Os Jogos Olímpicos (JO) são geralmente notícia pelas
medalhas (ou a sua escassez) ou pelas polémicas, mais ou menos estéreis, que se
esfumam rápida e inconsequentemente. Como a alegada paródia à última ceia de
Jesus (que afinal era uma recriação da mitologia grega com Dionísio), as
acusações de que a pugilista Imane Khelif é trans (quando nasceu e sempre viveu
como mulher, ainda que tenha níveis de testosterona elevados) ou as suspeitas
sobre o tempo conseguido pelo nadador chinês Pan Zhanle, que retirou 40
centésimos de segundo ao anterior recorde mundial também fixado por ele.
Certamente alheia a controvérsias balofas, a pugilista Cindy Ngamba fez
história ontem, ao garantir a primeira medalha para a Equipa dos Refugiados
Olímpicos. Nascida nos Camarões há 25 anos, vive no Reino Unido e integra a
equipa de 37 atletas refugiados que estão a competir em 12 modalidades.
A comitiva deste ano é liderada por Masomah Ali Zada, que
despertou a ira do regime afegão por andar de bicicleta, a ponto de ser
apedrejada quando pedalava nas ruas de Cabul. Fugiu para França, onde estuda
engenharia e cumpre o sonho de praticar ciclismo de alta competição. Outra das
estrelas desta equipa é o queniano Dominic Lobalu, muitas vezes comparado com o
somali tetracampeão olímpico Mo Farah, que foi a sua inspiração para se
entregar ao atletismo. O atual campeão europeu dos dez mil metros vai correr os
cinco mil metros e quer conquistar uma medalha olímpica.
É a terceira vez que o JO acolhem desportistas de elite que
tiveram de fugir dos seus países, dignificando a tradição olímpica de cultivar
a paz e a amizade entre os povos. “Permite-nos chamar a atenção e compreender a
realidade global de que 120 milhões de pessoas, ou uma em cada 69 pessoas em
todo o Mundo, foram forçadas a fugir das suas casas”, justifica Jojo Ferris,
diretora da Fundação Refúgio Olímpico.
A medalha de Cindy Ngamba é a primeira da equipa, mas é
muito mais do que isso. Porque os 37 atletas em competição representam os 120
milhões de vidas invisíveis que o Mundo quer esquecer.
Helena Norte – Jornal de Notícias - 05 agosto, 2024