11.8.24

MEMÓRIA NISENSE: O falecimento D. Palmira Lobo da Silveira (Alvito) em 1945

 

Finou-se em Lisboa, num destes últimos dias de melancólico Outono, a Senhora D. Palmira Fialho Lopes Tavares Lobo da Silveira (Alvito).
Dobraram por ela os sinos da minha terra, que não era a sua. Mas nem por isso a toada fúnebre e plangente caiu menos doloridamente no coração de quantos alguma vez se deram conta da acentuada simpatia, da manifesta predilecção da bondosíssima Senhora por Nisa e pela sua gente.
Casada com o Sr. D. António Lobo da Silveira (Alvito), fidalgo da mais alta linhagem pelo sangue e correcção no trato social, faleceu sem descendência e assim se extingue e desaparece uma família que a todos os nisenses mereceu sempre, por sua opulência de bens e de virtudes, o maior respeito e acendrada estima.
Foram seus pais, a popularíssima e e muito querida Senhora D. Catarina Fialho, nome por que abreviada e carinhosamente todos a conhecíamos, e o Sr. Dr. José Joaquim Lopes Tavares, espírito culto, magistrado distintíssimo e carácter do melhor quilate.
Também, nesta amarga conjectura, não quero esquecer a figura relevante de outro membro da mesma ilustre família: o Sr. Dr. José Fialho Ferro Lopes Tavares, irmão da finada Senhora D. Palmira, o qual, na carreira diplomática, conquistou, à força de talento e proficiência, o mais honroso e dignificante destaque.
Ao focar, nesta singela evocação, o aprumo, a distinção verdadeiramente fidalga, com que, nas suas anuais vilegiaturas nesta vila, pais e filhos conviviam com a elite local e não desdenhavam tratar despretenciosamente com os mais humildes, a uns prodigalizando requintes de aprimorada sociabilidade e com todos repartindo extremos de afectuosa bonomia sinto-me transportado aos dias da minha infância, em grande parte da qual eu e outro rapazio traquinámos no mesmo largo em que o primogénito, o menino Zico, fazia as suas travessuras...
E quantas vezes da janela, a que se recostava a respeitável Senhora D. Catarina Fialho, nos caía, das suas mãos ou das da sua azougada e gentil filha, um mimo para a nossa gulodice de garotos e se desprendia, do seu espírito folgazão, um incentivo para os nossos brinquedos!...
Como isto vai longe!
No seu magnífico solar, o sumptuoso palácio da Praça do Município, a dois passos da modesta casa em que nasci, (toda a vizinhança o sabia) viviam-se em pleno optimismo, as mais puras alegrias familiares. E a natural euforia, em que se comprazia o ditoso lar, irradiava e transmitia-se a quantos tinham a honra da sua convivência ou, por qualquer motivo, se acercavam de tão atraentes e insinuantes personalidades.
Mas, como tudo o que é humano, também esta pulcra florescência de bem-estar tinha de fenecer!...
Foi o primeiro a morte da benquista Senhora D. Catarina veneranda “dona de tempos idos”, que veio cobrir de perpétuos crepes o coração do marido extremoso e dos filhos amantíssimos.
Algum tempo depois, no regresso de Paris, onde servia na Embaixada de Portugal, a pneumónica vitima, na sua residência em Lisboa, em pujante maturidade intelectual e cívica, o ilustre diplomata José Lopes Tavares.
De então para cá, o pobre pai vive cada vez mais acabrunhado e, embora de quando em quando volva a matar saudades na sua casa de Nisa, são estas que o vão matando. E não lhes resiste.
De ano para ano a sua figura alquebrada verga mais e mais ao peso dos desgostosos e, para cúmulo do sofrimento, ia notando que a filha idolatrada, único ramo sobrevivente da sua árvore genealógica, se consumia ao fogo lento mas implacável de pertinaz doença.
Até que um dia caiu de vez. E lá o levaram da casa que lhe sorrira às mais reconfortantes alegrias domésticas, para a capital, a dormir um sono eterno junto daqueles que na mansão dos justos o esperavam.
E ficou apenas, transida de saudades e amarfanhada por seu irremediável padecimento, a sombra do que fora, noutros tempos, a gárrula, a inteligente, a espirituosa, a alegre e comunicativa D. Palmira.
Apesar de todo o carinho e extremos de solicitude do dedicado esposo, nada podia desviá-la do funesto desenlace. A passos rápidos caminhava para a morte e foi num destes dias últimos de melancólico Outono que a desditosa Senhora encontrou o termo da via dolorosa.
À sua alma, que Deus enriquecera de peregrinos dotes, queira Ele também dar a perenidade da bem- aventurança.
J. Figueiredo – “Correio de Nisa” nº 20 – 9/12/1945
NOTA FÚNEBRE
A Srª Dona Palmira Fialho Ferro Lopes Tavares Lobo da Silveira, esposa do Sr. D. António Lobo da Silveira (Alvito), faleceu no dia 26 de Novembro de 1945, na sua residência na Rua do Salitre, em Lisboa, conforme notícia do "Correio de Nisa" de 2/12/1945.