Maio era um mês de intensa actividade agrícola. As mulheres
ocupavam-se nas sachas e mondas. Já os homens se dividiam em grupos e se dedicavam
á ceifa dos fenos, tosquia dos rebanhos e descortiçamento. É desta dura actividade
que hoje aqui trazemos à lembrança, e que ocupava todos os anos um considerável
número de homens da nossa terra que percorriam os campos do Alentejo descortiçando
milhares de sobreiros.
De nove em nove anos repete-se o ritual, numa sequência que
não é eterna mas dura muito mais do que a vida de qualquer tirador. É de Maio a
Agosto que a cortiça se tira, e é bom que tenha chovido bem na Primavera e
venha o Verão quente sem ser abrasador. Sendo assim, sairão melhor as pranchas
de cortiça.
O primeiro corte é feito à altura do peito de um homem, em
redondo à volta da árvore. Depois faz-se um fio de alto a baixo, de cada lado
do sobreiro, e começa-se a desagarrar a cortiça, com a unha da machada, que é
como se chama o cabo dela, muito característico, em forma de cunha. A primeira
prancha é tirada de cima para baixo, até ao chão; as restantes, sempre de baixo
para cima.
Se o sobreiro for muito grosso, fazem-se vários fios, três
ou quatro, para saírem várias pranchas. É assim até às pernadas. Quando se
chega aí, depende da grossura delas: tira-se em prancha, a dois fios, se der
para isso, ou em caneleiros, a cortiça toda de uma vez com a forma de um canudo.
A primeira tiragem que se faz ao chaparro, tirando a cortiça
virgem, toma o nome de desboia.
Na vez segunda é secundeira. Daí por diante é simplesmente
amadia, a que tem maior cotação no mercado.
Um sobreiro dá em média cerca de três arrobas de cortiça (45
quilos), o suficiente para fazer aproximadamente 1400 rolhas naturais de primeira qualidade e
quase outras tantas a partir do granulado resultante das aparas.
As herdades maiores tinham grupos de 50 a 70 corticeiros. A
foto que reproduzimos é de um grupo de corticeiros do Arneiro, em pleno Alentejo e remonta
ao final da década de 50.
Para lhes matar a sede, no calor do Verão, ia o aguadeiro,
rapaz que tinha essa função, levar barris de água, trazida da fonte mais
próxima, das muitas que então havia pela charneca. E para matar a fome e ter forças
para o trabalho da tarde, ia a panela com o comer adiantado que se cozinhava no
local e que se comia em pé, cada qual chegando-se a ela, tirando a sua
colherada e afastando-se de seguida para dar lugar a outro.
Aconteceu na “cortiça”…
Todas as fainas agrícolas eram duras, mas era costume fazer
brincadeiras e partidas que levavam a suportar melhor a dureza do trabalho. Os
corticeiros dormiam em cima dos sobreiros, para se protegerem de bicharada e do
gado bravo, dentro de uma coucha de cortiça, onde faziam o “colchão” com
carqueja ou palha. Para subirem aos sobreiros faziam uma tosca escada de uma forca
dom entalhes para ajudar a subida, mais penosa para os mais velhos.
Certo dia, a rapaziada mais nova resolveu fazer uma partida
ao Ti António Diogo Rosa, que era dos mais velhos, quando fosse dormir na sua
“coucha”, num sobreiro jovem de tronco frágil.
Combinaram atar uma corda ao chaparro, e quando ele já
dormisse, puxassem a corda e o abanassem violentamente.
Acontece que Ti Manel Diogo Rosa também um dos mais idosos e
tio daquele, sabendo da tramóia, avisou-o para ele se precaver.
Chegada a noite, escura por sinal, os rapazolas em silêncio
total, vai de agarrar na corda e puxar, puxar, puxar… quando uma voz conhecida,
em jeito trocista, se faz ouvir do cimo do chaparro: - Puxa, Puxa… que puxas o
que é teu!
Ti António tinha atado a ponta da corda ao saco das batatas
do rancho, e os rapazolas bem se esforçavam para abanar o chaparro que nem bulia, perante a
galhofa dos mais velhos!
Episódio contado por Francisco Morais, protagonista do grupo
dos rapazolas, a quem agradecemos o relato
* Joaquim Marques in “O Montesinho” nº 11 – Maio 2010
FOTO – Extraída do mesmo boletim e texto