17.6.20

NISA: Quem "roubou" a água da Galiana?

O abastecimento de água à vila de Nisa constituiu, a par da construção do Hospital da Misericórdia, uma das principais obras feitas no tempo do Estado Novo. 
O sistema lançado a partir da Serra de S. Miguel e alicerçado nas captações de águas das nascentes da Galiana foi inaugurado em 1944. A partir dessa altura Nisa passou a dispor, finalmente, de água em quantidade e, sobretudo, em qualidade.
Para isso foram precisos alguns anos, uma vontade férrea de executivos autárquicos, esmolando do poder central cada escudo a investir em tamanho empreendimento. Uma obra colossal para a época, cada metro de vala escavada a pá e pica, mulheres com grande couchos de cortiça à cabeça transportando a areia onde assentava a tubagem de fibrocimento, numa extensão de cerca de dez quilómetros, desde a serra até à Estação Elevatória e daqui até ao Depósito construído para o efeito numa das extremidades da vila. 
A Central Elevatória e o Depósito das Águas constituíram, em si mesmos, outros empreendimentos de vulto, para os quais foi preciso uma paciente e persistente acção junto do Governo para que a obra se concluísse e não representasse o fiasco que foi a "inauguração" de 1932. 
Doze anos depois, a vila de Nisa dispunha de água suficiente e de grande qualidade para o abastecimento humano da sua população, situação que se manteve até início dos anos 70 quando o aumento da rede e a mudança dos hábitos de consumo (introdução das máquinas de lavar) veio tornar problemática a satisfação das necessidades da população.
Da estação elevatória da Galiana eram bombeados, diariamente, no Verão, 500 metros cúbicos de água, ainda assim insuficientes no maior aperto do calor e das férias dos emigrantes. 
De carência era pois a situação que se deparou aos primeiros executivos autárquicos eleitos após o 25 de Abril. A Galiana foi garantindo um abastecimento irregular, foi dando o que tinha e não tinha,  sempre insuficiente face ao brutal aumento do consumo. Estudar e implantar um sistema de abastecimento alternativo, tornou-se um "quebra cabeças" para os autarcas da época, face à urgência de uma solução, e de um problema que se agudizava com a chegada de cada Verão. 
Garantido o abastecimento à população, em quantidade, a partir do Tarabau e estação de tratamento no Santo António, a qualidade perdeu-se. Mas havia água para os usos e consumos domésticos e industriais. A Galiana continuou a "dar" o seu contributo para o abastecimento dos nisenses. Depois, veio a "febre empresarial", a ambição de tornar a água pública em negócio privado, uma fonte de rendimento para alguns. O abastecimento em "alta" ("alta" e "baixa" surgiram como novas designações de um negócio florescente) passou a ser feito pela empresa das Águas do Norte Alentejano e a partir de captações na Barragem de Póvoa e Meadas e Apertadura. 
Os sistemas municipais e os equipamentos que lhe estavam adstritos tornaram-se "obsoletos" e foram deixados ao abandono. O edifício e anexos da Central Elevatória da Galiana na EN18 é uma casa esventrada de onde foram roubados diversos equipamentos. As portas escancaradas deixam ver a quem espreita, um cenário de lixo, sujidade, de abandono precipitado, uma imagem nada edificante para um edifício público e para um equipamento municipal que tantos e tão bons serviços prestou à população. Estão ali, aos olhos de quem passa, mostrando o desleixo e a degradação. 
As nascentes da Galiana na Serra de S. Miguel, os nossos "Olhos de Água" são um local luxuriante, quase paradisíaco. Nesta altura mais parecem pertencer à floresta tropical, tal a quantidade de fetos e silvas que cobrem as diversas casas de nascente e também a "casa-mãe" onde as águas depois de passarem por um crivo gigante eram encaminhadas para a tubagem rumo à estação elevatória.
Onde não chega. Perdeu-se no percurso. Ainda alimenta a "Fonte da Tijela", mas depois perde-se-lhe o rasto, encaminhada talvez para outros "rumos" ou, perdida, numa ruptura da canalização, que as boas consciências entendem não dever reparar.
Em tempos não muito distantes e face à emergência de nova fonte de abastecimento, pensou-se no aproveitamento das Águas da Galiana para fins medicinais ou para comercialização como águas de nascente. Propriedades, dizem os especialistas, não lhe faltariam. Mas ficou tudo em " águas de bacalhau"
O que se lamenta, o que é vergonhoso, quando tanto se fala no ambiente e no aproveitamento dos recursos endógenos (esta palavra irrita-me!), é que um caudal de água pura e cristalina que fez as "delícias" de milhares de nisenses, seja jogada fora, deixada ao abandono, como coisa sem préstimo e desnecessária.
Água é vida! A água da Galiana é vida a dobrar!
Desprezá-la, como os poderes públicos o estão a fazer, é um crime de lesa ambiente e lesa população.
Mas "isto" é música que não entra em certos ouvidos...
Mário Mendes