Saramago em entrevista à RTP disse que “contra a morte não podemos nada” e no seu livro “Intermitências da Morte" (2005), escreveu que “a nossa única defesa contra a morte, é o amor”. Este escritor debruçou-se sobre o nosso papel, enquanto seres vivos e com capacidade para alterar ou não o rumo da vida. No “Ensaio sobre a Cegueira”, Saramago, no final do livro mostra-nos que as pessoas não aprendem…
Tivemos vários avisos e experiências que antecederam o COVID-19 e que o mundo continuou a desvalorizar. Agora, muitos começam a entender a importância de um SNS fortalecido. Os privados e os seguros mostram bem a sua falta de apetite por situações que podem dar prejuízo. E o dinheiro esbanjado com os PPP’s e em especial com os Bancos, dava para termos um SNS de excelência e preparado para nos defender desta guerra invisível.
Aumenta a preocupação para com os sem-abrigo, as pessoas na pobreza-extrema e os idosos. O COVID-19 funciona como a espada de Dâmocles e não escolhe, leva todos os que estão expostos. A pandemia cresce, a economia afunda, mas se a esperança morrer, morre tudo… O melhor índice de evolução de uma sociedade é o nível de investimento na saúde pública.
Trump desvalorizou os alertas mundiais e afirmou que estava tudo controlado; apelidou ainda o COVID 19 de “vírus estrangeiro e vírus chinês”; acusou a OMS de dar informações falsas; repetiu a retórica dos negacionistas, como faz em relação às alterações climáticas. Conseguiu ainda irritar os alemães ao querer comprar os direitos de uma futura vacina.
Bolsonaro acusou de histeria, os preocupados com o vírus; também está na linha de contestar a ciência e só lhe falta afirmar: morram as pessoas, salve-se a economia. Salvini imita Trump comparando o vírus com os refugiados e ficamos sem palavras para classificar o plano de Boris Johnson para criar “imunidade de grupo” contra o coronavírus.
É a extrema-direita irresponsável, declarados portadores de outras estirpes de vírus, no seu estilo xenófobo e despida de solidariedade. Estes conservadores convergem na simpatia por um sistema de saúde privado, ou seja, a sobrevivência apenas para quem tem dinheiro.
O Conselho Nacional de Saúde Pública rejeitou a hipótese do fecho de Escolas quando o Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças o estava a recomendar. O Japão, Singapura e Hong-Kong aplicaram medidas exemplares e controlaram a pandemia. Na Europa, Itália e Espanha são o maior exemplo do descontrole da situação por uma atitude tardia. O mais importante é a disciplina de todos nós e o pior é a U.E. a resolver o problema a encher dos bolsos dos banqueiros.
A U.E. mais uma vez funcionou de forma lenta e em serviços mínimos. Fechar apenas as fronteiras não resolve o problema, mas sim rastrear e implementar o controlo sanitário que infelizmente começou mal e tarde. Esse controlo deve ser feito sem limites criando fronteiras sanitárias internas. Na Lombardia as pessoas deslocaram-se para o sul do país e propagaram a epidemia, colocando um pais inteiro de quarentena.
Neste momento o que importa é seguirmos as recomendações, perante uma emergência social, de saúde pública e económica, o medo é o nosso maior inimigo e a luta é a maior defesa. Todos temos que assumir a responsabilidade e quem tem o dinheiro dos nossos impostos, deve aplicá-lo no combate a esta pandemia. Os trabalhadores da saúde estão numa luta histórica e merecem as melhores condições e a máxima atenção. Sem o SNS como o programa do CHEGA se apresentou, a maioria dos portugueses, não iria ter garantias de tratamento.
As consequências disto tudo não as sabemos, mas é urgente a requisição civil de pessoas, de meios e combater os oportunismos e os abusos. A economia à beira de uma recessão, já está a criar vítimas com despedimentos; com os pequenos negócios, recibos verdes e restauração; os emigrantes como os explorados no Baixo Alentejo, sem direitos e sem proteção. É a hora de sermos responsáveis na luta por um futuro justo e sustentado.
Regresso a Saramago e a “Intermitências da Morte", gostava de acreditar nesse final “no dia seguinte ninguém morreu”, mas não é assim. No livro “Ensaio sobre a Cegueira”, Saramago convida-nos à reflexão do comportamento do ser humano e para exemplificar que muita gente não quer ver a realidade, recordo Angel, um aldeão francês, o primeiro intervencionado a um transplante de córnea no século XVII; consta que ficou horrorizado com o mundo que viu e daí nasceu a expressão “O pior cego é o que não quer ver”.
Paulo Cardoso - 27-03-2020 - Programa "Desabafos" / Rádio Portalegre