Finou-se em Lisboa, num
destes últimos dias de melancólico Outono, a Senhora D. Palmira Fialho Lopes
Tavares Lobo da Silveira (Alvito).
Dobraram por ela os
sinos da minha terra, que não era a sua. Mas nem por isso a toada fúnebre e
plangente caiu menos doloridamente no coração de quantos alguma vez se deram
conta da acentuada simpatia, da manifesta predilecção da bondosíssima Senhora
por Nisa e pela sua gente.
Casada com o Sr. D.
António Lobo da Silveira (Alvito), fidalgo da mais alta linhagem pelo sangue e
correcção no trato social, faleceu sem descendência e assim se extingue e
desaparece uma família que a todos os nisenses mereceu sempre, por sua
opulência de bens e de virtudes, o maior respeito e acendrada estima.
Foram seus pais, a
popularíssima e e muito querida Senhora D. Catarina Fialho, nome por que
abreviada e carinhosamente todos a conhecíamos, e o Sr. Dr. José Joaquim Lopes
Tavares, espírito culto, magistrado distintíssimo e carácter do melhor quilate.
Também, nesta amarga
conjectura, não quero esquecer a figura relevante de outro membro da mesma
ilustre família: o Sr. Dr. José Fialho Ferro Lopes Tavares, irmão da finada
Senhora D. Palmira, o qual, na carreira diplomática, conquistou, à força de
talento e proficiência, o mais honroso e dignificante destaque.
Ao focar, nesta singela evocação, o aprumo, a
distinção verdadeiramente fidalga, com que, nas suas anuais vilegiaturas nesta
vila, pais e filhos conviviam com a elite local e não desdenhavam tratar
despretenciosamente com os mais humildes, a uns prodigalizando requintes de
aprimorada sociabilidade e com todos repartindo extremos de afectuosa bonomia
sinto-me transportado aos dias da minha infância, em grande parte da qual eu e
outro rapazio traquinámos no mesmo largo em que o primogénito, o menino Zico,
fazia as suas travessuras...
E quantas vezes da
janela, a que se recostava a respeitável Senhora D. Catarina Fialho, nos caía,
das suas mãos ou das da sua azougada e gentil filha, um mimo para a nossa
gulodice de garotos e se desprendia, do seu espírito folgazão, um incentivo
para os nossos brinquedos!...
Como isto vai longe!
No seu magnífico solar,
o sumptuoso palácio da Praça do Município, a dois passos da modesta casa em que
nasci, (toda a vizinhança o sabia) viviam-se em pleno optimismo, as mais puras
alegrias familiares. E a natural euforia, em que se comprazia o ditoso lar,
irradiava e transmitia-se a quantos tinham a honra da sua convivência ou, por
qualquer motivo, se acercavam de tão atraentes e insinuantes personalidades.
Mas, como tudo o que é
humano, também esta pulcra florescência de bem-estar tinha de fenecer!...
Algum tempo depois, no
regresso de Paris, onde servia na Embaixada de Portugal, a pneumónica vitima,
na sua residência em Lisboa, em pujante maturidade intelectual e cívica, o
ilustre diplomata José Lopes Tavares.
De então para cá, o
pobre pai vive cada vez mais acabrunhado e, embora de quando em quando volva a
matar saudades na sua casa de Nisa, são estas que o vão matando. E não lhes
resiste.
De ano para ano a sua
figura alquebrada verga mais e mais ao peso dos desgostosos e, para cúmulo do
sofrimento, ia notando que a filha idolatrada, único ramo sobrevivente da sua
árvore genealógica, se consumia ao fogo lento mas implacável de pertinaz
doença.
Até que um dia caiu de
vez. E lá o levaram da casa que lhe sorrira às mais reconfortantes alegrias
domésticas, para a capital, a dormir um sono eterno junto daqueles que na
mansão dos justos o esperavam.
E ficou apenas,
transida de saudades e amarfanhada por seu irremediável padecimento, a sombra
do que fora, noutros tempos, a gárrula, a inteligente, a espirituosa, a alegre
e comunicativa D. Palmira.
Apesar de todo o
carinho e extremos de solicitude do dedicado esposo, nada podia desviá-la do
funesto desenlace. A passos rápidos caminhava para a morte e foi num destes
dias últimos de melancólico Outono que a desditosa Senhora encontrou o termo da
via dolorosa.
À sua alma, que Deus
enriquecera de peregrinos dotes, queira Ele também dar a perenidade da bem-
aventurança.
J. Figueiredo –
“Correio de Nisa” nº 20 – 9/12/1945
NOTA FÚNEBRE
A Srª Dona Palmira
Fialho Ferro Lopes Tavares Lobo da Silveira, esposa do Sr. D. António Lobo da
Silveira (Alvito), faleceu no dia 26 de Novembro de 1945, na sua residência na
Rua do Salitre, em Lisboa, conforme notícia do "Correio de Nisa" de
2/12/1945.