No passado dia 15 de fevereiro, estive em Boquilobo, terra natal do general Humberto Delgado, dois dias depois do 55.º aniversário do seu assassinato. Foi morto em terras espanholas, pela PIDE, cuja função era perseguir e se preciso, torturar e até matar, quem fosse contra o regime de Salazar, que ainda promoveu e louvou os assassinos do perseguido General Sem Medo que até tinha vaticinado: “Eu estou pronto a morrer pela liberdade”.[1]
Os assassinos andam aí, assim como os destiladores de ódio. Está por cumprir a luta de Gandhi, de Martin Luther King, de Nelson Mandela e outros. O jogador maliano, Moussa Marega, ainda teve de nos mostrar a sua indignação, perante a apatia em torno do racismo óbvio e gratuito em pleno século XXI, desta sociedade preconceituosa.
O racismo não é uma ideologia, é um problema grave de educação! Para piorar, ainda temos um comentador, agora deputado, que se está nas tintas para a lei fundamental e para a exclusividade de funções. Este deputado incentiva o ódio e nega a existência de racismo. Estes são os sintomas dos “mercenários do ódio”, como defende o economista e professor do ISCTE, Ricardo Paes Mamede.
Portugal tem um passado tenebroso no que diz respeito ao comércio de escravos e à sua atitude colonialista, que nos levou até às últimas consequências, com prejuízos registados ainda nos nossos dias. Já é altura de mostrarmos que este país, que fez progressos na abolição da pena de morte, na despenalização do aborto e da eutanásia, é o país que deve reconhecer a sua essência secular multicultural, ecuménica e democrática, aceitando a participação de todos e de todas as forças que lutem por um país igualitário.
Dito isto, não devia existir espaço e apoio para as forças que defendem o racismo e a xenofobia. Mas o que é certo, é que andam aí a fazer sucesso com os seus populismos fascistoides e a resposta é a mesma, é um problema grave de educação. Infelizmente é mundial e cresce a olhos vistos, em especial no conservadorismo como acontece nos EUA e agora a agravar-se no Irão com o ultraconservadorismo. Os movimentos nacionalistas e a extrema-direita crescem e levam o Papa Francisco, a admitir, estar assustado e a manifestar uma grande preocupação, comparando esta deriva a um retrocesso aos anos 30 do século XX.
Trump, absolvido da acusação de traição pelos seus correligionários, em maioria no senado norte-americano, aproveitou para indultar amigos corruptos e ainda, com o seu amigo Benjamim Netanyahu acusado de corrupção em Israel, acertaram uma proposta de paz unilateral e literalmente a achincalhar o povo palestiniano. São cenários preocupantes a nível mundial, em que o enfraquecimento da direita está a dar lugar ao crescimento assustador da extrema-direita.
A extrema-direita governa os EUA com Trump e no Brasil com Bolsonaro, mas, também cresce na Europa com a Liga de Salvini em Itália, a Aurora Dourada na Grécia, o AfD na Alemanha, a FN de Marine Le Pen em França, o Fidesz de Viktor Orbán na Hungria, passando por alguns países nórdicos e bem perto de nós, em partidos como o VOX e o CHEGA. Intitulam-se partidos de protesto, mas não passam de defensores do totalitarismo virado para o desmantelamento do Estado Social e para a descriminação étnica e racial.
Não nos enganemos quanto á origem, ao que defendem e até quem admiram. Depois de assassinar nove pessoas por motivos xenófobos, matou a mãe e suicidou-se; este alemão defensor do nazismo, no seu manifesto impregnado de ódio, manifestou a sua admiração por Donald Trump. Este ato terrorista ocorreu no passado dia 20 de fevereiro; nada disto é uma coincidência e o mundo não pode ficar indiferente. Segundo a Interpol, os atentados da extrema-direita aumentaram 320%.
O mundo está assustado com a possibilidade de uma pandemia provocada pelo Covid-19, mas as autoridades tardam em reconhecer. Da mesma forma, muitos ignoram a pandemia da extrema-direita e aqui, também não podemos ficar indiferentes. Muitos, como Humberto Delgado foram abatidos por lutar contra mentalidades bafientas e retrógradas; Marega exigiu respeito pela sua dignidade e nós? Sophia de Mello Breyner escreveu: “Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar”[2].
Paulo Cardoso - Rádio Portalegre - Desabafos - 28/2/2020(1) Discurso de campanha eleitoral no Cineteatro em Chaves (22-05-1958)
[2] Sophia de Mello Breyner Andresen, Cantata da paz, in “Canções Com Aroma de Abril” imortalizada pelo cantor de intervenção, Francisco Fanhais.