25.8.24

OPINIÃO: O que arde na Madeira

 

Já estamos habituados a que um incêndio origine um rol de críticas (ano após ano repetidas) e trocas de galhardetes entre os atores políticos. O que há mais de uma semana arrasa a Madeira acumula, ainda assim, uma sucessão de incidentes que mostra de forma exemplar o ambiente político muito próprio do arquipélago.
Se é verdade que o PS se mostrou precipitado ao pedir uma comissão de inquérito para apurar o que falhou na resposta ao fogo, o presidente do Governo Regional foi generoso a dar balas ao adversário. Não tanto por ter demorado a interromper as férias (com mais relevância simbólica do que efeito direto na gestão de emergência), mas pela arrogância e sobranceria que foi demonstrando em diversas intervenções.
Desde logo pela recusa de meios auxiliares numa fase mais precoce do incêndio. Só após vários dias foi admitida a necessidade de meios aéreos adicionais (que a Madeira já teve em 2022 mas cortou devido à despesa) e aceite a colaboração de equipas da Força Especial de Bombeiros e dos Açores.
A aparente desvalorização inicial do fogo foi mantida com insistência por Miguel Albuquerque mesmo quando os milhares de hectares ardidos tornaram evidente a dimensão dos danos e as chamas começaram a atingir a floresta Laurissilva. Repetindo a tese de que o importante é não haver pessoas ou habitações atingidas, o líder regional minimizou as  
consequências nos ecossistemas e rematou com a lapidar declaração de que não aceita “lições” de ninguém.
A cereja no topo do bolo foi a alegada tentativa de impedir o acesso da Comunicação Social e o relato de pressões sobre jornalistas que assinaram notícias sobre o tema. As limitações foram denunciadas pelo Sindicato dos Jornalistas e obrigam a refletir sobre os vícios de quem está habituado ao poder monocromático. Em momentos de crise, a incapacidade de lidar com o escrutínio é o sinal mais revelador de que muito falhou por estes dias na Madeira.

Inês Cardoso – Jornal de Notícias - 23 agosto, 2024