Vamos todos à Romaria!
Eram nove horas naquela manhã de
Primavera, com os nisenses a acordar ao som das bonitas melodias
interpretadas pela Banda de Música de Nisa, que passava na rua a dar
a alvorada, enquanto no ar já se ouvia o estoirar dos foguetes,
expedidos lá do cimo do cabecinho de Nossa Senhora da Graça, a
nossa padroeira, como a quererem dizer, que já eram horas de partir
para a Romaria.
Noutros tempos, o trajecto (4
quilómetros) era feito a pé, em que a folia dos rapazes e raparigas
iam alegrando os caminheiros, cuja primeira paragem obrigatória
seria, como prova de fé, na “Oliveira do Encontro” para aí se
fazer e deixar, uma cruz de paus, pois era uma tradição antiga.
Hoje, a oliveira já não existe,
porque não a souberam salvaguardar e os romeiros já vão de
automóvel.
Com mais uns risos e gargalhadas,
começava-se a avistar a ermida, ainda lá longe, fazendo-se outra
breve paragem para ir ver o “Penico dos Pastores”, de igual modo
vandalizado e roubado.
O percurso ia chegando ao fim e já nas
imediações da capela, a primeira coisa a fazer era escolher o local
onde se iria merendar: o terreno mais propício, a melhor sombra e a
melhor visibilidade, deixando lá o farnel, para que outras pessoas
não o pudessem ocupar.
Na encosta da colina existiam os
“botequins” das bebidas e a barraca da massa frita (brenhól).
Mais acima, no átrio de Nossa Senhora dos Prazeres, estavam
instaladas as tendas das lembranças, onde não faltava a pinhoada e
as “santinhas” de açúcar, ali bem perto do célebre fotógrafo.
Às horas da missa e da procissão,
quase toda a gente subia lá acima ao cabecinho, local de culto, onde
se iria cumprir as promessas e pedir à nossa padroeira, o bem-estar,
saúde e sorte para toda a família, contribuindo-se com donativos em
ouro e dinheiro, sendo as notas afixadas com alfinetes no manto da
Senhora.
Algumas pessoas ofertavam “ramos”
que eram depois arrematados, logo a seguir ao almoço, ao som da
música.
Não faltava na romaria, um pezinho de
dança, acompanhado por vários componentes da banda ou pelas
harmónicas de algum músico de improviso.
E para a festa ser festa, era por vezes
necessária a intervenção da guarda republicana, a cavalo, porque
quase sempre havia zaragatas.
A hora do almoço era aquela em que o
convívio era mais forte e sentido. Despertava ali uma espécie de
“magia” a que a paisagem verdejante dos campos e o cheiro das
flores silvestres não era alheio. Era uma sensação de bem-estar,
poucas vezes sentida durante o ano e a que não faltavam os
condimentos das iguarias tradicionais, o bom vinho caseiro a marcar
presença, os pastéis de bacalhau (almôndegas), empadas, painhos,
lombos, carne assada de borrego e os bolos da Páscoa. A rapaziada
mais modesta, contentava-se com um “pirolito” e um “lagarto”
ou “freira” com um ovo lá dentro, bolos que eram confeccionados
pelas nossas mães: aos rapazes cabiam os “lagartos” e as
raparigas tinham direito a uma “freira”.
Antes do regresso à vila, os rapazes
iam apanhar espargos e beber a bela água cristalina das fontes,
enquanto as raparigas se entretinham em ir colher um ramo de flores,
perfumadas com o cheiro das papoilas e do rosmaninho, que elas
guardavam durante várias semanas.
Os que tinham mais dinheiro, como
lembrança, compravam um “relógio” ou uma “santa” de açúcar,
sendo que os primeiros eram para os rapazes e as “santas” para as
raparigas.
Os que não tinham pressa em regressar
ficavam lá a ver e a aplaudir os “ases do pedal”, rapaziada que
apostava uns com outros em como eram capazes de subir até lá acima
na bicicleta.
À tardinha, as pessoas que por
qualquer motivo não puderam ir à Romaria, tinham o hábito de ir
esperar o pessoal, junto à Fonte do Frade, metendo conversa com este
e aquele, perguntando: “ Então, gostaram da Romaria? E não houve
“garreias” este ano?”.
Era assim, noutros tempos a nossa
Romaria à Senhora da Graça. Descrevemo-la aqui como a vimos e
sentimos, não deixando de sentir um frémito de emoção e saudade.
“O que vem do coração pode-se
escrever, mas não o que o coração é”
António Mourato (Conixa) – 24/3/2008