2.8.24

OPINIÃO: Polémicas instantâneas

A indignação tem, nos tempos que correm, rastilho curto. Em três ou quatro dias já se escreveram milhões de caracteres sobre a cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos, ainda que declarações e esclarecimentos posteriores sejam importantes para a reflexão. São muitos os argumentos estéticos ou históricos (nomeadamente sobre o contexto e as várias versões do “Festim dos deuses”) em confronto, mas seria porventura mais útil trabalhar sobre a já diagnosticada facilidade com que saltamos de caso em caso com uma agressividade crescente.
François-Xavier Bustillo, cardeal da Córsega, distingue-se do coro de críticas expresso em comunicado pelos bispos franceses pelo tom conciliador. Sublinhando a necessidade de ir à fonte e ouvir as explicações do autor da cena em causa, Bustillo apelou à unidade: “Não é saudável viver em polémicas incessantes”. O diretor artístico da cerimónia, Thomas Jolly, que justificou a inspiração na mitologia e o objetivo de recriar uma festa pagã, recorre ao mesmo desejo de união e sublinhou que quis promover uma iniciativa que “reparasse” e “reconciliasse”.
Não deixa de ser paradoxal que os esforços de inclusão suscitem, em tantos momentos, mais divisionismo do que a desejada unidade e igualdade. Estamos coletivamente mais tribais e alinhados com quem pensa exatamente como nós, mas com cada vez mais dificuldade em respeitar o outro e a sua diferença. Nesse aspeto, da esquerda à direita o erro é o mesmo: o excesso de reatividade e a incapacidade de ouvir (sobretudo antes de criticar).
Paris, com tudo o que possa ter de falha e de imperfeição, ofereceu momentos marcantes e primou pela absoluta diferença. Pode ser questionável a forma como alguns dos “valores da República” foram exacerbados, mas se tentarmos olhar com limpidez para o guião, teremos no mínimo de admitir que houve uma tentativa de abraçar a utopia e a plena liberdade e igualdade. E talvez valha a pena questionarmos se não está a faltar-nos, e muito, a fraternidade que completa o lema da Revolução.
·       Inês Cardoso - 31 julho, 2024