28.6.20

NISA: Devoção a S. Pedro, patrono de pastores e creadores (II)

DESCRIÇÃO DOS FESTEJOS DE S. PEDRO (Meados do séc. XIX)
(…) Os pastores e creadores d´esta villa elegeram S. Pedro seu Patrono e lhe fazem anualmente uma festa no mez de setembro, que é a maior e principal, que aqui se faz: consta de duas partes, e de ambas participa o glorioso santo: a primeira, que é a religiosa, começa por vésperas solemnes, a que assiste toda a corporação adornada com as suas melhores galas, e no dia seguinte, que é sempre um domingo, missa de pontifical, e às vezes musica e sermão, a que concorrem os festeiros e seus famílias de um e outro sexo; a segunda consiste em lauto banquete e jogos, cantares e folias, e bebidas, que se distribuem a todos, que concorrem, e sobretudo na chacota, que é a maior solemnidade do festim.
Ordena-se o préstito pelas três horas da tarde da véspera em casa da festeira, d´onde se sae: vem precedido por um tambor, que bate a marcha, e um pifano ou gaita de folles, que o acompanha, seguem-se seis formozas donzellas vestidas no melhor gostos e elegância que podem, com pequenas bandeiras encarnadas, e no centro a festeira com o estandarte, e depois uma ala parallela de zagaes com suas casacas e calções, e meias brancas e fivellas de grandeza patriarchal, que serviram já nos casamentos e baptisados de sete gerações, que as vão protegendo de qualquer avaria; e atraz d´elles seis pastoras e duas respeitáveis matronas, com suas saias de chamalote, e roupinhas de grandes abas à polka e pandeiros de metal e soalhas, levantam as cantigas em honra do santo, que o coro todo, composto de muitas raparigas da terra, em harmonia e suavidade repete, acompanhado por duas violas, que menestréis da villa vão tangendo: fecha o cortejo outra ala de jovens pastores, que as vão guardando e defendendo de qualquer aperto na grande concorrência, que as acompanha, e vae seguindo; e depois de assim ordenado dirige-se à egreja do Prinicipe dos Apóstolos, quaes outrora os pastores do Tibre ao templo de Pan em Roma, onde canta muitas loas e cantigas, que antiga tradição transmitiu, e ninguém ousa alterar: toca-se o sino, levantam-se vivas, é victoriado S. Pedro, e no meio do maior alvoroço e alegria, recolhe tudo à villa cantando e folgando, e assim se dirigem à Matriz a cantar e festejar tambem o Santíssimo Sacramento, a quem dirigem muitas orações e cantigas; e d´ali a casa da primeira auctoridade administrativa, a quem cantando imploram a precisa licença para correr a villa; e alcançada, o favor torn-se geral, porque todos e todas são agraciada com alguma cantiga, ou versinho em seu louvor; à porta dos pastores é victoriado sempre o pendão do santo, e à das madrinhas descança o cortejo, recebendo alguns refrescos, que lhe estão preparados; e assim em perfeito folguedo e satisfação se pass o resto do dia, até que pelas dez horas da noite chega ao logar d´onde viera; e então o divertimento varia: um lindo fogo d´artificio arde no meio dos applausos e enthusiasmo d´um numerosíssimo concurso, que depois se converte em completo prazer com os repetidos doces, bebidas e tremoços, que os festeiros lhe mandam servir na rua mesmo, onde estão: ha muitos bailes, jogos e divertimentos, que se prolongam até que no dia seguinte o luminoso filho de Latona fendendo os ares em sua carroça dourada, lembra aos concorrentes de que é tempo de volver às penas e trabalhos, de que a vida é cheia, e que por algumas hors tinham esquecido.
N´este dia repete-se a funcção em casa dos novos festeiros, que recebem a bandeira, e depois a victoriam e conduzem em verdadeira ovação por toda a villa, e depois o mesmo préstito, e cantigas e folgares, e banquetes da véspera, e às vezes com maior apparato e grandeza, conforme os brios e haveres de quem dispende: e é uma festa, em que todos tomam parte e que interessa a todos: e são tão raras estas occasiões de prazer e folguedo geral na vida, e principalmente na vida que se vive em Niza, que não podemos deixar de fazer sinceros votos ao céo para que a conserve em toda a sua pureza e ostentação, com que tem passado por tantas gerações, que a tem gosado, e nol-a transmitiram.
 Memória histórica da Notável Vila de NizaJosé Diniz da Graça Motta e Moura