Já estamos habituados a que um incêndio origine um rol de
críticas (ano após ano repetidas) e trocas de galhardetes entre os atores
políticos. O que há mais de uma semana arrasa a Madeira acumula, ainda assim,
uma sucessão de incidentes que mostra de forma exemplar o ambiente político
muito próprio do arquipélago.
Se é verdade que o PS se mostrou precipitado ao pedir uma
comissão de inquérito para apurar o que falhou na resposta ao fogo, o
presidente do Governo Regional foi generoso a dar balas ao adversário. Não
tanto por ter demorado a interromper as férias (com mais relevância simbólica
do que efeito direto na gestão de emergência), mas pela arrogância e sobranceria
que foi demonstrando em diversas intervenções.
Desde logo pela recusa de meios auxiliares numa fase mais
precoce do incêndio. Só após vários dias foi admitida a necessidade de meios
aéreos adicionais (que a Madeira já teve em 2022 mas cortou devido à despesa) e
aceite a colaboração de equipas da Força Especial de Bombeiros e dos Açores.
A aparente desvalorização inicial do fogo foi mantida com insistência
por Miguel Albuquerque mesmo quando os milhares de hectares ardidos tornaram
evidente a dimensão dos danos e as chamas começaram a atingir a floresta
Laurissilva. Repetindo a tese de que o importante é não haver pessoas ou
habitações atingidas, o líder regional minimizou as
consequências nos ecossistemas e rematou com a lapidar
declaração de que não aceita “lições” de ninguém.
A cereja no topo do bolo foi a alegada tentativa de impedir
o acesso da Comunicação Social e o relato de pressões sobre jornalistas que
assinaram notícias sobre o tema. As limitações foram denunciadas pelo Sindicato
dos Jornalistas e obrigam a refletir sobre os vícios de quem está habituado ao
poder monocromático. Em momentos de crise, a incapacidade de lidar com o
escrutínio é o sinal mais revelador de que muito falhou por estes dias na
Madeira.
Inês Cardoso – Jornal de
Notícias - 23 agosto, 2024