seguida para dar lugar a outro.
Aconteceu na “cortiça”…
Todas as fainas agrícolas eram duras, mas era costume fazer brincadeiras e partidas que levavam a suportar melhor a dureza do trabalho. Os corticeiros dormiam em cima dos sobreiros, para se protegerem de bicharada e do gado bravo, dentro de uma coucha de cortiça, onde faziam o “colchão” com carqueja ou palha. Para subirem aos sobreiros faziam uma tosca escada de uma forca dom entalhes para ajudar a subida, mais penosa para os mais velhos.
Certo dia, a rapaziada mais nova resolveu fazer uma partida ao Ti António Diogo Rosa, que era dos mais velhos, quando fosse dormir na sua “coucha”, num sobreiro jovem de tronco frágil.
Combinaram atar uma corda ao chaparro, e quando ele já dormisse, puxassem a corda e o abanassem violentamente.
Acontece que Ti Manel Diogo Rosa também um dos mais idosos e tio daquele, sabendo da tramóia, avisou-o para ele se precaver.
Chegada a noite, escura por sinal, os rapazolas em silêncio total, vai de agarrar na corda e puxar, puxar, puxar… quando uma voz conhecida, em jeito trocista, se faz ouvir do cimo do chaparro: - Puxa, Puxa… que puxas o que é teu!
Ti António tinha atado a ponta da corda ao saco das batatas do rancho, e os rapazolas bem se esforçavam para abanar o chaparro que nem bulia, perante a galhofa dos mais velhos!
Episódio contado por Francisco Morais, protagonista do grupo dos rapazolas, a quem agradecemos o relato
* Joaquim Marques in “O Montesinho” nº 11 – Maio 2010
FOTO – Extraída do mesmo boletim e texto

26.8.24

TEXTOS DE AUTORES NISENSES (17) - Álvaro Pires - Estou velho

 
Estou velho
O Tio João Ratinho vivia naquela rua que lhe chamam agora a Rua da Missa.
Nunca percebi porque lhe puseram aquele nome. Mas também, diga-se em abono da verdade, nunca fiz o menor esforço para saber o porquê da Rua da Missa. Só se viviam ali muito beatos ou beatas, já que a igreja foi (e é) distante dessa rua. No outro ponto da aldeia.
Toda a rua era (e é) calcetada. De «cónhos", como sempre ouvi dizer. Daqueles redondos e de outras formas, mas bastante lisos e rijos. De cores variadas, discretas, mas bonitas. Uma variante de seixos, mas grandes. De difícil desgaste e portanto duradouros. Lembro-me das faíscas que saltavam dos canelos dos burros, machos, bois ou cavalos, quando por ali passavam. Como era (e é) uma rua estreita, tínhamos que nos encostar bem às paredes das casas, para não sermos pisados. Se fossem então os cavalos da Guarda Nacional Republicana, o melhor era fugir, tal o respeito e medo que eles impunham.
A casa do Tio João Ratinho era a última à direita. Tinha uma porta de madeira com um postigo. Não tinha janelas. Olhando lá para dentro só se via escuridão. Apesar de ter mulher, filhos e netos, para mim, catraio, o Tio João Ratinho naquele tempo vivia só. Ainda me recordo das pessoas - pequenos e grandes se meterem com ele, a que respondia invariavelmente com a sabedoria do povo. Quem vai vai, quem está... está!
Há três dias e duas noites que fugíamos deles. Ou eles de nós. Os ruídos que ouvíamos durante a noite e de dia - e só quem andou pelas matas de África sabe o que isso é - dava-nos indícios e que andávamos muito próximos uns dos outros. Só que na mata, ou melhor na guerrilha, tal como no jogo do gato e do rato, vence sempre aquele que for mais esperto. Ou então aquele que for mais bafejado pela sorte. Por outro lado, em mais de dois anos de guerrilha já era nossa obrigação saber o que por ali nos andavam a mandar fazer.
Tínhamos acabado de cruzar um trilho, com todas as cautelas que se impunham. A minha secção era a última, e eu, na bicha de pirilau, era o penúltimo. Com todo o cuidado e segurança, aguardei com o dedo no gatilho que o Soares se aproximasse mais de mim. De repente vejo o meu camarada mudar de semblante e sussurrar me baixinho: Meu alferes... eles vão ali! Ainda vi os últimos três... Instintivamente respondi. Ouve lá seu caralho - na tropa era assim - Quem vai... vai! Quem está… está!
Eles seguiram o seu trajecto e nós, o nosso.
O relatório do comandante da operação rezava assim por não ter sido possível localizar o IN...
           Nos almoços anuais o Soares recorda sempre este episódio. Ele mira a mulher, e os nossos olhos ao cruzarem-se deixam-se vencer por uma lágrima mais traiçoeira.
O Tio João Ratinho era uma pessoa de baixa estatura. Usava um barrete preto, que tombava sobre a nuca. Para a esquerda ou para a direita, não me recordo. Como também era usual naquela época, não dispensava a sua cinta preta, que enrolava à cintura para poder segurar as calças. Com um cós alto, sem passadores para o cinto, que à data não se usava. Do mesmo modo que as camisas tinham um peitilho, do qual saía uma presilha com uma casa na ponta para se abotoar nas ceroulas. De maneira a estas não caírem, como as calças - aos pés de quem as vestia.
Tinha um andar curvado, inclinado para a frente. Não sei como ganhava a vida, mas lembro-me de o ver cavar a horta do meu avô. Aos camalhões, muito bem feitos, todos iguais, como se a cada camalhão correspondesse uma quantidade certa de cavadelas. A distância que os separava era simétrica, como se ele andasse com uma fita métrica a separá-los. Usava umas polainas para não sujar as calças e as ceroulas. Suava muito enquanto cavava, ou porque a idade era avançada, ou porque o calor apertava. O suor caía-lhe pelas faces e principalmente pelo nariz.
Nos dias que ia cavar a horta do meu avô, era lhe oferecido o almoço ou o­ jantar. Nesse tempo o almoço era o jantar e o jantar era a ceia. Comia na mesma mesa que ainda hoje lá esta, mais empenada e com uma perna que já não é dela. Eu devia ser da altura da mesa e distraía-me a ver o Tio João Ratinho a comer. Quando cerrava os dentes, ou melhor as gengivas, para mastigar os alimentos, o seu queixo empurrava para cima os lábios e por sua vez estes faziam com que o nariz também subisse, de maneira que o queixo, boca e nariz, subiam e desciam em uníssono. Subiam todos, quando ele tentava mastigar e desciam também todos, quando ele abria a boca.
Sempre gostei de observar como comem os outros. A semana passada, como todos os sábados, almocei com a minha mulher num restaurante habilmente decorado com muitos espelhos pela sala. De variadas formas e colocados em várias posições.
Ficámos numa mesa onde se podia avistar toda a sala e nomeadamente a entrada e saída do restaurante. Mas também não foi preciso escolher a mesa porque de modo que os espelhos estavam colocados, dava perfeitamente para ver tudo. E vi.
No meu lado esquerdo estava um espelho que mostrava como um cliente comia. Tal e qual como o Tio João Ratinho. O queixo, a boca e principalmente o nariz, moviam-se num sobe e desce desenfreado e em conjunto.
* Álvaro Pires

22.8.24

Câmara de Portalegre investe mais de 200 mil euros na estabilização do antigo Hotel Caraça

Foi assinado, a 22 de agosto, o auto de consignação para a empreitada de Demolição, Contenção e Execução de nova cobertura no Edifício da Rua de Elvas, 60- 62, entre a Câmara Municipal de Portalegre, representada por Fermelinda Pombo Carvalho e a empresa Reerguer – Reconstrução e Construção de Imóveis, Lda., representada por Sérgio Morato Mimoso.
Dadas as características físicas do edifício, será necessário executar uma cobertura temporária de obra em chapa, que possibilite a realização dos trabalhos em condições de pluviosidade e proteger o interior de modo a evitar uma maior degradação.
Os restantes trabalhos incluem a remoção da cobertura e algerozes, conservação das varandas em sacada existentes na fachada, reparação de fissuras e deformações nas paredes exteriores que ameaçam a estabilidade, reabilitação das estruturas de madeira de suporte da escada interior de acesso aos pisos, execução da estrutura de madeira da nova cobertura, com a colocação dos novos algerozes em alumínio e o acabamento dos vãos exteriores existentes a partir do piso 1.
Atendendo ao mau estado de conservação do imóvel, a empreitada tem um conjunto de condicionalismos que importa assegurar para garantir a segurança de trabalhadores e pessoas que circulem no local, bem como para evitar eventuais danos nos prédios vizinhos.
Com um investimento de 202 967, 20 € (acrescido de IVA), a obra tem um prazo de execução de 120 dias.

20.8.24

NISA NA DESPORTIVA - Campeões distritais de Futebol (Infantis )2004

 


SAÚDE: Festa dos dadores de sangue em Arronches

A 07 de setembro
Um momento muito especial vai assinalar os 34 anos da fundação da Associação de Dadores Benévolos de Sangue de Portalegre – ADBSP. A nossa constituição data de setembro de 1990.
Em 2024, a festa de aniversário concentra-se na vila de Arronches, no sábado sete de setembro.
O programa das comemorações tem início pelas 09:30 horas, com receção aos participantes na Praça da República, seguindo-se a celebração de Missa pelas intenções dos dadores e em memória dos que já partiram.
Momento alto com desfile pelas ruas da vila, que antecede a sessão solene. Esta está agendada para o meio-dia no pavilhão multiusos (vulgo Celeiros). O espaço acolhe também o almoço convívio.
Para as 15:00 horas está marcado um espetáculo com a participação das Pedrinhas de Arronches e do Grupo Trigais da Serra, Covilhã. No final tem lugar uma degustação gastronómica.
Apoiam a ADBSP nesta iniciativa: a Câmara Municipal de Arronches e as Juntas de Freguesia de Assunção, da Esperança e dos Mosteiros.
Inscrições na sede da associação (no hospital de Portalegre) ou em https://www.facebook.com/AssociacaoDadoresBenevolosSanguePortalegre/.
JR

15.8.24

PÓVOA E MEADAS: III Torneio de Futsal da AJAL

 

NISA: XI Passeio de Canoagem da Inijovem

 

ARRONCHES: 1º Festival Musical e Cultural

 

MEMÓRIAS(S) NISENSE(S): A propósito do Direito ao Voto

CORRESPONDÊNCIA DO ADMINISTRADOR DO CONCELHO
Carta enviada ao Governador Civil
Em resposta à circular sob o nº 1068 que Vª Exª se dignou enviar-me no dia 21 de dezembro de 1900, tenho a responder que a minha fraca e humilhissima opinião junctamente com a pouca experiencia que tenho em assumptos eleitoraes, me ditam o seguinte: As varias reformas por que tem passado a lei eleitoral, comquanto tenham tendido a dar a mais ampla liberdade ao voto, e se funda em theorias, mais ou menos em harmonia com os principios liberaes não se coadunam com a practica no todo, porque emquanto houver homens, ha de haver interesses, luctas pelos mesmos e grande dependencias, d´onde de ahi aquella não harmonia. A ultima lei eleitoral parece-me sufficiente, porquanto nas passadas eleições, a bôa vontade, energia, competencia e moralidade do homem que preside à Administração Superior do nosso Paiz, mostraram eloquentemente que com ella se podem fazer eleições, com a maxima liberdade, compativel com os interesses partidários e sem  violencias. Comtudo, como esta circunstancia é puramente eventual, porque depende das qualidade moraes do individuo que preside ao governo do Paiz, é minha opinião e de harmonia com os principios que deixo expostos, que o direito ao voto seja restringido, mais do que na actual lei, facultando-se apenas a individuos que pela sua illustração e condições de fortuna pessoal, offereçam mais garantias de independencia.
Deus guarde Vª Exª. / Niza, 12 de fevereiro de 1901

13.8.24

NISA VIVA TEM SITE NA NET

 

  1. A revista NISA VIVA: A Associação dos Naturais e Amigos do Município de Nisa publicou, desde dezembro de 2002, e em suporte papel, a Revista “Nisa Viva”, tendo efetuado 35 edições, ao longo de 21 anos.

O site agora constituído passará a ser o elo de ligação com os associados e nele serão publicados os seus contributos.
VISITE-NOS EM https://nisaviva.com

OPINIÃO: Acelerar a governação neoliberal

 
Ano após ano, no período estival, os trabalhadores e pensionistas portugueses que passam a vida a consumir-se para conseguir, quando conseguem, pagar as contas do mês, são inundados com as notícias dos lucros enormes que os seus sacrifícios e exploração permitiram às grandes empresas e grupos económicos arrecadar. Esses lucros são favorecidos por políticas desenhadas a partir do Estado. Os do primeiro semestre de 2024 aí estão, da banca às energéticas, passando pela grande distribuição: «Lucros dos bancos dão salto olímpico: ganham 2,6 mil milhões até Junho» (Eco, 1 de Agosto); «EDP dispara lucros em 75% para 762 milhões no primeiro semestre» (Jornal de Negócios, 30 de Julho); «Sonae fecha semestre com recordes nas vendas e no investimento, e crescimento de 14% nos lucros» (Expresso, 30 de Julho). Mesmo a dona do Pingo Doce, com menores lucros… «lucrou 253 milhões de euros» até Junho, com as vendas a aumentarem 12,3% e o recuo a ter como explicação um investimento: «Fundação de 40 milhões encolhe em 29% os lucros da Jerónimo Martins no primeiro semestre» (Eco, 24 de Julho).
As grandes empresas a operar em Portugal não querem mais medidas fiscais, apoios e incentivos públicos para aumentar salários, mas para ter mais lucros e remunerar mais o capital accionista. Se as políticas governativas que lhes favorecem os lucros — sem verdadeira contrapartida fiscal, salarial ou de preços —, tivessem capacidade para acabar com os baixos salários, então há muito que estes teriam aumentado. Mas este argumento é sempre usado pelos neoliberais para favorecer com dinheiro público as grandes empresas: salários aumentados jorrariam, por milagre, das contas dos ricos empresários para os bolsos dos trabalhadores pobres e remediados. Nada de novo. A economia do trickle-down sempre foi um dispositivo da propaganda que promete um «escorrer para baixo» que nunca acontece.
Pouco tem mudado, na prática e na comunicação dos neoliberais. Apoiados na bem rodada arquitectura político-institucional da União Europeia e do euro, vão misturando uma real opacidade dos textos de política económica com uma aparente clareza da comunicação. O caso do «Programa Acelerar a Economia — Crescimento, Competitividade, Inovação & Sustentabilidade» (1), apresentado pelo governo de Luís Montenegro no dia 4 de Julho, é paradigmático desta dupla estratégica de política e de comunicação.
O objectivo do Programa, apresentado também pelo ministro da Economia, Pedro Reis, e pelo ministro de Estado e das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, descreve-se com alguma facilidade. Pelo menos na perspectiva de quem olha para a economia como as escolhas que organizam a vida material e procura responder a perguntas como quem sai beneficiado e quem sai prejudicado, ou o que é incluído ou fica de fora. O que aqui se acelera é a governação neoliberal. O ministro da Economia não o esconde: este Programa «vem da economia e vem das empresas». Vem dos grandes grupos nacionais e das multinacionais, com a transposição da directiva europeia que lhes reduz a tributação fiscal mínima a 15%. Vem das grandes empresas, e não das cerca de 40% que nem pagam imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC). Estas últimas não beneficiam das borlas fiscais dadas às mais ricas neste imposto, cuja taxa baixará até 2027 para 15%, nem de outros benefícios fiscais «à contratação, à capitalização e ao investimento» das empresas. Com estas ofertas, o governo dá dinheiro que seria fundamental nos serviços públicos essenciais para contratar médicos, enfermeiros ou professores. Que seria mais bem usado para investir no parque habitacional público, nos aumentos salariais na função pública, nas prestações sociais, na mobilidade, na ferrovia, na recuperação de um serviço postal público, na transição energética…
Mas o «Programa Acelerar a Economia» não é sobre nada disto. Não por acaso, as fontes de inspiração invocadas, além dos privados consultados, são o Fundo Monetário Internacional (FMI) e um estudo recente da Fundação Francisco Manuel dos Santos que, pasme-se, «chegou exactamente às mesmas conclusões» que o governo, diz Pedro Reis, quanto ao peso do IRC e ao papel desta «tributação excessiva» nos baixos salários (não é disto que a maioria das empresas se queixa, mas as que se queixam são as que mais lucros arrecadam…). O governo, abusando do léxico liberal actual para descrever em 20 palavras os «20 Desafios da Economia Portuguesa», associa a cada uma um símbolo gráfico que parece um «abre-te sésamo» para tópicos igualmente aprofundados. Mas nem assim esconde o que opta por ignorar (como os sectores produtivos tradicionais), o que trata com grande detalhe em jargão inglês (como operações de concentração, incentivos financeiros e fundos de investimento), e o que inclui tendo pouco para dizer, mas anunciando comissões e grupos de trabalho (como a reindustrialização sustentável em 2045).
Por detrás da linguagem usada, capaz de fazer sentir ao leitor de esquerda um certo «choque civilizacional», fica o essencial. Além das alterações fiscais para as empresas (IRC, IVA de caixa), o Programa faz uma aposta particular no turismo (sector cujo excesso trouxe baixos salários, precariedade e aumentos brutais da habitação e dos preços para os residentes), na sustentabilidade do mar (lixos marinhos, acidificação do oceano) e nas indústrias da defesa, que são também uma aposta europeia, com o reforço do inevitável «capital humano» e de instrumentos científicos e tecnológicos, em parceria com instituições do ensino superior, favorecendo até que docentes e investigadores participem dos órgãos sociais ou sejam accionistas de start-ups — a bem da inovação, claro. Na aeronáutica, no calçado e fardamento, nos sistemas informáticos de defesa? A «Marca Portugal» vai vestir farda, mas com «talento»…
O «Programa Acelerar a Economia» preocupa-se de facto com «inovação», «empreendedorismo» e «atracção de talentos», mas nada diz sobre precariedade, pobreza ou desigualdades. Apenas uma vez fala de salários, justamente a propósito da tal miragem do efeito da redução de IRC, mas esse é o refrão mais repetido na comunicação dos membros do governo: menos IRC traria mais investimento e crescimento, que traria melhores salários. O primeiro-ministro até desenvolveu o argumento quando foi às «Millenium Talks Lisboa», a 8 de Julho: as medidas do «Programa Acelerar a Economia» «são sobretudo para os pobres, são para transformar os que vivem numa situação de pobreza numa situação mais privilegiada financeiramente»; e a «ligação entre as empresas, o sistema financeiro e o poder político, a administração é obrigatória». Já agora, sobre o anfitrião, o Millenium BCP: «Lucro do BCP sobe 14,7% no primeiro semestre para 485 milhões de euros» (Eco, 31 de Julho).
Quem andar iludido com a natureza profundamente neoliberal da aceleração em curso, e que estará plasmada, o governo não o esconde, no Orçamento do Estado para 2025, é só olhar para estas ligações entre sector financeiro, poder político e grandes empresas.
Sandra Monteiro in www.lemondediplo.com
(1)   O documento completo e a apresentação resumida estão disponíveis em www. portugal.gov.pt


12.8.24

VILA VELHA DE RÓDÃO: Estão a chegar as Festas da Senhora da Alagada

 

VILA VELHA DE RÓDÃO: João Cardoso São Pedro apresentou “Pelo Nosso Riso” na Biblioteca Municipal

Se rir é o melhor remédio, a Biblioteca Municipal José Baptista Martins (BMJBM), em Vila Velha de Ródão, fez jus ao ditado no sábado, 10 de agosto, ao receber a apresentação do livro "Pelo Nosso Riso", da autoria de João Cardoso São Pedro, uma obra integrada na coleção "Rebuscar o Tempo" do projeto "Vidas e Memórias de uma Comunidade", que a instituição desenvolve desde 2009.
Contador de piadas, anedotas e contos jocosos, João Cardoso São Pedro foi desafiado pela BMJBM a reunir em livro um repertório destas pequenas narrativas, um subgénero dos contos tradicionais, que recolheu e divulgou ao longo dos anos e que são um espelho duma visão do mundo onde a crítica social e a vontade de fazer rir o outro vêm ao de cima.
“Neste livro (…) não encontramos anedotas grandes, mas sim aquilo que se poderia chamar “piadas”, (…) ou seja, micronarrativas que geralmente contêm apenas um diálogo de duas falas com um final que provoca o riso” e cuja “brevidade deixa espaço para que mais pessoas intervenham, contando as “suas” anedotas, mas também dá prioridade ao riso, que, como sabemos, é contagiante e libertador de tensões”, como refere Paulo Correia, investigador de Literatura Tradicional e Oral da Universidade do Algarve, na introdução da publicação.
Por entre as tradicionais anedotas sobre temáticas tão variados como, por exemplo, a inocência das crianças, as relações conjugais, os vícios ligados à profissões, os choques entre a cidade e o campo ou as célebres anedotas de alentejanos, na leitura que fez dos textos de João Cardoso, Paulo Correia descobriu mesmo um texto jocoso que ainda não tinha sido encontrado escrito em nenhum outro livro em Portugal, facto que acresce aos outros méritos do livro, cuja apresentação juntou amigos e conhecidos do autor numa tarde de conversa e convívio na BMJBM.




Presente na sessão de apresentação do livro, o vice-presidente da Câmara Municipal de Vila Velha de Ródão, José Manuel Alves, agradeceu a João Cardoso pelo trabalho de recolha destes textos e pelo seu contributo para o enriquecimento do património imaterial do concelho, assim como por nos ter feito rir de nós próprios e dos outros ao longo de tantos anos, com todos os benefícios que isso implica para a nossa saúde física e mental.

11.8.24

MEMÓRIA NISENSE: O falecimento D. Palmira Lobo da Silveira (Alvito) em 1945

 

Finou-se em Lisboa, num destes últimos dias de melancólico Outono, a Senhora D. Palmira Fialho Lopes Tavares Lobo da Silveira (Alvito).
Dobraram por ela os sinos da minha terra, que não era a sua. Mas nem por isso a toada fúnebre e plangente caiu menos doloridamente no coração de quantos alguma vez se deram conta da acentuada simpatia, da manifesta predilecção da bondosíssima Senhora por Nisa e pela sua gente.
Casada com o Sr. D. António Lobo da Silveira (Alvito), fidalgo da mais alta linhagem pelo sangue e correcção no trato social, faleceu sem descendência e assim se extingue e desaparece uma família que a todos os nisenses mereceu sempre, por sua opulência de bens e de virtudes, o maior respeito e acendrada estima.
Foram seus pais, a popularíssima e e muito querida Senhora D. Catarina Fialho, nome por que abreviada e carinhosamente todos a conhecíamos, e o Sr. Dr. José Joaquim Lopes Tavares, espírito culto, magistrado distintíssimo e carácter do melhor quilate.
Também, nesta amarga conjectura, não quero esquecer a figura relevante de outro membro da mesma ilustre família: o Sr. Dr. José Fialho Ferro Lopes Tavares, irmão da finada Senhora D. Palmira, o qual, na carreira diplomática, conquistou, à força de talento e proficiência, o mais honroso e dignificante destaque.
Ao focar, nesta singela evocação, o aprumo, a distinção verdadeiramente fidalga, com que, nas suas anuais vilegiaturas nesta vila, pais e filhos conviviam com a elite local e não desdenhavam tratar despretenciosamente com os mais humildes, a uns prodigalizando requintes de aprimorada sociabilidade e com todos repartindo extremos de afectuosa bonomia sinto-me transportado aos dias da minha infância, em grande parte da qual eu e outro rapazio traquinámos no mesmo largo em que o primogénito, o menino Zico, fazia as suas travessuras...
E quantas vezes da janela, a que se recostava a respeitável Senhora D. Catarina Fialho, nos caía, das suas mãos ou das da sua azougada e gentil filha, um mimo para a nossa gulodice de garotos e se desprendia, do seu espírito folgazão, um incentivo para os nossos brinquedos!...
Como isto vai longe!
No seu magnífico solar, o sumptuoso palácio da Praça do Município, a dois passos da modesta casa em que nasci, (toda a vizinhança o sabia) viviam-se em pleno optimismo, as mais puras alegrias familiares. E a natural euforia, em que se comprazia o ditoso lar, irradiava e transmitia-se a quantos tinham a honra da sua convivência ou, por qualquer motivo, se acercavam de tão atraentes e insinuantes personalidades.
Mas, como tudo o que é humano, também esta pulcra florescência de bem-estar tinha de fenecer!...
Foi o primeiro a morte da benquista Senhora D. Catarina veneranda “dona de tempos idos”, que veio cobrir de perpétuos crepes o coração do marido extremoso e dos filhos amantíssimos.
Algum tempo depois, no regresso de Paris, onde servia na Embaixada de Portugal, a pneumónica vitima, na sua residência em Lisboa, em pujante maturidade intelectual e cívica, o ilustre diplomata José Lopes Tavares.
De então para cá, o pobre pai vive cada vez mais acabrunhado e, embora de quando em quando volva a matar saudades na sua casa de Nisa, são estas que o vão matando. E não lhes resiste.
De ano para ano a sua figura alquebrada verga mais e mais ao peso dos desgostosos e, para cúmulo do sofrimento, ia notando que a filha idolatrada, único ramo sobrevivente da sua árvore genealógica, se consumia ao fogo lento mas implacável de pertinaz doença.
Até que um dia caiu de vez. E lá o levaram da casa que lhe sorrira às mais reconfortantes alegrias domésticas, para a capital, a dormir um sono eterno junto daqueles que na mansão dos justos o esperavam.
E ficou apenas, transida de saudades e amarfanhada por seu irremediável padecimento, a sombra do que fora, noutros tempos, a gárrula, a inteligente, a espirituosa, a alegre e comunicativa D. Palmira.
Apesar de todo o carinho e extremos de solicitude do dedicado esposo, nada podia desviá-la do funesto desenlace. A passos rápidos caminhava para a morte e foi num destes dias últimos de melancólico Outono que a desditosa Senhora encontrou o termo da via dolorosa.
À sua alma, que Deus enriquecera de peregrinos dotes, queira Ele também dar a perenidade da bem- aventurança.
J. Figueiredo – “Correio de Nisa” nº 20 – 9/12/1945
NOTA FÚNEBRE
A Srª Dona Palmira Fialho Ferro Lopes Tavares Lobo da Silveira, esposa do Sr. D. António Lobo da Silveira (Alvito), faleceu no dia 26 de Novembro de 1945, na sua residência na Rua do Salitre, em Lisboa, conforme notícia do "Correio de Nisa" de 2/12/1945.

AVIS: 79º Aniversário do Clube de Futebol "Os Avisenses"

 

POLÍTICA: Pedro Barreto é candidato a líder da JSD Distrital

Pedro Barreto anunciou a sua candidatura à Presidência da Comissão Política Distrital de Portalegre da Juventude Social Democrata.
Este anúncio tomou lugar no Conselho Distrital da JSD de 10 de agosto e surge depois da eleição de João Pedro Luís para o cargo de Secretário-Geral da Comissão Política Nacional da JSD, o que o impede de acumular esta função com a de Presidente da JSD Distrital de Portalegre.
Pedro Barreto tem 21 anos, estuda Direito na Universidade de Lisboa e promete “lançar a JSD no terreno e estar em contacto direto com os jovens do nosso distrito de forma constante, porque só assim é possível elevar a nossa região ao esplendor do seu potencial”, região essa que, segundo o mesmo, “depende da energia e do inconformismo próprios da juventude. É imperativo agir rapidamente e sem olhar a desgastes pessoais para garantir que o futuro e o talento da geração mais qualificada de sempre possam ter lugar no distrito de Portalegre”.
O jovem nisense referiu ainda que um dos maiores objetivos da sua candidatura – que surge com o mote “A Força de Uma Geração” - é “expandir a causa social-democrata por mais concelhos do distrito, através da ativação de mais concelhias, para que seja possível chegar a todos, pois só com todos poderemos fazer verdadeiramente a diferença”, apontando ainda que “a JSD estará inserida na sociedade para lutar pelos interesses dos jovens da nossa região e assegurar que a sua voz seja efetivamente ouvida”.
Por fim, o ainda Presidente da JSD/Nisa admite que está “preparado para continuar o trabalho decisivo e indelével” que João Pedro Luís fez ao leme da JSD Distrital ao longo dos últimos quatro anos.
O Congresso Distrital da JSD realizar-se-á a 19 de outubro na capital de Distrito.