Olho pela janela e vejo a Ponte Vasco da Gama, um pouco do estuário do Rio Tejo e recordo já com saudade - ou impaciência! - as muitas vezes que a atravessei nas minhas voltas motociclistas.
É sinónimo de viagem e, neste caso, inspiração para uma sugestão de passeio, assim que nos libertemos desta virose que nos atrofia: o Rio Tejo, sim....mas na outra ponta, perto do local onde, vindo de Espanha e após um breve trajecto em que serve de fronteira, passa a ser integralmente português.
O ponto onde começo esta descrição é uma vilazinha com cerca de 1500 habitantes situada na margem esquerda do rio: chama-se Alvega e tem uma história curiosa com ela relacionada. Referir apenas que a toponímia vem desde os tempos da ocupação muçulmana da península.
Aqueles que viveram a sua infância nos anos 60 e 70 do século passado lembram-se de um personagem célebre dos livros de quadradinhos: o Major Alvega (mais tarde veio também a gerar uma pequena série para televisão que tinha a componente inovadora de misturar cartoon e personagens reais). Este militar era um ás da aviação na Segunda Grande Guerra, pilotava os famosos Spitfire da RAF e batia-se em épicas batalhas contra os inimigos da Luftwaffe nazi. Aliás, ele era um lusodescendente como o seu nome revelava: Jaime Eduardo de Cook e Alvega.
De facto, a história original não era bem esta, mas as traduções, feitas para publicação em Portugal na revista Falcão, tinham este condimento adicional, obra do seu tradutor (e imposição dos fervores nacionalistas da política da época), que por acaso também era conhecido. Refiro-me Anthímio de Azevedo, meteorologista de grande mérito, que apresentou durante longos anos o Boletim Meteorológico na RTP.
Conta-se que, quando começou a fazer as traduções, necessitava de um nome para o personagem e o nome desta vilazinha ribatejana inspirou-o para o apelido do herói.
Chegamos a Alvega vindos da EN118 - que desde o Montijo percorre a margem esquerda do Tejo - ou pela A23 (na margem direita), saímos para a EN358 e atravessamos o rio na Ponte das Mouriscas.
Partimos então de Alvega para a descoberta desta parte do Rio Tejo. Adianto que o trajecto que vos vou descrever merece também ser feito de comboio pela linha da Beira Baixa. É uma outra experiência que vale a pena. Seguimos pela EN118 rumo a nascente. Poucos quilómetros adiante, na povoação de Casa Branca e onde a estrada faz uma pronunciada curva à direita, vamos seguir em frente, em direcção à Barragem de Belver.
Estrada estreita e algo sinuosa leva-nos até uma das 2 barragens no percurso do Tejo em Portugal: a Barragem de Belver. Passamos por cima do seu paredão e temos defronte a que outrora foi o aglomerado de casas dos trabalhadores da barragem. A automatização levou à desertificação. Com dificuldade se vê vivalma!
Passamos ao lado da Praia Fluvial de Ortiga e dirigimo-nos a Belver. Passamos Torre Fundeira e Torre Cimeira e em breve começamos a ver, destacado no horizonte serrano, o Castelo desta bonita vila que tem uma característica sui generis: apesar de situada na margem direita, pertence ao Alentejo (distrito de Portalegre). Com uma localização privilegiada sobre o rio, dominando do alto parte significativa do seu percurso, foi peça estratégica relevante desde o início da nacionalidade.
O castelo fica no cimo de um monte e o casario principal noutra elevação, o que transforma a vista do castelo magnífica, qualquer que seja o lado por onde o olhemos. E merece uma visita.
Seguimos caminho, descendo até à ponte metálica que leva o nome da povoação. Centenária (construída em 1907) e recentemente restaurada, tem no seu final na margem esquerda o acesso ao passadiço pedonal que nos pode levar até à praia fluvial do Alamal. Vale a pena percorrê-lo, mas é preferível neste caso fazê-lo em sentido contrário.
Assim, seguimos a N244 que une Belver a Gavião, mas logo de seguida viramos à direita na direcção do Alamal. Descida pronunciada, vai aos poucos revelando aquele magnífico recanto.
Aproveitando a albufeira da Barragem de Belver, com as águas tranquilas do rio e na outra margem, vigilante e altaneiro o Castelo de Belver revela-se no seu esplendor paisagístico.
Se o tempo estiver de feição, este é excelente local para passar umas horas de “papo para o ar”. Entremeando uns banhos de sol com outros nas águas do Tejo. Desfrutando do areal, da paisagem e, se essa for a vontade, percorrendo os cerca de 4km de extensão do passadiço que nos leva novamente até à Ponte de Belver.
A saída faz-se por onde entrámos. Seguimos directamente até Gavião, onde reencontramos a EN118. Por ela seguimos até perto de Arez. Aqui, 3 opções se nos deparam: à direita rumo a Portalegre, à esquerda rumo à Barragem do Fratel (a outra barragem do Tejo) e à A23 ou, opção que seguimos, em frente pela EN364 até Nisa. Se a oportunidade se proporcionar (e o gosto ajudar) porque não uma paragem para saborear o famoso queijo de ovelha que leva o nome da terra?
Nisa é atravessada pela EN18, um dos itinerários principais criados pelo Plano Rodoviário de 1945 (o mesmo que criou a EN2), que nos seus quase 400km une a Guarda a Ervidel, bem no Baixo Alentejo. A proposta é percorrermos os 18km que unem esta vila alentejana a Vila Velha de Ródão, a porta de entrada na Beira Baixa.
São 18km de pura delicia de condução através da Serra de Nisa (e ao voltar façam novamente em sentido contrário).
E regressamos ao Rio Tejo. Que atravessamos pela ponte metálica das Portas de Ródão. E se esta ponte merece destaque pela sua antiguidade pois foi construida em 1888, é dela que temos uma das melhores vistas para o monumento geológico que lhe dá o nome: o Tejo é aqui apertado entre duas falésias, as Portas de Ródão.
E regressamos ao Rio Tejo. Que atravessamos pela ponte metálica das Portas de Ródão. E se esta ponte merece destaque pela sua antiguidade pois foi construida em 1888, é dela que temos uma das melhores vistas para o monumento geológico que lhe dá o nome: o Tejo é aqui apertado entre duas falésias, as Portas de Ródão.
No final da ponte, a estrada segue à direita rumo a Vila Velha e depois a Castelo Branco. Não é por aí. Voltamos à esquerda seguindo uma placa que indica “Castelo”. À nossa esquerda continuamos a ver o rio e o seu estrangulamento. até que nos embrenhamos numa estrada mais sinuosa e entre montes.
Percorridos cerca de 6km nova placa nos indica que o Castelo fica à esquerda. Por aí seguimos e deparamos com uma torre de atalaia e um miradouro sobre a falésia - estamos por cima das Portas de Ródão - com uma vista soberba sobre o Tejo, a planície alentejana à nossa frente, com os recortes da Serra de Nisa logo ali, a Serra de S. Mamede um pouco mais longe. Se for hora, recomenda-se o pôr do sol! E, com um pouco de sorte, poderemos também observar o voo de alguns exemplares da comunidade de grifos que tem o seu habitat nestas encostas.
Conta-se que Vamba, último dos reis visigodos e que reinou de 672 a 680, mandou construir este castelo dado o seu alcance estratégico. De facto, daí conseguia dominar a vastidão dos territórios então dominados pela moirama.
E aí começou a sua desdita, também...
Do outro lado do rio, vivia um rei mouro que se tomou de amores pela mulher do rei cristão. Impulsivo e cego pela paixão, o mouro construiu um túnel por debaixo do leito do rio Tejo mas....enganou-se nos cálculos e a saída foi dar a um outro lugar, mais afastado, que hoje é designado por “Buraca da Moura”.
A história tem diferentes versões. Presume-se em ambas que o amor era correspondido.
Numa delas, conta-se que a rainha terá fugido pelo túnel com o rei mouro. Vamba, disfarçado de mendigo, descobriu-a e acabou por a trazer de volta.
Outros contam que o rei visigodo descobriu a saída do túnel e apercebeu-se da traição da sua rainha.
Seja como for, história como esta só podia terminar em tragédia!
Desgostoso e irado pela traição, Vamba achou que o amor proibido teria que merecer castigo apropriado. E assim, a rainha acabou por ser lançada por uma das escarpas das Portas de Ródão.
Não sem, na sua queda fatal, ter amaldiçoado Vamba e aquela terra, que desde então se diz maldita...
Texto e fotos de Henrique Saraiva a quem agradecemos